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LITERATURA

 Luiz Ruffato lança o livro “A mão no fogo”

A literatura brasileira deste início de século 21 tem alguns nomes incontornáveis, que representarão os tempos atuais para os vindouros. Um deles é o mineiro Luiz Ruffato, que ganhou alguns dos mais importantes prêmios concedidos a autor em língua portuguesa. Se ele tem na narrativa de ficção sua mais autêntica via de expressão, é, no entanto, também cronista, poeta e ensaísta. 

E é nessa condição, de quem estuda a cena literária com olhar de pesquisador ou de crítico, que agora lança um novo livro. Acaba de chegar às livrarias o volume A mão no fogo, pela editora Autêntica, no qual dedica textos específicos a investigar escritores relevantes na cultura brasileira. Sobre essa nova obra, e sobre a sua produção como um todo, Ruffato concedeu entrevista exclusiva à Gazeta do Sul, por e-mail e por telefone.

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Sociedade que migra do campo à cidade

A região de Cataguases, terra natal de Luiz Ruffato, é uma paisagem recorrente em sua ficção. Colonizada por italianos, essa área tem uma rotina típica de ambientes nos quais os imigrantes europeus, vindos em diferentes levas, apostaram para reconstruir sua vida, entre a saudade e a nostalgia alimentadas pela terra natal e por tudo o que deixaram para trás, e a determinação de construir um futuro mais satisfatório. Em especial nos cinco volumes da série “Inferno Provisório”, iniciada com Mamma, son tanto felice (2005), e concluída com Domingos sem Deus (2011), esse modo de ser e viver da classe média baixa, fixada no campo e que pouco a pouco migra para o cinturão das cidades maiores, é apresentado com maestria. O proletariado brasileiro talvez nunca tenha tido um intérprete e um porta-voz tão eficiente e realista de suas angústias e esperanças do que o faz Ruffato.

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O proletariado está no romance

Omais recente romance publicado pelo escritor mineiro Luiz Ruffato, O antigo futuro, lançado em 2022 pela Companhia das Letras, revela-se de uma atualidade desconcertante. No enredo, cuja ambientação ocorre na região de Cataguases (terra natal do autor) e Rodeiro, em Minas Gerais, e, a partir de lá em cidades próximas (ou do horizonte de expectativas), com as quais os personagens se relacionam, em muitos casos pessoas almejam ir embora. Esse “ir embora” pode ser para Juiz de Fora, Rio de Janeiro, São Paulo ou para os Estados Unidos. O plano é tentar fazer a vida longe do lugar de origem.

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O problema é que os que foram para os States de repente veem o sonho naufragar. E, a certa altura, parece que a melhor alternativa é mesmo voltar ao Brasil. É um cenário muito em sintonia com o contexto atual, quando a política imigratória implantada por Donald Trump parece estar provocando uma radical mudança de possibilidades em muitos cidadãos por lá estabelecidos. 

O antigo futuro é a mais recente cristalização de um projeto literário fixado por Ruffato, como ele comenta na entrevista concedida ao Magazine. Aos 64 anos, radicado em São Paulo, segue em plena produção. No caso de seu livro de ensaios, A mão no fogo, agora lançado, sua atenção recai sobre os conterrâneos mineiros Guimarães Rosa e Rosário Fusco, bem como ao cearense José de Alencar, ao paulista Mário de Andrade, ao alagoano Graciliano Ramos e aos cariocas Lima Barreto e Júlia Lopes de Almeida. Esta e Alencar são os dois nomes do século 19, enquanto os demais desenvolveram sua obra no século 20.

Ruffato ainda aborda na entrevista sua relação com o Rio Grande do Sul e suas impressões sobre a atualidade, no Brasil e no mundo, diante de um ambiente marcado por conflitos entre nações em diferentes regiões do planeta.

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Entrevista –  Luiz Ruffato, escritor

  • Gazeta Acaba de sair novo livro de ensaios, A mão no fogo, em que o senhor cita autores de diferentes períodos. Como sugere o título, são escritores pelos quais o senhor, literalmente, põe a mão no fogo?

De alguma maneira sim. São autores… Não os autores pelos quais eu ponho a mão no fogo, porque não precisam da minha anuência, pois já são do cânone, consagrados; ao menos a maior parte deles, só um ou dois talvez não. Na verdade, ponho a mão no fogo mais pela abordagem diferente que faço deles. Em todos eles, busco um olhar, não diria talvez original, mas diferenciado. Por exemplo: no Guimarães Rosa, tento discutir que, do meu ponto de vista, ele não pode ser encarado como um autor regionalista; sobre o regionalismo da década de 1930, discuto até que ponto ele foi devedor da Semana da Arte Moderna; e discuto até que ponto o Modernismo de 1922 é fruto único dos modernistas de São Paulo. Ou seja, todos os textos, os temas que abordo, na verdade são, de alguma maneira, algo sobre o qual ponho a minha mão no fogo. A ideia da mão no fogo é essa.

  • O senhor menciona um autor e uma autora ainda do século 19, José de Alencar e Júlia Lopes de Almeida. Qual a importância de lê-los e relê-los, em uma sociedade que vive com tanta ansiedade o presente e só mira o futuro?

José de Alencar é canônico; a Júlia ainda não é. Talvez venha a ser um dia. Mas o Alencar é um autor que abordo no livro muito mais sob o aspecto da importância dele não como, digamos, escritor em si, mas como formulador de uma história da literatura. No texto, defendo que José de Alencar antecipa os modernistas na questão do uso de uma linguagem, digamos assim, entre aspas, brasileira, nos seus livros. E também a questão de como Alencar de alguma maneira vai pautar a literatura brasileira posterior a ele, abrindo caminhos para o que seria depois chamado de regionalismo, literatura urbana, literatura histórica, e até mesmo a literatura indigenista, por incrível que pareça. 

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E a Júlia, na verdade, é um resgate que, de certa maneira, posso dizer assim, ajudei a fazer. Não fui só eu que fiz isso, evidentemente, mas em lugares diferentes várias pessoas olharam para a Júlia no mesmo momento, e tentaram redescobri-la. Tenho certeza de que fiz parte desse movimento inicial, e esse texto na verdade discute exatamente isso: a importância da Júlia e por que ela ficou tanto tempo esquecida, e só agora, nessa altura do século 21, ela começou a ser relida.

  • O senhor publicou em inúmeros gêneros. Mas é na ficção que o senhor se sente mais em casa, ou à vontade?

Eu sou um ficcionista, um romancista. O lugar onde me coloco é dentro da prosa de ficção. E as outras coisas que faço, a crônica, a poesia e o ensaio, na verdade não são o que faço de principal. A poesia, por exemplo, muito eventualmente escrevo. Agora, há muito tempo não escrevo; publiquei há não muito um livro de poemas, mas esse livro praticamente não tinha nada de inédito, simplesmente fui recolher o que tinha sido publicado anteriormente, e resultou num volume magrinho, que na verdade deve ser o único de poesia que vou publicar. 

É uma espécie de limpar a gaveta; era aquilo ali que eu tinha, e não tenho mais nada. Na questão do ensaio, gosto de olhar para trás, para a literatura brasileira, gosto de ver onde me insiro nessa tradição, e acabo eventualmente descobrindo uma coisa ou outra e me interessando por ela.  E a crônica é também uma coisa que gostava de fazer e há tempo não faço; é algo que nasce de uma necessidade mais de atuação mesmo, no sentido de opinar, ou descrever o que está acontecendo no meu tempo, no presente. 

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  • Como tem sido ao longo da carreira a relação do senhor com o Rio Grande do Sul? Muitos amigos gaúchos na literatura? E com que frequência vem ao Estado?

A minha relação com o Rio Grande do Sul sempre foi excelente. Antes mesmo de eu ir a primeira vez aí, já amava esse Estado, porque sempre houve essa aura de que o Rio Grande do Sul é uma espécie de reserva moral da literatura brasileira. E continuo achando isso, na verdade. Teve um momento em que frequentei bastante o Estado, eu ia direto aí no Rio Grande, onde tenho grandes amigos até hoje, com os quais me relaciono muito bem. No caso do  Rio Grande do Sul, não é só aura, tem mesmo essa questão da reserva intelectual.

Sempre disse isso, e faço questão de dizer: quando eu lançava meus livros (agora já não participo mais de lançamentos; os livros continuam saindo, mas eu não participo mais de lançamento), Porto Alegre era a cidade onde eu tinha mais prazer em ir porque sempre havia um bom público, tinha sempre gente interessada. E foi assim inclusive que eu fiz essa ponte: eu não conseguia ficar longe; de dois em dois, de três em três meses eu ia a Porto Alegre. E não só Porto Alegre: conheci bastante, relativamente bem, também o interior, a Serra, Bagé, o interiorzão mesmo. Andei bastante pelo Rio Grande do Sul e gosto demais dos gaúchos.

  • Quando o senhor olha para trás, em sua produção, qual entende que foi o momento divisor de águas?

Não sei, acho que não existe, no meu caso, um divisor de águas, porque os meus livros obecedem a um projeto literário que é muito coeso. Tenho como primeiro livro meu Eles eram muitos cavalos, que é uma espécie de exercício formal, para a construção dos outros livros. Então, não vejo no meu trabalho nenhum marco que faça uma divisão. Acho que eles obedecem a uma ideia, perseguem uma ideia e são coerentes com ela… Têm realmente uma lógica. Claro, excetuando talvez os volumes de ensaios, poemas e crônicas, que são um percurso lateral, mas os livros do percurso principal, que é a prosa de ficção, obedecem a uma lógica.

  • Qual seu maior orgulho como autor? E o que ainda gostaria muito de empreender?

É ter conseguido, até agora, escrever aquilo que eu tinha me proposto escrever. Acho que a primeira vez em que eu pensei em ser um autor literário, quando tinha por volta dos 20, 21 anos, eu já imaginava o que queria escrever, qual era o projeto que iria perseguir. Evidentemente que não tinha um instrumental para construir essa obra; com essa idade estava engatinhando ainda, e demorei mais 20 anos para iniciar esse percurso. Mas talvez esse seja um orgulho que eu tenho, de ter sido coerente com a minha escolha, sobre o que eu queria escrever. Não como, porque o como fui descobrindo aos poucos, mas sobre o quê: era tentar escrever sobre a classe média baixa brasileira, seus desafios e impasses. E o que eu quero com isso, o que gostaria de empreender, é continuar esse projeto. Eu acho que, se eu conseguir continuar escrevendo, quero prosseguir nesse projeto.

  • O senhor, enquanto artista, e também enquanto cidadão, olha com encanto ou desencanto para a humanidade? O que esperar dela no cenário contemporâneo?

É muito difícil ser otimista nesse momento, né? Muito difícil. Não só com relação ao Brasil, mas com relação ao mundo inteiro. O Brasil é um país, infelizmente, destinado a estar sempre sendo o país do futuro, né? Esse futuro que nunca chega, que parece cada vez mais distante. Temos problemas muito sérios, que acho muito difíceis de serem resolvidos agora: a questão da educação, da segurança pública, da diminuição da desigualdade social, da favelização da cidade. Não sou muito otimista em relação ao Brasil. 

E em relação ao mundo… O mundo está muito estranho, muito perigoso, né? Parece que estamos na iminência de uma nova guerra mundial. Porque, toda vez que um grande império entra em decadência… Foi o caso do Império Austro-húngaro e do Otomano, no início do século 20, o que redundou na Primeira Guerra Mundial, e foi depois a Segunda Guerra Mundial, que é uma extensão da Primeira Guerra Mundial. E agora estamos acompanhando a queda do império americano; a decadência do império americano é visível. Então, estamos provavelmente numa situação bastante complexa, e não há como ser muito otimista.

Mas a gente guarda sempre aquela pontinha de que, ok, isso vai ser resolvido, porque, na verdade, nós não podemos fazer muita coisa. Quem resolve isso são os mandatários, e a única coisa que podemos fazer é torcer para que haja juízo da parte deles.

  • O senhor está em meio a projeto em narrativa de ficção? Como está a rotina, nesse sentido?

Eu trabalho todos os dias. Estou sempre com alguma coisa, fazendo alguma coisa, e minha rotina é essa. Acordo, tomo café da manhã, faço uma caminhada e depois vou trabalhar, almoço. Só trabalho na parte da manhã, escrevendo ficção pela manhã, que é quando estou descansado. À tarde faço outras coisas: respondo mensagens, eventualmente faço alguma pesquisa ou outra, coisas que não demandam tanto esforço, porque, para mim, escrever cansa muito, e pesquisar é o momento em que estou mais relaxado.

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