Nasci normal e saudável. Uns meses antes de completar dois anos, peguei varicela. Não se pode coçar as feridas para não infeccionarem. Posso sentir minha jovem mãe tentando conter minhas mãos inquietas e me banhando em água quase fria e com aveia, para refrescar as febres e comichões. Ao que sei, algumas vesículas estouraram dentro dos meus olhos e, a partir daí, passei a ter um desvio para o centro, no olho direito, um estrabismo convergente. Depois que as feridas secaram, eu ainda tinha dores e, claro, não sabia como descrevê-las. Só chorar.
Onde morávamos, não havia médicos especializados e, quando preciso, as mães levavam seus filhos a outras cidades, para consultas a médicos especialistas. Fomos para Santa Rosa, se não me engano, com um grupo de mães e filhos que precisavam de um oculista. Quando chegou a minha vez, o médico me pegou no colo e foi se aproximando de um quadro do rosto de Nossa Senhora, até eu fazer algum gesto ou emitir algum som de reconhecimento. Então, ele disse: esta criança não enxerga mais de um metro e meio à frente. A varicela tinha causado, também, perda de visão. Receitou-me óculos. Eu já caía bastante, ao brincar. Imaginem com os óculos me trazendo, súbito, uma nova e ampla visão. O que mais lembro de minha mãe recomendar é:
– Nada de correrias com os óculos. Podem quebrar em mil pedaços e furar teus olhos!
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Pior que os óculos era o “pirata” – chumaço de gaze presa com esparadrapos sobre o olho que enxergava melhor. Segundo o médico, o olho direito ficara preguiçoso e, para que ele trabalhasse, era preciso fechar o outro. O dia inteiro, brincando ou na escola, ou em festas, sempre de pirata. Só tirava para o banho e trocava por outro.
Aos meus doze anos, fomos a Porto Alegre, consultar com o famosíssimo doutor Ivo Correa-Mayer. Ele disse que havia um tratamento novo, e que, embora eu já fosse grande poderia resolver, ao menos em parte: todas as semanas deveria fazer uma hora de exercícios, no consultório, com uma senhora japonesa. Ao menos por um ano.
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Quando vínhamos para a Capital, a consultas, nos hospedávamos em São Leopoldo, na casa da tia Suely, irmã do meu pai. Ela tinha sete filhos e um marido doente. Mesmo com tanta gente e problemas, sempre havia lugar, naquela casa, e estou certa de que tia se ofereceu para me receber, durante o tratamento. E assim foi. Ainda farei uma crônica só para ela.
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Nas duas primeiras vezes, a tia foi junto para Porto Alegre e me ensinou a descer no Mercado Público, ir até o Edifício Sloper, a subir no elevador, entrar no consultório e depois voltar, por caminho inverso, até à parada do ônibus.
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Durante um ano e meio, fiz a terapia com slides, que consistia em tocar uma campainha no momento exato em que o soldadinho entrava na guarita, ou o cachorro na casinha, o passarinho na gaiola. Ridículo para uma pré-adolescente.
Mas o final foi bom. Quando voltamos a consultar o doutor Ivo, ele disse aos meus pais que restara um mínimo de estrabismo. Não valia a pena o risco de operar. E que o pequeno desvio me daria um certo charme, o qual nunca senti.
Obrigada por me ouvirem!
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Parabéns por mais um aniversário, Santa Cruz, cidade onde nasci e que, mesmo de longe, me deu uma identidade! Viva! Viva!
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