A sequência de alagamentos registrada desde terça-feira, 17, no Vale do Rio Pardo, com bairros inteiros de Santa Cruz do Sul, Vera Cruz, Encruzilhada do Sul e outras cidades atingidas, reacende um alerta cada vez mais difícil de ignorar: a intensificação dos eventos climáticos extremos. Segundo especialistas ouvidos pelo Portal Gaz, o aumento da frequência e da intensidade das chuvas está diretamente relacionado às mudanças climáticas, agravadas pela falta de infraestrutura e planejamento urbano resiliente.
De acordo com a coordenadora do Centro Socioambiental da Unisc, Priscila Mariani, o principal fator por trás dos eventos extremos não é necessariamente o volume total de chuvas em um ano, mas a sua concentração em períodos curtos. “O problema é que essa chuva, que deveria cair ao longo do ano, agora se concentra em poucos dias. Isso causa impacto imediato, com risco à vida, à estrutura urbana e ao meio ambiente”, explica.
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Além disso, Priscila reforça que esse cenário já era previsto por modelos climáticos elaborados com base em dados coletados por instituições como o Instituto de Pesquisas Hidráulicas (IPH) e o Instituto Nacional de Meteorologia (INMET). “Os estudos mostram que tanto secas, quanto chuvas intensas serão mais frequentes. E o nosso estado é uma das regiões mais afetadas por essa nova realidade climática.”
Ainda assim, ela ressalta que os dados disponíveis ainda são insuficientes para prever com precisão o comportamento de cada evento. “Por isso é tão importante termos redes de monitoramento locais, como as estações meteorológicas instaladas na região.”
O projeto citado por Priscila é coordenado pelo professor Leonel Tedesco, do Programa de Pós-Graduação em Sistemas e Processos Industriais da Unisc. A iniciativa, que integra o laboratório de cidades inteligentes da universidade, conta com 13 estações meteorológicas espalhadas por municípios do Vale do Rio Pardo. As estruturas foram financiadas pela Secretaria de Inovação, Ciência e Tecnologia do RS e fornecem dados em tempo real sobre volume de chuvas, ventos e ondas de calor.
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“A gente entendeu que melhorar a nossa captação de fenômenos meteorológicos seria uma boa alternativa, porque ela vai ao encontro tanto da parte ambiental como beneficia a agricultura”, ressalta Leonel.
O professor destaca que a rede de estações é considerada bem posicionada e escalável. “Quanto mais ampliarmos essa rede, mais precisão teremos para lidar com fenômenos como o que estamos enfrentando agora.” Tedesco reforça a utilidade dos dados para a Defesa Civil e a população. “A gente quer continuar contribuindo com uma grande base de dados para que possamos executar uma inteligência estratégica, tanto no meio ambiente quanto no projeto das cidades, agricultura, ações emergenciais, geração de alarmes”.
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Além de uma interface acessível para pesquisadores e gestores públicos, os dados também são disponibilizados ao público no site maisvales.unisc.br, de forma simplificada.
Ações complementares
Embora o debate sobre soluções como desassoreamento de rios e construção de diques surja a cada novo evento extremo, Priscila Mariani reforça que nenhuma dessas medidas funciona isoladamente. “O desassoreamento vem sendo pautado como uma das soluções mágicas. E sim, ele é um procedimento que em alguns casos é necessário, mas precisa estar muito pautado sobre estudos, diagnósticos.” A coordenadora reforça que obras estruturantes são importantes, mas sem um plano diretor eficiente, sem um plano de contingência bem definido, elas não vão ser suficientes”.
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Ela destaca que uma área de várzea, por exemplo, naturalmente será ocupada pelo rio em períodos de cheia. “Por isso, essas áreas precisam ser destinadas a usos compatíveis, como parques ou áreas de lazer, que não exponham a população ao risco.” E complementa: “é um problema complexo e não existe solução simples. Mais do que nunca, precisamos trabalhar de forma integrada.”
Chuvas e articulações futuras
Apesar dos danos causados nos últimos dias, como a queda da cabeceira de ponte em Vera Cruz, alagamentos no Arroio Grande e demais impactos em Santa Cruz do Sul, os especialistas alertam que a situação atual, embora grave, é menos abrangente do que a vivida em maio de 2024. Naquele ano, o volume de chuva chegou a ultrapassar os 1.000 milímetros em alguns pontos do Estado e afetou praticamente todo o território gaúcho. Agora, os acumulados são em torno de 350 milímetros, concentrados especialmente na Região Central. A previsão, segundo destaca, é que a chuva perca força a partir de sexta-feira, 20.
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Desde a tragédia de 2024, o Centro Socioambiental da Unisc tem atuado junto a governos e entidades para desenvolver projetos como o Reflora e o Muda, voltados à recuperação de matas ciliares e contenção de margens de rios. Além disso, foi criado o Comitê Pró-Clima do Vale do Rio Pardo, em parceria com o Cisvale, para coordenar ações e buscar financiamentos junto ao Estado.
“A ideia é: se a gente vai reconstruir os Vales, que seja de uma forma diferente. A gente viu que da forma que o Vale estava, ele não estava adaptado para esse novo cenário”, finaliza Priscila.