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CARNAVAL

Marli Câmara: pulso firme e coração gigante à frente da Império da Zona Norte

Foto: Rafaelly Machado

Marli Câmara foi a primeira presidente mulher de uma escola de samba em Santa Cruz

Elza Soares cantava que o “choro não é nada além de carnaval, é lágrima de samba na ponta dos pés” e não há uma imagem tão brasileira quanto esta. Nesta semana em que o Carnaval se aproxima, mais uma vez sem comemorações em função da pandemia, é difícil não apensar na festa, onde na chuva de confetes deixamos nossa dor, e na avenida a nossa solidão. Ainda que em Santa Cruz do Sul o Carnaval seja uma festa amada pelo público e pelos participantes, não são realizados desfiles de rua desde 2016, muito antes da chegada da Covid-19. Não por falta de vontade de Marli de Fátima Câmara, presidente da Associação Beneficente e Recreativa Império da Zona Norte. Por ela, o município teria um evento exuberante, cheio de pujança criativa, unindo artistas, comunidades e o público numa grande celebração da cultura.

À frente da Império, Marli foi a primeira mulher a ser presidente de uma escola de samba da cidade, e venceu o Carnaval da Santinha durante sete vezes consecutivas, além de ganhar o prêmio de melhor tema-enredo do interior do estado em 2013. Ela fundou a ala-show da entidade e já atuou como jurada de Carnaval em outras cidades, além de coordenar cerca de 280 membros da agremiação de 2004 a 2008 e de 2014 a 2016 e de assumir novamente a diretoria em 2020. Uma formação em Porto Alegre, no Centro de Estudos e Pesquisas de Tema Enredo e Memorial do Carnaval (CETE), e a amizade de Sérgio Peixoto foram alguns dos diferenciais para que a escola obtivesse sucesso.

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No entanto, seu primeiro envolvimento real com o mundo do Carnaval foi na fundação da Império. Antes disso, não fazia parte do Carnaval de rua de Santa Cruz, mas curtia a festa com os pais nos clubes da cidade, como o Aliança, e levava os filhos aos bailes infantis da Olaria e do Corinthians. A ideia para a criação da escola surgiu numa festa de aniversário em 2002, quando alguém questionou por que todas as entidades ficavam na Zona Sul, sem nenhum representante da Zona Norte de Santa Cruz. Achando que a conversa era brincadeira, Marli colocou pilha, e uma reunião foi combinada na casa dela, no Bairro Universitário. No fim de semana seguinte, ela tomava seu chimarrão quando as visitas começaram a chegar para a fundação da escola. Até hoje o imóvel é o endereço provisório da agremiação.

“Eu disse ‘gente eu nunca trabalhei em Carnaval, eu não tenho nem ideia do que é uma escola de samba”, conta Marli, que na época nem sabia o que era uma ata, mas acabou fazendo parte do registro da Império. No encontro, o grupo decidiu o nome, as cores da escola – azul porque havia mais gremistas do que colorados presentes – e o animal símbolo, o falcão. Após o registro e criação do estatuto, a escola estava fundada. O primeiro desfile foi em 2003, com a equipe saindo vencedora do grupo B. No ano seguinte, já com Marli como presidente, a escola ficou em segundo lugar, assim como em 2005, e conquistou seu primeiro troféu de grande campeã em 2006.

Ainda que tenha enfrentado dificuldades por ser uma presidente de escola, como ouvir piadas e comentários que insinuavam que o lugar de uma mulher não era ali, ela seguiu em frente. No comando da Império, Marli levou para a entidade um pouco de sua personalidade e seus princípios. “O importante dentro de uma escola de samba não é o título dela, não é o tamanho, são os integrantes. Eu preciso desde aquele destaque bonito e luxuoso em cima de um carro até o cara que empurra o carro alegórico. Respeito e acolhimento das pessoas eu acho que foi o fundamental”, relata. Quanto aos comentários que ouviu, aproveitou para trazer a perspectiva única e carregada de sensibilidade que só uma mulher pode ter, recebendo respeito da agremiação e das outras escolas. “Eu acho que os homens têm medo, na verdade, da gente assumir o mundo”, brinca.

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Marli com seus quatro filhos

Os orgulhos de Marli
Todavia, Marli não é apenas Carnaval. É uma mãe, avó e esposa dedicada a sua família, uma trabalhadora da linha de frente da Saúde, uma cozinheira de mão cheia, moradora de Linha Santa Cruz, devota de São José e uma diretora de escola de samba que coordena com uma mistura de pulso firme e coração gigante. Apesar de ter trabalhado em diversas áreas ao longo dos anos, seu lema pessoal que transmitiu aos quatro filhos é que “a enxada é mais pesada que uma caneta”, então estudar é o caminho. E essa não foi a única lição que aprendeu em 54 anos de vida e passou a eles. Também transmitiu caráter, para que tratassem todas as pessoas com respeito e igualdade, e empatia para que nunca fossem preconceituosos.

Marli é mãe dos gêmeos Fábio e Fabiano, de 37 anos, Bruna, 27, e Amanda, 17, além de avó de três meninas e mais uma a caminho. Ela fala com um sorriso no rosto sobre a trajetória dos filhos e de como sua família é seu bem mais precioso. “A família é muito importante, é a base de tudo. Não sei se é por essa questão de eu ser filha adotiva que isso pesa pra mim. Eu, mulher, separada, pobre, tenho três filhos formados em Direito, nunca ganhei ajuda de ninguém, sempre trabalhei e me virei, eu tenho orgulho disso.” Os filhos formados atuam no Exército, na Susepe e na Unisc, e a filha mais nova trabalha na Prefeitura e sonha em ser designer.

Atualmente Marli é funcionária da ESF Linha Santa Cruz

A história da santa-cruzense começou no Bairro Universitário, onde viveu a maior parte da vida. Filha adotiva, foi acolhida pelos pais com 17 dias de vida e criada com um irmão, que também foi adotado pelo casal. A infância foi marcada pela dedicação aos estudos; e a adolescência, pelo trabalho, que começou no antigo Fuller, aos 14 anos. O primeiro casamento foi aos 17 anos e mais tarde se separou. Passou uma década morando em Bom Retiro do Sul, onde trabalhou numa empresa exportadora de calçados. Formada no curso de chef de cozinha do Senac, atuou em alimentação até 2016, mas até hoje adora cozinhar, especialmente se for para fazer uma bela feijoada, sobremesas ou para preparar uma de suas especialidades no fogão à lenha, como vaca atolada ou galinhada.

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Incentivada pelo marido, que fez sua inscrição e adquiriu uma apostila, ela prestou o concurso público para o cargo de Agente de Saúde na Prefeitura de Santa Cruz. Passou e hoje trabalha na ESF Linha Santa Cruz. “A gente chega numa certa idade e fica acomodada, mas eu estudei e fui muito bem. Eu adoro meu trabalho, a equipe é maravilhosa e é um serviço muito gratificante.” No ambiente de trabalho, tem fama de brincalhona por fazer amizades com facilidade e brincar com todo mundo, mas garante que, quando o assunto é sério, age com seriedade. Atualmente, gosta de olhar séries, passar tempo com a família e conta que, se tivesse condições, passaria todo o tempo viajando para conhecer lugares e culturas diferentes.

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Amor que vence preconceitos
Quando Marli Câmara conheceu Marco Aurélio Nascimento, ela tinha 30 anos; e ele, 20. O primeiro encontro do casal foi durante uma Feira do Livro na Praça Getúlio Vargas. Os dois seguiram conversando e, um ano depois, estavam morando juntos. Um dos interesses em comum é a paixão pelo Carnaval, já que ele também foi presidente e é sócio-fundador da Império da Zona Norte. “É uma coisa difícil para mim, que sou mais velha, as pessoas têm preconceito. Quando é um homem mais velho com uma mulher mais nova, não falam. Mas, quando é a mulher que é mais velha, é bem diferente. Se eu fosse rica, eles diriam que é por causa do dinheiro; mas, como eu sou pobre, eles não podem falar nada”, brinca. Os dois já estão juntos há 23 anos.

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O Carnaval dos sonhos
Marli considera que o primeiro problema do Carnaval na cidade é a falta de verba destinada para a festa. “As pessoas não têm esse entendimento de que o Carnaval envolve música, dança, teatro, envolve artistas plásticos, alegoristas, é uma cultura muito grande com tudo em um lugar só”, explica. Para ela, os recursos recebidos pelas escolas são, em geral, aplicados na cidade com a contratação de costureiras, soldadores, marceneiros, músicos e na compra de materiais. Uma harmonia musical, por exemplo, tem custo para as escolas de cerca de R$ 8 mil, envolve uma equipe de músicos e não só no dia do desfile: é a composição do samba, gravação, ensaios, até chegar ao dia de apresentação.
Além de não haver aporte financeiro, as escolas não possuem um local para ensaiar, para fazer os carros alegóricos ou guardar os materiais. “Não temos um lugar para fazer um bom trabalho. O meu sonho não é fazer um desfile dos sonhos, não é que as escolas ganhem R$ 100 mil para fazer um Carnaval. O meu sonho é que um dia um governo chame as escolas para organizar o Carnaval e diga ‘queremos ajudar, primeiro vamos ver um local pra vocês trabalharem durante o ano.”

O ideal, segundo a diretora da Império da Zona Norte, seria um terreno em local viável para fazer um barracão. O local seria usado durante o ano em eventos e jantares para arrecadar fundos, além de espaço para armazenar os materiais usados nos desfiles. “Quando termina o Carnaval, já se desmonta as coisas, separa em caixas e deixa tudo guardado, limpa os carros e guarda a madeira e as estruturas. Hoje não acontece isso, então não se consegue aproveitar quase nada”. Marli indica ainda que se poderia chegar a um acordo, mesmo que não fosse realizado o desfile durante algum tempo até ser organizada esta estruturação.

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