Num domingo desses, em intervalo comercial, a televisão anunciava a transmissão de um jogo pelo campeonato brasileiro Betano; em seguida, exibia uma propaganda da Bet Nacional, contando com o “garoto propaganda” Galvão Bueno; e, numa panorâmica da arena onde seria realizada a partida, apareciam placas comerciais da Alfa, bet que, dentre outros times, patrocina o Grêmio e o Internacional.
Quer dizer, em sequência, a TV exibiu a marca de três empresas de apostas online que operam legalmente, no Brasil, dentre outras autorizadas. Sem mencionar as não autorizadas; a Secretaria de Prêmios e Apostas do Ministério da Fazenda informa já ter bloqueado mais de 13 mil (sic) sites da espécie por operarem ilegalmente no Brasil.
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Quem já não ouviu falar em bet (aposta, em inglês) e jogo do tigrinho, do ursinho etc facilmente acessados de casa através do celular ou do computador. À primeira vista, o jogo ou aposta online parecem ser uma brincadeira, simples diversão, e que pode até gerar dinheiro. Muitas vezes, o jogador recebe até um bônus para conhecer a plataforma. Porém, quando a pessoa menos espera ou nem se dá conta, já está viciada, apostando dinheiro e, numa fase posterior, criando dívidas.
Por que as pessoas apostam? Na opinião de Eduardo Mira, investidor profissional e autor do livro Mira na independência financeira, em artigo publicado na FORBES Brasil, em 01/11/2024, as ciências sociais, a psicologia econômica e a neurociência tentam explicar porque tanta gente se deixa envolver por essa armadilha mental. Algumas observações do Eduardo:
- 1) os apostadores não se veem como viciados em jogos e tem desculpas como “é só de vez em quando”, “só jogo um troco”;
- 2) o cérebro do apostador não consegue entender que as chances de ele ganhar são de 1 em milhares ou até milhões, guiando-se apenas pela esperança e possibilidade de ganhar;
- 3) o cérebro sempre busca fatos que validem as crenças do apostador: “alguém sempre ganha, quem sabe não seja eu”, “conheço alguém que vive de ganhar apostas”… Diferente dos cigarros, onde os riscos do consumo são estampados nos maços, as propagandas de apostas online não mostram pessoas tristes, desesperadas ou até suicidas porque perderam tudo o que tinham e, ás vezes, se endividaram; pelo contrário. o marketing das empresas exibe pessoas alegres, felizes que realizaram sonhos com o que ganharam. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), o jogo compulsivo é como uma doença, assim como a dependência do álcool e cigarro.
De acordo com o Raio X do Investidor Brasileiro, elaborado pela Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), 23 milhões de brasileiros, correspondentes a 15% da população com 16 anos ou mais, apostaram, durante o ano de 2024, com gasto médio de R$ 216 por mês. O pior é que quase a metade dos apostadores está endividada: muitos já estavam endividados e buscavam, nos jogos online a solução de seus problemas; outros, se endividaram à medida que perdiam e iam se afundando nos jogos.
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Além dos problemas pessoais, familiares, sociais, profissionais e religiosos, um estudo divulgado pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), no dia 16/01/2025, revelou que os brasileiros destinaram cerca de R$ 240 bilhões às bets, em 2024. Só o varejo teria deixado de faturar, ao longo do mesmo ano, R$ 103 bilhões. Esses recursos que poderiam ter sido usados para consumo foram gastos nas plataformas virtuais, causando endividamento e vício entre os apostadores e gerando impactos socioeconômicos significativos para toda a sociedade.
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Qualquer vício não chega com cara de vício. No início, as apostas ou jogos online podem ser por simples diversão. Aos poucos, a pessoa fica inquieta, sente euforia ao apostar. Deixa de pagar suas compras, de ir ao supermercado, de fazer outras coisas. O hábito de apostar em jogos online pode desencadear ou intensificar transtornos de ansiedade e depressão, além de favorecer o desenvolvimento de outros vícios, aumentar a irritabilidade, provocar conflitos e até rompimentos nos relacionamentos, favorecer o isolamento social, a queda do rendimento no trabalho e, em alguns casos, a demissão e pensamentos suicidas.
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A psicanalista Gisele Hedler insiste para a seriedade do tema, que não deve ser tratado como brincadeira, exagero ou falta de vontade. Por isso, chamou a atenção a forma jocosa como foi tratado o assunto na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das Bets, na sessão do dia 13 de maio, no Senado. Convocada pela Comissão, a influenciadora Virgínia Fonseca transformou o ambiente institucional do Senado em um show. Com falas contraditórias e gafes, a influenciadora parecia despreocupada diante da seriedade do tema.
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Sobre o “cachê da desgraça alheia”, valor adicional que os influenciadores da publicidade recebem em função das perdas de seguidores em sites de apostas, Virgínia disse que nunca recebeu R$ 1 a mais do que previa o contrato… O senador por Minas Gerais, Cleitinho Azevedo, protagonizou um dos momentos mais bizarros ao fazer uma selfie com a influenciadora, em plena sessão. O que deveria ser um espaço de apuração do que envolve as apostas e jogos online, virou circo.
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Por fim, com o surgimento de inúmeros problemas decorrentes das apostas online, nos últimos dois anos, o governo federal instituiu regras com o objetivo aumentar a regulação e fiscalização que, talvez, precisam ser mais radicais, nos moldes das bebidas e cigarros. Existem, também, iniciativas por parte de empresas bet, alertando para que as pessoas joguem com responsabilidade, embora essa recomendação possa soar como “beba com moderação” no meio de um bar.
A psicanalista citada anteriormente diz que a melhor forma de ajudar alguém que está viciado em jogos online é por meio do acolhimento. “Acolher sem julgar e oferecer ajuda, incentivar a ida a psicólogo ou psiquiatra, mas sem emprestar dinheiro ou o próprio cartão de crédito. Trata-se de uma questão de saúde pública pois é uma doença, uma epidemia que ninguém vê que atinge jovens, adultos, pais e mães de famílias. Suas consequências vão além de perder dinheiro, ela atinge diretamente a mente e o corpo das pessoas.”
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