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ALEXANDRE GARCIA

Entre Thêmis e Kafka

Nove anos depois do incêndio na Boate Kiss, o caso foi julgado em Porto Alegre. Apenas quatro pessoas foram responsabilizadas por 242 homicídios e 636 tentativas de homicídio. Ao cabo de dez dias, os proprietários foram condenados a 22 e a 19 anos e o vocalista da banda e um auxiliar, a 18 anos cada. A acusação os denunciara por dolo eventual com fogo, asfixia e torpeza. Depois, foram suprimidas essas qualificadoras e subsistiu homicídio simples. A defesa leu carta “psicografada” por um morto; o juiz proferiu uma sentença em linguagem dramática e estranha e o julgamento terminou deixando a impressão de que ficou faltando réu. Afinal, a boate estava forrada com material inflamável com potencial de fumaça tóxica; não havia extintor funcionando nem saída de emergência para evacuar sua capacidade de 2 mil pessoas. Mas a boate estava credenciada por alvará oficial, o que significa ter sido inspecionada pela autoridade competente. O Estado, autor da ação penal, deve ter concorrido para a tragédia.

Os condenados não ficaram logo presos, pois houve recurso, derrubado nessa terça-feira pelo ministro Fux. Coincidentemente, durante esses dez dias um réu de quase 400 anos teve sua pena diminuída de 14 anos, Sérgio Cabral. Faltam 385 anos, mas o TRF2 revogou a prisão preventiva e concedeu-lhe prisão domiciliar. Presente de Natal. Também nesses dez dias o processo do triplex de Guarujá prescreveu, e com ele a condenação de Lula na Vara de Curitiba, confirmada no tribunal revisor, mas anulada pelo Supremo por questão de jurisdição – a mesma razão que propiciou desconto de pena para Cabral. Lula já teve 26 anos de pena anulados; Eduardo Cunha, menos 38 anos. Num desses dez dias, o STJ mandou para o Tribunal Eleitoral 15 condenados, entre eles Palocci, João Vaccari, Marcelo Odebrecht, João Santana, porque concluiu que 200 milhões de propinas da Odebrecht eram apenas caixa dois de campanha. Segundo o Estadão, um total de 277 anos de penas já foi anulado – a maior parte relativa à Lava Jato. A maciça maioria dos que foram presos já está em liberdade.

O triplex agora vai ser sorteado pela pessoa que o arrematou em leilão. Outros itens serão sorteados entre os que entrarem, por R$ 19,99, numa plataforma da internet. Mas… se já está prescrito o processo e Lula voltar a dizer que é dele? E se o pessoal que se livrou da Lava-Jato, e já devolveu o que depositou na Suíça, pedir o dinheiro de volta? Afinal, o TRF2 acaba de desbloquear os bens de Lobão e Jucá. E se os proprietários da Boate Kiss alegarem que foram vítimas da confiança gerada por um alvará que atestava segurança para eventos e processarem o Estado? Isso dá ideia do que chamamos no Brasil de segurança jurídica.

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Nesses mesmos dez dias, por crime de opinião, e ao contrário de Sérgio Cabral, Zé Trovão foi confirmado em prisão preventiva, para não açular os ânimos dos manifestantes do 7 de setembro que passou. Também com preventiva o deputado Daniel Silveira, que talvez no 13 de dezembro tentaria ressuscitar o AI-5? Além disso, a PGR sugeriu manter Roberto Jefferson preso, pois fanfarronice virou crime. Tudo irônico e absurdo. Fica difícil justificar que quem desviou, em última análise, o dinheiro suado dos pagadores de impostos tenha da Justiça um tratamento complacente, enquanto sobra rigor para quem expressou pensamento e está preso sem condenação, enquanto condenados estão em liberdade pelo trânsito em julgado. A Justiça deveria ser veneradora de sua deusa Thêmis; não cenário de O processo, de Kafka.

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