O design, a indústria e o comércio de móveis são um ramo da economia de enorme importância em uma sociedade, pois seus produtos marcam presença em todos os ambientes. Nesse universo, o especialista Fernando Jaeger não é apenas mais um nome. É uma grife, reconhecido como um dos mais influentes designers, referência nos mais exigentes mercados.
E essa história principiou em Santa Cruz do Sul, onde Jaeger nasceu, em 1956, e cresceu. Foi uma longa e desafiadora jornada. Atualmente, aos 69 anos, radicado em São Paulo, ainda visita com alguma regularidade sua terra natal. No momento de definir uma área de formação, optou por cursar Desenho Industrial na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). E já por mais de quatro décadas revoluciona o setor, hoje com quatro lojas em São Paulo e duas no Rio de Janeiro. Nelas exibe linhas de móveis cujas inovações e soluções fazem sucesso no mundo todo.
Talvez não seja exagero afirmar que a história do design contemporâneo de móveis passa por Santa Cruz do Sul. Tudo porque é a terra natal de um dos grandes expoentes desse ramo de criação e de produção na atualidade, o empresário Fernando Jaeger. No design de móveis, existe um antes e um depois de Jaeger. Para seus conterrâneos ou para os demais que tenham interesse em saber sobre a trajetória e sobre o seu portfólio, uma estratégia é consultar o livro que marca os 40 anos de sua carreira. Fernando Jaeger – quatro décadas de design foi lançado pela editora Monolito, em 368 páginas, nas quais constam inúmeras informações sobre o seu percurso, a partir de Santa Cruz, bem como sobre as circunstâncias que o levaram ao ramo moveleiro, que elevou à categoria de arte, muito além de um caráter utilitário. Dezenas de fotos ilustram a obra.
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Sofisticação é uma palavra ou um conceito muito a propósito para descrever o volume, em acabamento primoroso. E, obviamente, também para definir as criações de Jaeger. Uma elegância, um refinamento, um requinte, uma distinção que foram sendo agregados pelo profissional ao longo de uma carreira marcada por muita superação.
Ele vem de família de classe média baixa, como cita em seu livro. Seu pai era eletricista autodidata, e ocupava-se, entre outros, de projetos e de instalações elétricas em fumageiras. Assim criou os quatro filhos, dos quais Fernando é o mais novo, 11 anos depois do terceiro dos irmãos, e 18 após o primogênito. A mãe faleceu quando Fernando tinha um ano e meio. O pai casou-se novamente e o nenê passou a ser criado pela madrasta (depois veio ainda uma menina). Seus estudos iniciais foram realizados na escola Estado de Goiás, e nessa época começou a se interessar por desenhar com lápis e papel.
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Em dado momento, passou a frequentar também o aeroclube, e aos 16 alimentou o plano de se tornar piloto de caça. Prestou exame na Escola Preparatória de Cadetes do Ar, em Canoas, mas não foi aprovado. Adiante, começou a desenhar motos e carros, ainda de forma incipiente. Então veio uma guinada completa em sua vida. Aos 18 anos, um de seus irmãos, que morava no Rio de Janeiro, ficou viúvo, e propôs que ele se mudasse também para essa cidade a fim de auxiliar no cuidado com um filho pequeno, de 2 anos (repetia-se com o sobrinho o que ele próprio passara). Por lá, e determinado a se preparar para o vestibular, tratou de acompanhar de perto o noticiário nacional, em meados dos anos 80, ao final do regime militar e no começo da reabertura democrática.
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Em meio à rotina de estudos, colaborava com desenhos e ilustrações para jornais, revistas e empresas. Finalmente, ingressou no curso de Desenho Industrial, bastante concorrido, na UFRJ. Ali, no segundo semestre de 1978, conheceu Yáskara Idemori, jovem do interior paulista (de Penápolis) que estudava arquitetura, e que viria ser sua esposa. Começava, ainda na graduação, uma parceria que se estenderia pela vida afora, em um apoio mútuo que elevou, nas décadas seguintes, o nome de Fernando Jaeger a ser sinônimo de móveis de alta qualidade, na realidade nacional e também para o concorrido mercado internacional.
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Confira a entrevista com Fernando Jaeger
Gazeta do Sul – Como o mercado de móveis se encontra hoje no Brasil, e o que representa em termos econômicos?
Fernando Jaeger – O Brasil tem um parque industrial moveleiro considerável, que ainda é muito importante nessa época de desindustrialização acentuada que vivemos. É claro que a produção de móveis populares e planejados é preponderante, mas tenho observado nos últimos anos uma maior valorização de se agregar design nas indústrias, e o design brasileiro despontou no exterior. Temos participado de mostras e em show-rooms durante o Salão do Móvel de Milão e em outros países. Isso nos têm dado mais visibilidade. Autores brasileiros dos anos 50 têm seus móveis disputados em galerias no exterior.
Designers atuais também fazem sucesso lá fora. Para ilustrar, há um mês recebi três arquitetos do Estúdio Lissoni, de Milão, que estão desenvolvendo projetos de arquitetura no Brasil, em uma de minhas lojas. Eles ficaram bastante impressionados com o que viram e muito provavelmente vão especificar nossos móveis em seus projetos. Inclusive recebi um convite para visitá-los quando for a Milão.
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Alguma área ou algum nicho é particularmente promissor nesse segmento? O que mais tem ocupado a atenção de empresários e especialistas?
Acredito que um sinal de maturidade na produção de móveis e outros produtos é não simplesmente copiar, que sempre é o caminho mais fácil, pois alguém dedica tempo, raciocínio, e vem alguém e pega carona num produto que está fazendo sucesso. Só que isso resulta em um produto desvalorizado, pois a cópia tem que ser mais barata, para vender. Já o design autoral agrega valor, ao invés de desvalorizar. Um cliente com cultura sabe diferenciar uma cópia de um original.
Tenho praticado isso desde que comecei na profissão, inclusive aí em Santa Cruz, onde comecei a desenvolver móveis em pequenas marcenarias e estofarias que só atingiam o mercado local. Com esse trabalho, elas foram se desenvolvendo e atingiram mercados do Brasil inteiro e hoje são indústrias com um trabalho bem diferenciado e valorizado.
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Para futuros profissionais, o que mais se espera ou o que mais se pede, em termos de formação ou de especialização, a fim de ser bem-sucedido?
Transpirem! Todo começo é difícil e trabalhoso, mas não desistam. Procurem estudar e aprender o máximo que puderem e, ao entrar na profissão, procurem pensar diferente. De coisas iguais e banais o planeta está cheio. E tenham também uma consciência sustentável, projetando produtos duráveis e não mais descartáveis.
O Rio Grande do Sul é muito relevante nesse comércio e nesse mercado? Como o senhor situaria os gaúchos em termos de protagonismo e de criatividade?
O Rio Grande do Sul tem com certeza o maior parque moveleiro do Brasil e sempre admirei o empreendedorismo do gaúcho. Só que também tenho uma crítica – várias empresas adotam o caminho da cópia ou da produção na China. Sempre procurei desenvolver um design que pudesse ser produzido no Brasil, agregando valor e fomentando nossa economia. É mais difícil e mais custoso, mas até agora tenho conseguido. A boa notícia é que várias empresas já perceberam que ter produtos autorais as diferencia e passam a ter mais mercado, inclusive lá fora. Alguém vai querer competir com os chineses em termos de preço? Então, o produto tem que ter um diferencial que eles não têm.
Quais são, em sua avaliação, os diferenciais ou atributos mais valorizados ou que mais devem ser buscados no que tange a móveis?
Vivemos em um meio social, cultural, dinâmico. Então, é normal termos influência de outras culturas e de outras épocas. Observamos soluções antigas e procuramos transformá-las e aprimorá-las. Minhas primeiras inspirações, por exemplo, foram os móveis que havia em minha casa. Um dos primeiros projetos que desenvolvi foi da releitura da Cama Patente, muito comum nas casas nos anos 50 e 60, que está sendo produzida (a releitura) e vendida até hoje. No ano passado, eu e minha mulher estivemos na Dinamarca, num evento de design, e observamos que eles ainda produzem móveis dos anos 40 e 50, que continuam atuais. O bom design é o que atravessa o tempo.
Esses conceitos mudaram muito ao longo do tempo? Como esse setor lida com as referências do passado, de diferentes épocas?
No começo os projetos eram feitos na prancheta, com régua e compasso, mas já faz tempo que adotamos os computadores para nos auxiliar. Só que para mim eles são boas ferramentas, apenas. Nada supera uma boa ideia que sai de nossa cabeça. Isso é o essencial.
Por falar em exterior, o que os embates fiscais, a partir das decisões de Trump, têm provocado nesse mercado, ou como têm afetado o setor?
Sobre as ameaças do sr. Trump, para nós elas não fazem muito efeito já que não dependemos de exportação para os EUA. Anos atrás pensei em abrir uma loja lá, mas não achei o momento adequado, pois ainda estavam sobre os efeitos da crise econômica de 2008. Atualmente, acho que, pelo andar da carruagem, eles vão enfrentar outra crise profunda. Vamos ver o que aparece depois dessa agitação toda.
Como foi a sua vivência em Santa Cruz? Conte-nos um pouco de seu tempo na cidade e de seus laços familiares e de amizades.
Sigo visitando a cidade uma vez por ano, onde tenho até hoje os meus parceiros mais antigos – Beto e Plauto Schuh, da Plagil Móveis. Já são 38 anos juntos, agora com uma nova geração assumindo também a empresa. Gosto muito, como bom gaúcho, de um bom churrasco, e uma visita ao Centenário é sempre obrigatória. Santa Cruz tem o melhor bufê que conheço, o Le Chef, e não poderia me esquecer do famoso Camarão à Grega do Águas Claras, onde sempre nos hospedamos. Sou fã da Cerveja Heilige. De vez em quando, peço algumas caixas para apreciá-la e matar a saudade aqui em São Paulo.
Sobre parentes, infelizmente não tenho mais muitos em Santa Cruz, além de um sobrinho e de primas e primos. Meus irmãos mais velhos já se foram e tenho apenas uma irmã, que mora no Rio de Janeiro.
Que outros projetos ou planos idealiza? Algum em especial a motivá-lo?
Eu e minha mulher e sócia não pensamos em parar de trabalhar. Se possível, talvez possamos ser como o Niemeyer, que trabalhou até o fim. Gostamos de cuidar de nossos projetos, de sempre estar próximos das 18 indústrias que são nossas parceiras, de reinvestir em nosso negócio e cuidar bem de nossas seis lojas. Um motivo de felicidade e realização é que hoje temos ao lado nossos três filhos, trabalhando em conjunto com nossa equipe de 90 colaboradores.
Ter uma grife própria foi uma conquista que garimpamos com muitos anos de muito trabalho. No início eu projetava, procurava fornecedores, cuidava de todo o processo de embalagem, logística, custos, e entregava tudo mastigado para outras cadeias de lojas. Foi um aprendizado importante e chegou um momento que achamos que estávamos maduros para abrir nosso primeiro show-room. Usar o próprio nome foi o mais lógico, para valorizar nosso design exclusivo e autoral.
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