O ritmo é de Halo, música da cantora norte-americana Beyoncé – acompanhada por uma batucada de funk improvisada com as mãos batendo nas mesas e cadeiras. Mas a letra ensina uma das fórmulas matemáticas mais marcantes que se aprende na escola: x é igual a menos b mais ou menos raiz de b ao quadrado menos quatro ac dividido por dois a. Uma sopa de letrinhas criada pelo matemático e astrônomo indiano Bhaskara para resolver equações de segundo grau.
Seria bem mais difícil sem Beyoncé e o professor de matemática Marcos Nunes, do Ginásio Educacional Olímpico Isabel Salgado, na zona oeste do Rio de Janeiro, sabe disso. “Eu vou dando a aula normal, aí coloco a música da Beyoncé para tocar, mas não falo nada. Depois, vou cantando a música junto com a fórmula. Eles se motivam, ficam rindo e aprendem. Assim, conseguem gravar algumas coisas. Eu procuro tornar a aula mais dinâmica possível”, diz.
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Nunes não está sozinho nesse desafio de chamar a atenção dos estudantes e fazer com que se motivem com os conteúdos ensinados. No Brasil, os professores gastam, em média, 21% do tempo de aula para manter a ordem em sala. Ou seja, a cada cinco horas de aula, uma hora inteira é dedicada apenas a pedir a concentração dos alunos.
Além disso, quase metade dos professores brasileiros (44%) relata que é bastante interrompida pelos estudantes. Os dados foram divulgados na semana passada, na Pesquisa Internacional sobre Ensino e Aprendizagem (Talis) 2024, da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Neste Dia Nacional do Professor, 15 de outubro, a Agência Brasil conversou com professores sobre as dificuldades e as estratégias que encontram para tornar as aulas mais interessantes.
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Depois de 20 anos de magistério, Nunes conta que já sabe identificar os estudantes que têm mais dificuldade. Eles são, por vezes, os que mais atrapalham a aula.
IA na sala de aula
A tecnologia é objeto de estudo nas aulas da professora de inteligência artificial (IA) no Centro Educacional de Tempo Integral (Ceti) Paulo Freire, em Guaribas (PI), Amanda de Sousa. Desde o ano passado, ela faz parte do programa Piauí Inteligência Artificial, do governo do estado que, por meio da Secretaria da Educação (Seduc), leva a disciplina de IA às escolas da rede.
A professora Amanda Sousa leva a disciplina de IA a escola de Guaribas, no Piauí – Foto Ascom Seduc Piauí/Divulgação Guaribas (PI) já foi considerada uma das cidades mais pobres do Brasil e a primeira a receber o Programa Fome Zero em 2003. O cenário foi mudando, de 2002 a 2013, a desnutrição caiu 82%. Sousa faz questão de explicar o contexto da cidade e a importância que o município dá para políticas públicas.
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Por isso, quando teve a oportunidade de participar da formação para dar aulas de IA, a professora formada em biologia não pensou duas vezes. Além de ver uma possibilidade de melhorar a renda aumentando a jornada na escola, ela tinha muita curiosidade sobre o assunto, que conhecia pouco. No começo estava insegura, mas foi aprendendo cada vez mais e fez até pós-graduação no assunto. Descobriu que por mais que sejam nativos digitais, os próprios estudantes não dominam plenamente as ferramentas de IA e que a escola pode ajudá-los a ter mais autonomia.
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“Tem uma aula que desenvolvi com alguns alunos que é a construção de árvores de decisão – um exemplo de algoritmo, utilizando imagens de animais típicos da caatinga, que é o bioma predominante aqui na nossa região. Quando eles começam a identificar ali os padrões, as características dos animais, eles vão classificando: o animal que tem pelo, o animal que é terrestre e vão construindo essa árvore de decisão. Quando eles veem o resultado, aí eu mostro: vocês construíram um algoritmo. Isso é inteligência artificial desplugada”, explica.
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Um algoritmo é conjunto de instruções finitas e bem definidas para realizar uma tarefa ou resolver um problema. Os algoritmos são a base de funcionamento da IA. Entender a base e como operá-la é uma forma de aprender a usar melhor a ferramenta.
O programa do estado foi um dos vencedores do Prêmio Rei Hamad Bin Isa Al-Khalifa, concedido pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) em parceria com o governo do Bahrein.
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Mais atenção e respeito
Nas escolas indígenas Paiter Surui, em Cacoal (RO), o desafio é manter o interesse dos estudantes do ensino médio, de acordo com a coordenadora das escolas, Elisângela Dell-Armelina Surui. “Os alunos do 1º ao 6º ano do ensino fundamental adoram aula. Não precisa nem pedir para vir. Eles já chegam primeiro que o professor na escola. Mas ali, na fase da adolescência, já começa a ter que incentivar mais as aulas”, diz. Surui conta que muitos jovens querem continuar os estudos em escolas rurais fora das aldeias. O que é uma preocupação para os pais e uma preocupação também da comunidade com a manutenção da língua indígena e a cultura.
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A tecnologia é ali, muitas vezes, motivo de distração. Quando há o uso excessivo de celulares nas salas de aulas, a escola aciona as famílias que, nas comunidades indígenas, tendem a participar bastante da vida escolar dos filhos. Por lei nacional, o uso dos aparelhos apenas é permitido na escola quando autorizado pelos professores para fazer tarefas educativas. É, no entanto, da tecnologia que vem também o estímulo para seguir os estudos.
Aprender no cotidiano
Outra estratégia usada para manter o interesse dos estudantes é aproximar a escola do cotidiano e estimular tarefas mais parecidas com aquelas já desempenhadas nas aldeias, como explica a educadora indigenista Maria do Carmo Barcellos, que há mais de 50 anos trabalha com povos indígenas, entre eles os Paiter Surui.
Maria do Carmo trabalhou com a elaboração de materiais para serem usados em aldeias que tratam de governança territorial e educação climática, além de promover a formação dos professores. Os materiais e jogos foram produzidos junto com os educadores das escolas indígenas.
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“A gente trabalhou muito essa questão da importância das aulas mais práticas. É comum você chegar numa escola indígena e ver a criança copiando coisa que o professor está passando no quadro ou então copiando de um livro. A maioria dos materiais das escolas indígenas é completamente inadequada”, comenta. Os materiais foram produzidos pensando nas próprias histórias locais e no modo de vida. Estimulam, por exemplo, o aprendizado ao fazer a comida, ao verificar na produção da roça os impactos das mudanças climáticas, entre outros.
Disciplinar é educar?
Para a educadora e pesquisadora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Luana Tolentino, os dados divulgados pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) chamam atenção, mas é preciso ter cuidado ao focar apenas na disciplina dos estudantes.
Luana conta que, em muitas as escolas onde lecionou, a disciplina dos estudantes era prioridade e que isso não funcionava de forma efetiva para melhorar o aprendizado dos alunos. “Eu acho que isso dificulta também pensar em práticas pedagógicas que envolvam de fato os estudantes, porque se se mantém o foco só na disciplina, automaticamente eu entendo que os estudantes vão, enquanto jovens mesmo, focar em maneiras de indisciplinar”, defende.
Segundo a pesquisadora, a escola precisa estar atenta à vida, ao território, às vivências dos estudantes e ao que se passa no mundo.
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Ela ressalta que a profissão docente tem muitos desafios. Os dados da OCDE reforçam as dificuldades. No Brasil, apenas 14% dos professores acreditam que a própria profissão é valorizada na sociedade. Um a cada cinco, 21%, afirma que o trabalho é muito estressante, índice que aumentou 7 pontos percentuais em relação à última edição do estudo, de 2018.
Quanto aos impactos na saúde mental e física, o Brasil supera a média dos demais países pesquisados. Entre os professores brasileiros, 16% dizem que a docência impacta negativamente na saúde mental, enquanto entre os países da OCDE, a média é 10%. Já a saúde física é muito impactada pela profissão de acordo com 12% dos professores brasileiros, enquanto a média da OCDE é 8%.
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