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MEMÓRIA

Moina e a janela para o passado

O falecimento da professora e escritora Moina Mary Fairon Rech, nesta quarta-feira, 23, aos 93 anos, é uma perda simplesmente irreparável para a cultura de Santa Cruz do Sul e do Rio Grande do Sul. Poucos santa-cruzenses, pouquíssimos, em mais de 175 anos de história desde a implantação da colônia, em 1849, foram de tal modo eficientes e inspirados a ponto de deixar como legado um registro tão precioso, pulsante, de uma época, como o fez Moina, em especial com seu livro Uma janela para o passado, publicado em 2002 e posteriormente lançado em uma segunda edição, revista e atualizada, em 2015.

Essa obra ficará para consulta nada menos que obrigatória para os das gerações atuais e os das gerações futuras sobre uma Santa Cruz que ainda era muito pacata, quase provinciana, mas já florescia. Em seu texto, Moina compartilha as lembranças, de cores intensas, daquela cidadezinha nas décadas de 1930 e 1940, em sua infância e juventude. E liga a sociedade de hoje com a de uma comunidade que, sob a energia do setor produtivo e industrial do tabaco, ganhava envergadura de perfil internacional.

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Moina era ativa, atuante, inspirada e engajada. Por muitos anos, uma vez que era filha de pai irlandês imigrante e de mãe de origem alemã, empenhou-se em organizar atividades para marcar o Bloomsday, o 16 de junho, que homenageia o personagem Harold Bloom, protagonista do romance Ulisses, de James Joyce.

Nessa data, ela convidava personalidades da área da cultura para um congraçamento, em geral na Livraria e Cafeteria Iluminura. Também nesse local, eu era convidado semanal de Moina para uma manhã de conversas, regadas a café (ela pedia, sorridente, um “baldão” de café com leite), e sempre na mesma mesa, para ela devidamente reservada. Ocasiões para reflexões sobre leituras, sobre seus inúmeros projetos, sobre a vida. Afinal, ela havia viajado pelo Brasil e pelo mundo, morado em tantos lugares, e até fizera o Caminho de Santiago de Compostela.

Moina era assim: uma fada, que de forma inesperada abria um sorriso amplo, intenso, iluminando todo o ambiente, perspicaz como raríssimas pessoas. Uma janela para o passado ficará como consulta, e sempre foi de apoio providencial para o colega jornalista José Augusto Borowsky, na coluna “Memória”, da Gazeta do Sul. Aliás, ela e Borowsky seguidamente se informavam e trocavam impressões. Em seus escritos, ela também passou a se ocupar de enredos infantis e infantojuvenis, alguns deles premiados e inclusive traduzidos para o espanhol.

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Mas o seu chão eram as memórias, de suas vivências e das em família, ao lado do sempre presente companheiro Cláudio e dos filhos Moira, Eduardo e Juarez, bem como dos netos. De todos falava com tanto carinho e orgulho.

Então veio a público seu divertido e emocionante Aventura na Amazônia, sobre a temporada que passaram em Clevelândia, no extremo norte do Brasil, e depois seu romance A casa do bosque, e novamente um relato de viagens e de memórias, A casa sobre rodas, tema de conversas intermináveis entre nós. E determinou-se a mergulhar no tema da culinária, no livro A cozinha e eu, que tive o privilégio e a ventura de editar, pela Editora Gazeta. E ainda o maravilhoso romance Serra Bonita, ambientado numa suposta Serra gaúcha, e mais livros infantis. Por sua obra, foi a escritora homenageada da Feira do Livro de Santa Cruz do Sul, em 2011, quando o patrono era o poeta Thiago de Mello; e foi membro fundadora da Academia de Letras de Santa Cruz do Sul.

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Ao longo dos anos, contabilizamos dezenas, centenas de cafés, de encontros, de bate-papos. Moina era uma aula inesgotável sobre a vida, sobre a cultura, sobre como seguir no esforço de tornar-se, num mundo tão frio e calculista, um ser melhor, uma pessoa melhor, e assim tornar o entorno também melhor. À medida em que a idade avançava e ela via restringidas sua plena mobilidade e a pertinência de enfrentar calçadas, ruas e climas chuvosos ou frios, os cafés (e os chás) passaram a ocorrer na sala de seu apartamento, em área central de Santa Cruz. De lá, mirava o percurso diário do sol no sentido norte, por sobre o Cinturão Verde. Nunca deixava de salientar seu carinho e seu gosto por ler, referindo seus autores e obras prediletos e, especialmente, todo dia, a Gazeta do Sul.

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A Gazeta que vira seu tio Francisco José Frantz, Schloka, como o chamava, trazer escada acima no sobrado de seus pais, na esquina das ruas Marechal Floriano com Ramiro Barcelos, no dia 25 de janeiro de 1945. Schloka levava em mãos a primeira edição da Gazeta, que circularia na manhã do dia seguinte. Moina tomou aquele jornal das mãos do tio e o folheou, entusiasmada, na véspera. Moina era isso: uma leitora à frente de todos os tempos.

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Como tal seguirá. De onde estiver, de onde estará (no céu, of course!), com seu sorriso seguirá iluminando o mundo, iluminando a vida, iluminando a humanidade, como sempre fez. Centenas de mensagens suas seguem guardadas, no computador, no celular e na memória, de tantas e tantas conversas, sempre marcadas por um entusiasmado “Hugs”.

Hugs, querida Moina, inesquecível Moina, eterna Moina. Levaremos a ti e a teus ensinamentos para sempre na alma e no coração.

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