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FOLHETIM

Olhos borbulhantes

Nossos aventureiros presenciaram o improvável: sem mais nem menos, um bloco hexagonal de arenito se desfizera em areia, que sumira pela fenda aberta no chão. Antônio não se furta: “Quando falei que havia alguma coisa a ser mostrada, não imaginei tudo isso. Apenas sentia uma força puxando para trazer vocês até aqui. Algo semelhante ao que nos moveu para a cratera”.

Christian, que lançara a pergunta sobre como se chega à “Terra Sem Males”, reflete em voz alta. “Vivi tantos anos aqui e não sabia de quase nada. Como promover a cura e o bem-estar sem entender a memória da Terra e de seus habitantes?” Eva titubeia: “Será que a ‘Terra sem Males’ existe de verdade?” Líris, em resposta, aponta para sua bonequinha: “Ela também não faz mal nenhum. Seus olhinhos suplicam carinho. Vejam! Parecem as bolhas que vêm surgindo no chão”.

Ainda comovidos com a despedida aos nativos e feridos que já seguiam na busca pela trilha do “Peabiru”, a fala de Líris a todos mobiliza para o terreno que vai se encharcando rapidamente. Onde a areia se infiltrara chão adentro, por entre fenda e poros, a umidade vai se acentuando. No lugar onde o bloco de arenito repousara solidamente por tanto tempo, sabe-se lá quanto, surge um pântano. Borbulhas se multiplicam.

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Para espanto de todos, a libélula, bem à vontade, acelera suas asas, que vibram, encantadas. Ela gosta de lugares úmidos. Rapidamente outros animais se associam ao cenário pródigo em plantas, que igualmente desabrocham em velocidade inusitada. O que estaria acontecendo? Cristian tenta entender: “Foi de um lugar como este, um pouco mais abaixo, que nós buscávamos a lama para amenizar as dores de nossos pacientes. Só que parecia ser um lago antigo, destes curtidos pelo tempo. Quando chovia, inundava demais. Nesses dias não se conseguia buscar o barro. Era preciso esperar o tempo melhorar e a água, que a tudo cobria, diminuir. Mas agora a lama se forma depressa. E com ela chegam todas as espécies de criaturas.”

Eva, de súbito, cruza seus olhos com os de Antônio. Lembra da ocasião em que se questionara sobre ele ter sido seu Adão e Cristian sua paixão. Procura encaixar seus pensamentos. Sim. Recorda. Fora no início da jornada, na oportunidade em que Cristian a convidara para tomar assento num tronco coberto por pequenas flores verdes. Lembra de ter estranhado as palavras “flores verdes”, até porque as flores que conhecia não costumavam se vestir de verde. Eva sustém a respiração: “Sim. Foi por aqui que pensei em Antônio como Adão”.

Enquanto as emoções se entrelaçam por entre as falas entrecortadas e entre os pensamentos não expressos, a criança e Líris, em atitude própria da idade, não titubeiam e mergulham seus pés na água untada de lama. “Segura minha bonequinha?” Irene, prontamente, acalenta a bonequinha de pano com olhinhos que se assemelham às bolhas que saltitam pelo terreno.

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Antônio pede para segurar a bonequinha. Irene permite. Ele ergue a bonequinha sobre o charco, que vibra em todas as manifestações de vida, em inacreditável multiplicidade de formas, feições e hábitos. Um frêmito o invade ao observar com maior atenção os olhos magnetizantes da bonequinha: “Observem o que estes olhinhos de boneca estão a indicar. Olhem como ela não os desapega de tudo isso”. Nisso, uma fagulha de luz se infiltra com maior brilho por entre a vegetação. Cristian exclama reverente: “Eis que renascem Adão e Eva. Vejam só: a criança e Líris já não se distinguem da lama e das demais criaturas e plantas”. Desnecessário dizer que a lembrança ancestral do dilúvio e do barro originário se faz onipresente.

Estaria nascendo uma nova humanidade, que enfim compreenderia que é essencialmente terra e que não apenas a ela retorna, mas nela se faz plena? Despreocupados e felizes pela oportunidade aproveitada, a criança e Líris buscam a margem do pântano e fazem das mãos universais de Eva e Cristian, Irene e Antônio seu amparo. Líris retoma sua bonequinha e vibra: “Viste o que eu e a criança experimentamos?”

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