A concretização de Bom Dia, Maika! – curta-metragem premiado com o troféu de Melhor Trilha Sonora e Melhor Atriz, no 53º Festival de Cinema de Gramado – foi viabilizada graças a uma parceria entre um grupo de jovens cineastas do LAbmais, projeto social desenvolvido pelo Serviço Social do Comércio (Sesc) em Caxias do Sul, e a produtora Pé de Coelho Filmes, de Santa Cruz do Sul. Ao todo, 17 jovens colocaram as teorias em teste para produzir e filmar o curta em 2024 e mostrar, no festival, que há talento de sobra. Mas um destaque especial vai para o envolvimento de Diego Tafarel, cineasta da Pé de Coelho e gestor do Santa Cruz Polo Audiovisual.
Atuante na parceria que já soma cinco anos com o LABmais, além de professor nas oficinas, Tafarel assumiu o papel de instrutor de direção no curta-metragem, contribuindo com o desenvolvimento do projeto. “Ver essa galera brilhando e poder fazer parte disso é sensacional. Mas o brilho mesmo e a beleza está em ver como o audiovisual tem esse papel importante no Brasil e como essa galera brilhou lá em Gramado”, destacou o cineasta.
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“O papel do Diego foi fundamental”, afirmou o diretor do filme, Eddy Ramos. Os dois se conheceram no projeto Lentes Periféricas, o que contribuiu para que o aspirante a diretor se sentisse confiante com o seu trabalho. Mikaella, a protagonista do filme e roteirista, recorda das aulas de roteiro que teve com Tafarel ainda no primeiro ano do Labmais. Chamou a atenção a forma simples e didática para construir o roteiro.
“Fiquei feliz de ver que não era tão complicado quanto imaginava, e que era mais uma questão de organizar a história. Eu fiquei muito encantada por aquilo e comecei a pensar que eu gostaria de escrever roteiros”, afirmou.
Na avaliação da artista, o produtor de Santa Cruz foi uma peça essencial para a presença da obra e da equipe na Mostra de Curtas Gaúchos. “Não só nos motivou, mas também abriu essa porta e nos mostrou que era possível.”
Sobre o LABmais
Presente em Caxias do Sul desde 2022, o LABmais atende jovens de baixa renda de 15 a 29 anos. A coordenadora do curso, Shaiane Giusti, agente de serviços sociais do Sesc, destacou que o objetivo é colocar a juventude como protagonista.
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“Acreditamos, porque o LAB é feito por muitas mãos aqui, que o futuro desses jovens é magnífico e profundamente potente. Vejo neles não apenas esperança, mas movimento, uma juventude que não espera o amanhã, que constrói o agora com garra, inteligência e criatividade. São vidas que transformam escassez em potência, que reinventam caminhos onde antes só havia muros, que têm fome de conhecimento e sede de justiça”, afirmou.
E o “Bom Dia Maika” foi fruto do curso de curta-metragem realizado no segundo semestre de 2024. Com duração de quatro meses, em cerca de duas aulas por semana, os jovens aprenderam todas as etapas do audiovisual: desde o primeiro contato com equipamentos, passando pela construção de roteiro, direção de arte, fotografia, produção, até chegar à captação e à edição final.
Shaiane destacou que, ao longo do processo, a turma foi protagonista de toda a ideia e da execução da produção. “Durante o processo de gravação e edição, meu papel foi o de mediação e de coordenação, assegurando que cada etapa fosse conduzida de forma colaborativa, valorizando a voz e o talento de cada participante”, afirmou.
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Saiba mais sobre os artistas do filme
Eddy Ramos, diretor de Bom Dia, Maika!
Qual a sensação de ver o curta-metragem receber duas premiações em Gramado?
Estou sentindo aquela sensação de missão cumprida, sabe? Principalmente no que diz respeito ao curta, afinal de contas ele conta uma história que é exatamente a que a gente vive. Eu pisei no palco do Palácio dos Festivais, caminhei pelo tapete vermelho e foi tudo incrível. Mas segunda-feira eu já estava de volta na minha rotina, voltando a trabalhar. Inclusive hoje também estou trabalhando. Então, a sensação de ser premiado por ser exatamente um retrato da vida real. Eu fico feliz por ter conseguido retratar a vida real no cinema.

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O curta-metragem de vocês, jovens, têm uma visão bem complexa e madura sobre a vida e as relações de trabalho. O que te inspirou na hora de dirigir o filme?
Sinceramente, a minha inspiração maior vem de todas as camadas que eu observo da sociedade. A gente chama de letramento racial, quando a gente passa pelo processo de entender quem nós somos enquanto pessoas negras e o que representamos pra sociedade. Acho que essa minha caminhada começa nas rodas de cultura, quando ando pelas rodas culturais de slam, que é um movimento do hip hop, de competição de poesias, falando sobre os espaços que a gente não frequenta. É quase como ouvir Racionais MCs pela primeira vez, sabe?
Então, quando adquiro esse conhecimento, consigo perceber que eu preciso ocupar determinados espaços. Sou educador também. Atualmente, ainda trabalho com a fotografia, e já trabalhei com poesia, rima e música. O cinema era só uma consequência de tudo isso. A ideia de dirigir no cinema e estar em cima de um palco de Gramado pela primeira vez é uma ideia trabalhada desde 2017. Ela é proposital. Não posso te dizer que sempre sonhei em estar no cinema, mas o que me movimenta é estar no cinema e dirigir com maestria.
E qual o futuro de Eddy Ramos?
Tenho outros dois trabalhos já roteirizados. Há um documentário chamado “Em legítima defesa”, que se passa no Morro Santa Tereza, em Porto Alegre, um dos bairros com a taxa de criminalidade mais alta na capital gaúcha. Morei lá até os meus 10 anos de idade e tive complicações familiares por lá, envolvendo crime principalmente. A ideia é ifazer um documento de legítima defesa, porque a polícia entra nesse lugar matando e o governo está tirando a água e a luz.
É literalmente uma Nova Jamaica, sabe? Então, quando eu ouço a canção Welcome to John Rock, do Damian Marley, não consigo pensar que o Santa Tereza é um retrato falado dessa música. E o outro trabalho é Vingança, um poema da Jamili Santos, que é a minha companheira e já ganhou inúmeras competições de poesia falada. Ela já foi para São Paulo representar todo o Rio Grande do Sul duas vezes e esse é um dos trabalhos mais fortes dela. E eu consegui fazer um roteiro para um curta-metragem.
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Mikaella Amaral Padilha da Silva, atriz em Bom Dia, Maika!
Qual é a sensação de ter sido premiada como melhor atriz?
Ainda não caiu a ficha. Estou recebendo muitas mensagens, vejo os vídeos e as reportagens, mas eu ainda não consegui acreditar. Acredito que, enquanto artista, a gente sonha, mas o sonho às vezes parece estar tão distante, sabe? E hoje percebi que é possível e eu estou realizando um sonho.

Durante o seu discurso no palco, parecia que estava ouvindo a Maika, era difícil desassociar a Mika da personagem. Como foi esse processo de criar a personagem?
Na verdade, o roteiro é uma construção de ideias de jovens, com uma história a partir do que queríamos falar. E viemos de uma insatisfação e um incômodo que tínhamos exatamente por todos serem artistas em alguma área, que estão investindo nesse sonho e esperando que, a longo prazo, nos dê um retorno. E, muitas vezes, a gente fica só nessa esperança. A história da Maika se assemelha bastante à minha. Mas ela veio dessa explicação sobre uma dor de toda a galera em conjunto. E a Maika, assim como eu, é uma menina trans e preta que passa por essas mesmas dores.
Acho que entrei num lugar muito íntimo meu, dessas dores. Poder conectar essas dores e emoções e trazer para fora. São sentimentos que, muitas vezes, não estão expostos para todo mundo. Colocar isso em tela foi um trabalho muito da minha intimidade, de conseguir trazer isso pra fora de alguma forma, para ficar claro esse sentimento que a Maika tinha.
O que o cinema representa para você?
O cinema conta histórias a partir de acontecimentos, vivências, e vem a partir de dores, incomodações, inquietações, realidades e mensagens que a gente quer falar e mostrar. E acredito que quisemos mostrar exatamente isso, a nossa realidade. Entra muito também uma questão pessoal de contar histórias através do audiovisual, que é trazer personagens trans e pretas que são marginalizadas e não vemos muito nas telas.
Vemos muitas histórias e narrativas onde a pessoa que veio da periferia conquistou alguma coisa por muito esforço, por muito sonhar, por muito acreditar. Só que, na realidade, a gente não conta essas histórias a partir de uma ótica de pessoas marginalizadas que não são realmente aceitas na sociedade. E para mim é muito significativo isso. Muitas vezes eu pensei em desistir, muitas vezes pensei em não continuar, largar tudo e focar numa coisa que seria mais viável financeiramente. Muitas pessoas que me acompanharam, que foram assistindo a minha vivência, chegaram pra mim depois de ganhar o prêmio, e lembraram de todas as vezes que se pensou em desistir, todas as vezes que chorei e disse que talvez não era pra mim.
E quando veremos a Mika na tela novamente?
Olha, existem contatos que estão chegando. É surpreendente mesmo, ainda pra mim, que sempre sonhei em viver disso, e agora ter essa possibilidade. Também existem muitos projetos pessoais que agora eu penso em colocar pra frente, tirar da gaveta e colocar pra frente.
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