Muitos santa-cruzenses têm o privilégio de serem acordados pela sinfonia dos sabiás, anunciando a aurora (ou a quase aurora) de agosto em diante. Um luxo da natureza, confesso. Mas, se antes os sabiás se contentavam em serem os cantores de jardim, ultimamente um deles decidiu fazer uma turnê em espaços mais inusitados.

O que me intriga, e que certamente faria um ornitólogo torcer o nariz, é que o tal sabiá escolheu o amplo pavilhão da garagem do meu condomínio como seu palco particular. Um galpão de concreto, ferro e cheiro de escapamento, que, por conta do eco, transforma seu canto em algo próximo de uma ópera de câmara. E lá está ele, todas as manhãs, indiferente aos motores roncando e aos humanos apressados, exibindo-se como a ave símbolo do Brasil. Um pavão disfarçado em sabiá.

A gente passa por perto, manobra o carro, e ele nem se perturba. Parece dizer: “Podem ir, eu sou a atração principal”. A reflexão é inevitável: o que o atrai a esse templo automotivo? Seria a acústica? Estaria ele tentando conquistar uma companheira com uma serenata amplificada? (Se for o caso, um galã de bom gosto musical). Ou será que, em um ato de ativismo emplumado, ele tenta nos conscientizar sobre a beleza natural que teimamos em aprisionar entre paredes de concreto?

Dia desses, porém, o ativista ou o galã elevou o sarrafo. Em plena madrugada, a cantoria começou. Com o silêncio da noite, o eco transformou o galpão em uma caixa de som de altíssima fidelidade, quase um megafone da natureza. Pensei: “Será que está ensaiando para um reality show de talentos aviários?”.

A única certeza, até agora, é que ainda não domino o “sabiá-nês”. Resta-me, ao passar por perto, tentar um assobio amador, um dueto desafinado, na esperança de que um dia eu aprenda a coexistir com a natureza, como ele, o trovador da garagem, faz com o meu carro. Talvez o segredo seja apenas… cantar mais alto que o barulho.

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