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Por que o cabelo liso ainda é tido como ‘cabelo bom’?

A ideia de que cabelo liso é o ‘cabelo bom’ não surgiu agora e existe uma origem para esse pensamento. Nos séculos XVIII e XIX, na era racionalista, com o aparecimento de muitas teorias e pensadores científicos, floresceu a Antropometria (trata das mensurações do corpo humano), área de estudo derivada da Antropologia (estuda o homem e seus símbolos, entre outros) que desenvolveu uma escala ‘de mensuração científica’ do padrão do homem perfeito, tema bastante abordado na tese de mestrado de Adriana Maria Penna Quintão, ‘O que ela tem na cabeça?’

Essa escala tinha como referência máxima o padrão do homem branco e todas as suas características fenotípicas (caraterísticas genéticas expressadas). E o que essa escala dizia era que o homem mais inteligente e civilizado era o branco e todos que não tivessem essas características eram inferiores a ele. Logo, ele era o mais inteligente e preparado. Existia, na época, o fardo do homem branco (‘O fardo do homem branco’, Maria Odila da Silva Dias, 1974) que deveria ajudar a todos os outros tipos de homens a se desenvolverem. Em função desse pensamento, a pele branca, os cabelos lisos e aloirados e os traços finos eram tidos como melhores, pois eram as características mais comuns das ‘pessoas perfeitas’. Sendo assim, todos os que não tivessem essas características físicas (fenotípicas) eram tidos como menos inteligentes e menos capazes quando comparados aos homens brancos.

Como teoria científica da época, essa ideia foi largamente usada para justificar a dominação do homem branco sobre outras etnias, pois havia uma escala de biotipos que determinava os que eram mais inteligentes e capazes e os que não eram, simplesmente avaliando o seu biotipo, ou o que em genética são chamadas de características fenotípicas. Como poucos possuem essas características, a grande maioria era vista como deficitária. Porém, a determinação de capacidade atrelada a características fenotípicas torna imutável, pois são características definidas desde o nascimento, até a sua morte.

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A farmacêutica Daniele Bornea, pesquisadora de imagem pessoal e cosméticos diz: ‘essa escala beneficia poucas pessoas, pois somente as detentoras dessas características eram suas beneficiárias. Era quase como ganhar na loteria genética, pois suas ações e sua posição dentro da sociedade eram a do condutor, que iria conduzir os que biologicamente eram tidos como inferiores. Características biológicas não eram modificáveis, logo eram autodeterminantes e definidoras do destino de muitos seres humanos. Ou seja, mulheres, negros, asiáticos, indianos ou qualquer outra etnia estavam naturalmente fadados a serem guiados pelos homens brancos, já que eram tidos como inferiores. O ‘fardo do homem branco’ era exatamente esse, levar civilidade aos que seriam incapazes de criar por si só. Com o advento de novos procedimentos estéticos, mesmo que essa metrificação tenha sido abandonada, ainda hoje, sem muita consciência do porquê o cabelo ‘bom’ é o liso, as pessoas buscam reproduzir as características caucasianas (pele branca, cabelos lisos ou levemente ondulado, geralmente loiros e com nariz e bocas finas) em seus corpos. Ao mesmo tempo, diante dessa mesma lógica, o homem branco, também não escolheu ser homem e branco, logo, criar apenas uma guerra sobre o assunto, não faz avançar mudanças que já estão em curso.’

Daniele ainda ressalta: ‘é importante perceber que as ideias antropométricas existem há mais de 200 anos e que são reproduzidas ainda hoje, na medida em se deseja transformar os corpos ‘fora de padrão’ em corpos ‘perfeitos’. Logo, se os pretos estão querendo agora manter seus cabelos em seu formato natural, isso significa, simbolicamente, que não já querem reproduzir esses padrões, pois não acreditam mais que esse padrão do homem branco seja a do homem perfeito e reivindicam que seus corpos (ou cabelos) sejam tão bons quanto os de qualquer outro.’

A Antropometria ainda existe e continua medindo os corpos e sua composição com o intuito de adequar produtos ou serviços, mas deixou de ser usada para classificar seres humanos em piores ou melhores apenas pelo seu biotipo.

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