Estranhas formas de vida, não necessariamente alienígenas, têm estado no centro das discussões nos últimos dias. Ou pelo menos são percebidas com estranheza por quem enxerga de longe (mesmo porque de perto, como diz o chavão, ninguém é normal).
Até agora, não há evidência de que a febre dos “bebês reborn” seja mais do que um hobby viral e inofensivo de adultos extravagantes, embora já existam projetos de lei criados para conter supostos efeitos nocivos. Talvez seja mesmo muito barulho por algumas bonecas realistas demais.
Fazendo um exercício, dá para entender o que há de atraente em um “reborn”: é um bebê que não chora, não acorda os pais de madrugada, não suja as fraldas todos os dias. E o melhor de tudo: não corre o risco de crescer e se tornar uma criatura desagradável, ingrata e muito aquém das expectativas criadas pelos genitores. Seres vivos não raro são decepcionantes e te olham atravessado; simulacros são obedientes e previsíveis. Posso não concordar, mas entendo.
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Também seria fácil prejulgar os “therians”, aqueles que se identificam tanto com certos animais que resolvem se portar como tais. Uma questão para avaliação de psicólogos, não de qualquer leigo. Por que o impulso de jogar pedras, se hoje é tão comum dizer “prefiro bicho do que gente”? É de estranhar que alguém prefira se tornar ou parecer um animal? Qual é a vantagem de ser gente? Atualmente, isso não chega a ser um demérito?
Muito pior é desumanizar pessoas contra sua vontade, deixando-as não ao nível de animais, mas de insetos que podemos esmagar sem remorso. É o que acontece, por exemplo, em qualquer uma das guerras em curso no planeta. Estranho, estranho de verdade, é quem se revolta mais com bebês de silicone e “therians” do que com famílias exterminadas em bombardeios inaceitáveis. Que vida é essa?
Em A metamorfose, ficção clássica de Franz Kafka, Gregor Samsa acorda certa manhã transformado em um inseto gigantesco (barata, escaravelho ou assemelhado). Seguem-se três momentos distintos na relação dos familiares com Gregor. Primeiro, sentem medo e repulsa. Depois passam a aceitá-lo, desde que permaneça escondido do mundo. Por fim, vão odiá-lo, como um peso excessivo de que é preciso se livrar.
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Entre humanos ditos “normais”, em muitos casos, é certo que a etapa da aceitação já foi superada pela fase final há bastante tempo.
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