A política envolve paixões, todos sabem. Basta acompanhar as discussões nervosas no Congresso, o calor das diferenças ideológicas e filosóficas à flor da pele, o sangue nos olhos dos envolvidos, as declarações dramáticas feitas sob medida para a plateia das redes sociais.
Curioso é que, quando se trata de legislar em causa própria – aumentando seus salários e verbas de gabinete, por exemplo –, deputados e senadores costumam votar de forma rápida e tranquila. Quanto às divergências profundas, parece que elas evaporam nessas horas. Lembrando que o Congresso Nacional é considerado um dos mais caros do mundo.
Enquanto isso, muitos cidadãos comuns, que ganham salários bem menos notáveis, eventualmente chegam às vias de fato por discussões políticas. É sempre como escreve Virginia Woolf em Orlando: “Nenhuma paixão é mais forte no homem do que fazer os outros acreditarem naquilo em que ele acredita.”
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Há um filme alemão intitulado A Vida dos Outros, de 2006, cujo enredo vem a propósito. A história se passa na Alemanha Oriental de 1984, no lado comunista do Muro de Berlim (mas poderia ser em qualquer lugar). Gerd Wiesler é um oficial veterano da Stasi, a polícia secreta do regime, cuja função é monitorar e reprimir atividades contra o governo.
O rigoroso Wisler recebe a missão de vigiar Georg Dreyman, um diretor de teatro célebre e respeitado pelas autoridades. Ao contrário de vários de seus colegas escritores e artistas, Dreyman mantém boas relações com “os que mandam” e evita fazer críticas e contestacões públicas. Mesmo assim, paira sobre ele certa desconfiança. É um artista, afinal de contas.
A Stasi instala escutas no apartamento de Dreyman. A equipe de Wiesler passa a acompanhar suas atividades diárias, sempre em busca de sinais subversivos. Mas nada acontece. É frustrante: as semanas passam sem nada que valha a pena escrever nos relatórios.
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Até que Wiesler descobre a razão de tudo aquilo: Georg Dreyman é o rival amoroso de um ministro, que só quer tirá-lo do caminho para conquistar uma atriz famosa. A sensação de ser usado em um jogo mesquinho, como fantoche tolo, é perturbadora para o oficial. Quantas vezes algo parecido já teria acontecido? Quantas vezes, pensando cumprir seu dever ao perseguir inimigos do país, não fora mero instrumento para manobras escusas dos poderosos de plantão?
Um fantoche a serviço de interesses particulares que nada têm a ver com ele. Quem nunca se sentiu, alguma vez, como Gerd Wiesler?
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