São múltiplos os papéis que as mulheres desempenham. Inseridas em diversas atividades, movimentam comunidades e são hoje protagonistas de suas próprias vidas. Neste 8 de março, Dia Internacional da Mulher, trazemos aqui uma história marcada por trabalho, ações e a determinação na busca de seus sonhos.
Aos 67 anos, Renilde Cembrani Raminelli tem sua trajetória de vida dedicada aos afazeres no campo. Na juventude, junto com os pais Gentil e Ana Maria, moradores de Linha Brasileira, em Sobradinho, atuava especialmente no cultivo do fumo em corda e do feijão. Naquele tempo, estudou apenas até a quinta série, formação primária, mas que a possibilitou estar de igual forma inserida nas atividades comunitárias. “Naquela época não era tão longe, mas não tinha ônibus, e aí não foi fácil sair de casa para estudar. Segui trabalhando na agricultura, mas sempre com a vontade de continuar estudando, era o meu sonho”, recorda.

Aos 22 anos, casou-se com Mario Jaci Raminelli, passando a residir em Linha Seis, Ibarama. A vida se estabeleceu naquela comunidade, tendo como primeiro desafio em casal, o intenso trabalho para desfrutar daquelas terras como proprietários. Juntos, dividiam as funções na lavoura, com o tabaco de estufa e o Burley, além do feijão e cultivos para subsistência, e os afazeres em casa. “Também iniciamos o plantio do pomar, laranjeiras, pessegueiros e outras frutíferas, com o sonho de parar de plantar fumo, investindo mais em cultivos voltados à alimentação”, revela Renilde.
Publicidade

Então vieram os filhos, Clarissa, em 1983, e Luciano, em 1984. A jornada diária novamente se transformou, dedicando tempo aos pequenos. “Era bastante puxado, mas sempre tive meus sonhos, pensando em um futuro melhor para nós, para a humanidade, quando viesse os filhos também, que tudo fosse melhor. E sempre fui lutando por isso, por justiça, por tudo que podia lutar, nos movimentos e coisas assim”, salienta.
Foi com eles e suas tarefas escolares que Renilde aplicou os conhecimentos de seus poucos anos de estudo, e aprendeu mais. Antenada aos livros, revistas e às notícias, procurou manter-se atualizada sobre questões regionais, sobretudo sobre assuntos que lhes despertaram sempre maior atenção, envoltos ao meio rural. Depois, o ninho acabou ficando vazio, com os filhos voando para construírem suas trajetórias. “Saíram de casa no mesmo dia, na mesma hora. Não foi fácil. Fomos levá-los, a Clarissa pegou o ônibus para Santa Cruz do Sul e o Luciano para São Vicente do Sul, ambos para estudar, e voltamos para casa sozinhos”, menciona Renilde sobre um dos momentos que a marcaram e a eles também, que hoje residem em Santa Cruz do Sul, encaminhados em suas trajetórias profissionais.

Participantes de movimentos ligados à busca por conquistas no campo, Renilde e Mario também tornaram-se guardiões junto à Associação de Guardiões de Sementes Crioulas de Ibarama. Antes disso, contudo, já davam sequência à preservação de sementes tradicionais, como o milho. “Quando nos casamos, meu pai nos deu algumas sementes de milho para plantar, da variedade chamada de dente-de-cão, hoje conhecida como cunha. E aí plantamos muitos anos, era fácil de debulhar com as mãos, pois naquele tempo não tínhamos máquina. Também trouxemos de casa sementes de outros cultivos e dos experimentos com o grupo de guardiões”, destaca.
Publicidade

As experiências como guardiões oportunizaram diversos momentos de trocas culturais e de conhecimento, seja entre os próprios agricultores ou através de profissionais ligados a entidades e instituições como Emater/RS-Ascar, Embrapa, Capa e universidades. “A gente sempre esteve envolvido em grupos, entidades, movimentos de mulheres, fumicultores, alguns dos quais hoje já não existem mais. Atualmente então estamos inseridos nas associações dos guardiões e dos artesãos”, acrescenta.
O incentivo também motivou o plantio de dezenas de árvores, entre frutíferas, oliveiras e pés de erva-mate, além de cultivares diversos, transformando a propriedade do casal em ponto de referência para grupos de estudos de diversas escolas e universidades gaúchas e local de visitação voltado ao agroturismo. Receber os visitantes e poder explicar sobre os cuidados ao longo das décadas e a contribuição para a agrobiodiversidade são motivos de orgulho para Renilde e Mario. “Deixamos de plantar o tabaco há mais de oito anos e nos dedicamos a diversas outras cultivares. Com as variedades tradicionais, algumas de nossas sementes, junto com as de outros guardiões de Ibarama, ingressaram neste ano no Banco Mundial de Sementes, em Svalbard, na Noruega. Quando começamos, não imaginava que fossemos receber tantas pessoas, estudantes, professores, pesquisadores, mas sonhava. O Soel Claro, que trabalhou nesta região pela Emater, quando plantamos os pés de erva-mate, nos disse que iria ficar um espaço lindo também para o turismo. Ele foi um dos primeiros a falar sobre agroturismo na região. Nunca esqueci o que ele disse. Agora, quando vejo os ônibus chegando, com crianças, jovens e adultos estudantes, sempre lembro daquelas palavras. Ele era um sonhador e comecei a pensar que a gente podia transformar em realidade também”, revela.

Em 2017, Renilde conquistou o Prêmio Pioneiras da Ecologia, da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, e em 2013 e 2023 o casal recebeu o troféu Destaque em Agricultura, promoção da Gazeta e Rotary Club de Sobradinho.
As mãos na terra também se voltaram para um trabalho minucioso, que assim como a preservação das sementes, remonta aos antepassados. Renilde passou a se dedicar ao artesanato, utilizando-se das palhas do milho que cultivam. Com criatividade, transforma o material em obras de arte. O que seria um passatempo ou incremento na renda, também a possibilita partilhar os aprendizados através de cursos e a assumir, por algumas vezes, o cargo na diretoria da Associação dos Artesãos de Ibarama. “Minha mãe já trabalhava com as palhas de milho, eram coisas mais simples, e eu já gostava de acompanhá-la. Depois fiz um curso e aí não parei mais. Hoje eu estou dando cursos e procuro sempre fazer coisas diferentes, inovar”, salienta a agricultora e artesã, que entre suas multifunções também já foi catequista e hoje, junto com o marido, tornaram-se ministros da Eucaristia. “É algo que também nos fortaleceu na fé. Ao levar a Eucaristia para as pessoas doentes, isso também nos impulsiona a fazer uma reflexão da vida, como temos que viver bem.”
Publicidade

O amor pela terra, que foi além dos cultivos para venda e subsistência, se transformou em um expressivo cuidado com a natureza. Esta paixão a impulsiona a buscar cada vez mais conhecimento, participando de cursos e formações, a assistir e ler sobre, além de sonhar com a realização da graduação em Biologia. Para isso, novos passos foram dados. Renilde voltou para a sala de aula, na Escola Estadual de Ensino Médio Catarina Bridi, onde está cursando a EJA (Educação de Jovens e Adultos), buscando concluir os ensinos fundamental e médio. “Depois de casada, já tinha os filhos, eles me incentivaram a fazer os supletivos, e fui eliminando algumas matérias. Sempre dizia que quando tivesse a oportunidade iria estudar o que não consegui passar. Mas aí surgiu a EJA em Ibarama, então agora vai ser eliminado o Fundamental e logo vai ser implantado também o Médio. Agora não vou só eliminar, vou todas as noites e estou gostando de todas as matérias. Estudar é bom. Depois espero conseguir a minha tão sonhada faculdade de Biologia”, enfatiza.

Com a carteira de habilitação, feita após completar 60 anos de idade, Renilde também tem agora mais mobilidade, o que a oportuniza ir e vir com facilidade. Além de oferecer caronas, também incentivou algumas das colegas a retornarem aos estudos. “Entrar na sala de aula, depois de tantos anos, foi uma tremenda alegria. Não tem nem como descrever.”
Nesta semana, pela passagem do Dia Internacional da Mulher, Renilde deixa como mensagem: “Sigam em frente, levantem a cabeça, que obstáculos a gente encontra sempre. Não é que não encontrei obstáculos, encontrei muitos, mas eles estão aí para a gente superá-los.”
Publicidade