Rádios ao vivo

Leia a Gazeta Digital

Publicidade

ELENOR SCHNEIDER

O vendedor de sonhos

Jogar faz parte da natureza humana. É um exercício que pode trazer grandes benefícios, assim como pode afundar as pessoas em abismos quase sem retorno. Jogar mexe com as pessoas, não as deixa imóveis, seja física, seja mentalmente. Esportes como futebol, basquete, vôlei envolvem jogo. Desenvolvidos como lazer, fazem muito bem ao corpo e à alma. Mesmo não sendo coletivos, como o tênis, o padel, deixam a sensação boa, um bem-estar em relação ao corpo, à vida.

Jogos de tabuleiro constituem excelentes exercícios mentais, desenvolvem o raciocínio, exigem concentração e, muitas vezes, cálculos minuciosos para alcançar os objetivos. Sobressai-se aqui o xadrez, aliado poderoso para o estudo e o desenvolvimento da inteligência. Aproveito para indicar o livro O jogo imortal: o que o xadrez nos revela sobre a guerra, a arte, a ciência e o cérebro humano, de David Shenk. Mesmo para quem tem pouca noção sobre o tema, o livro agrada porque revela infinitas possibilidades que esse jogo propicia, mesmo, ou principalmente, para fora do tabuleiro.

LEIA MAIS: De pensionistas a republicanos

Publicidade

Jogos de azar percorrem outras trilhas, quase sempre sinuosas, ladeadas de abismos, apesar do enganoso encanto da paisagem. Eles fogem do domínio do jogador, poucas vezes lhe são favoráveis. A roleta pode parar em qualquer número, os dados têm sempre resultados imprevisíveis. E, quando se deparam com jogadores desesperados, a desgraça se aproxima. Vidas serenas entram em ebulição e, em geral, levam a caminhos irreversíveis. Uma boa reflexão sobre o tema está no romance O jogador, de Dostoiévski, onde se vê que o jogo consome a vida, levando à ruína financeira e moral.

O mundo das apostas, hoje, oferece outras armadilhas e tomou proporções inimagináveis. Algumas delas constituem verdadeira tentação para trapaças, desonestidades, às mais chocantes falcatruas. Os grandes clubes, por exemplo, estão praticamente todos entregues à sua difusão, vendem a paixão de seus torcedores, estimulam sua adesão.

LEIA MAIS: O sino da madrugada

Publicidade

Muitas pessoas acessam o vício já fragilizadas. Fracassos financeiros, negócios malsucedidos, desilusões afetivas, dívidas insuperáveis, projetos malogrados de sucessos imaginários, entre outros desencontros da vida, levam à duvidosa esperança da salvação através do jogo. E, se nas primeiras tentativas o resultado for favorável, até mesmo cobrindo a necessidade original, a busca se torna obsessiva, sem demora aprofundando o drama que deu origem a tudo. Repete-se a velha fábula de Esopo, O cão e a carne. Tendo um naco na boca, o cão, passando sobre uma ponte, viu, espelhado na água, outro cão também com carne na boca. Saltou e perdeu tudo.

Nosso pai também jogava. Pife com alguns amigos e bilhetes da Loteria Estadual. Só aqui entra a razão da minha crônica. Uma vez por semana passava um vendedor de bilhetes. Nério era o nome dele. Vinha de Cruzeiro do Sul, então distrito de Lajeado, e a pé percorria longo trajeto pelas estradas do interior, carregando numa bolsa de couro a sorte, a esperança, o sonho. Era um homem baixinho, uma simpatia sem retoques. Queria, precisava vender bilhetes. Era seu trabalho, mas respeitava quem não quisesse jogar.

LEIA MAIS: Diga logo quem você é

Publicidade

Quando estendia na grama, sob a sombra de cinamomos, a grande tabela com os resultados da última extração, nosso pai e ele conferiam se o 36.633 beliscara nem que fosse uma dezena ou uma unidade. Esvaíam-se rapidamente as esperanças e o sonho se transferia sem sofrimento, sem gasto comprometedor, para a próxima semana.

LEIA MAIS TEXTOS DE ELENOR SCHNEIDER

QUER RECEBER NOTÍCIAS DE SANTA CRUZ DO SUL E REGIÃO NO SEU CELULAR? ENTRE NO NOSSO NOVO CANAL DO WHATSAPP CLICANDO AQUI 📲. AINDA NÃO É ASSINANTE GAZETA? CLIQUE AQUI E FAÇA AGORA!

Publicidade

Aviso de cookies

Nós utilizamos cookies e outras tecnologias semelhantes para melhorar sua experiência em nossos serviços, personalizar publicidade e recomendar conteúdos de seu interesse. Para saber mais, consulte a nossa Política de Privacidade.