A vida é como um pequeno livro de Pablo Neruda: perguntas demais, que despertam e alimentam outras indagações, e nenhuma resposta decisiva. O Livro das perguntas, publicado em 1974 – um ano após a morte do poeta chileno –, traz 74 poemas/interrogações sobre os temas mais aleatórios e inesperados.
Por exemplo: quantas igrejas tem o céu?
Ou então: quantas semanas tem um dia e quantos anos tem um mês?
Não será a vida um peixe preparado para ser pássaro?
Para onde vão as coisas do sonho? Para o sonho dos outros?
Quando a borboleta lê o que voa escrito em suas asas?
Como se vê, uma profusão de questionamentos abstratos, mais ou menos delirantes, com pouco ou nenhum sentido prático. “Poesia numa hora dessas?”, diriam. Então repasso as notícias dos últimos dias no Brasil, feitas de outro tipo de material, mais sórdido, e também elas suscitam muitas perguntas. Que infelizmente, cansativamente, são sempre as mesmas. E, mesmo quando as respostas parecem ao alcance da mão, os dias transcorrem como se ninguém soubesse de nada.
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Como se fosse normal o que aconteceu em Parelheiros, São Paulo, na noite da última sexta-feira. O marceneiro Guilherme Santos Ferreira havia saído do trabalho e apressou o passo para chegar ao ponto de ônibus. Um policial militar que acabara de ser assaltado o viu correndo, pensou que fosse um dos ladrões e atirou. Na cabeça. Guilherme era negro.
E não estava sozinho. Um colega de trabalho, Deillan da Silva Oliveira, saíra com ele e testemunhou tudo. Não recebeu tiros mas foi algemado pelo PM, que o conduziu até a delegacia. Lá, comprovaram que não se envolvera em nenhum crime, tudo fora um grande engano. A Polícia Civil o liberou, sem nenhum ferimento. Deillan é branco.
Quanto ao policial militar, pagou uma fiança de R$ 6.500,00 e foi para casa. Agora vai responder em liberdade por homicídio culposo – quando não há intenção de matar (Quando há, é “doloso”). Foi o que o delegado decidiu.
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A pergunta que fica, naturalmente, é: como é possível atirar na cabeça de alguém SEM intenção de matar? Respostas para este e-mail.
Talvez eu ainda elabore o meu próprio “livro das perguntas”, com essa e outras interrogações. Tenho uma lista já bem extensa. Mas certamente, se ele vier à luz, não vai se aproximar do lirismo de um Neruda. E não só por limitações do autor, mas do material, que é sórdido.
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