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LUÍS FERNANDO FERREIRA

Sentido anti-horário

No princípio era… o quê? Às vezes lá está a chave do que tentamos entender, o ponto aonde precisamos chegar: no início.

Contar uma história ao inverso, como no conto O castigo, da argentina Silvina Ocampo. Após uma discussão de casal, a mulher passa a narrar (com a rapidez esperada de um conto) a história de sua vida ao companheiro. Mas com uma inversão cronológica: ela inicia no presente e vai retornando até a mais tenra infância, sem se atrapalhar em nenhum momento.

É é como se ela rejuvenescesse no processo, em uma jornada quase ao estilo Benjamin Button (o famoso personagem de F. Scott Fitzgerald que nasce velho e morre como um bebê).

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O ponto de chegada é a partida. Escava-se à procura das raízes. Nisso consiste todo o trabalho da memória. Entender o que nos trouxe até aqui, neste presente, em termos pessoais e coletivos.

Floryan, o protagonista do filme russo Vá e Veja, de 1985, tenta compreender. Ele é um camponês adolescente que se une como voluntário a um grupo guerrilheiro em luta contra os nazistas, na Bielorrússia. Em junho de 1941, tropas alemãs haviam ocupado o território bielorrusso, que pertencia à União Soviética.

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A trajetória de Floryan é a de um garoto que envelhece de maneira prematura, diante das atrocidades que testemunha. Após ver de perto um vilarejo ser incendiado pelos nazistas, com o extermínio de praticamente todos os moradores, ele chega ao seu limite.

Nos últimos minutos de Vá e Veja, Floryan caminha pelas ruínas do que foi uma aldeia. Encontra um cartaz de Adolf Hitler jogado em meio aos escombros, aponta o fuzil e começa a atirar no retrato. Muitas vezes.

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Simultaneamente, vemos uma montagem peculiar de cenas da Segunda Guerra e do Terceiro Reich (que podem, talvez, estar passando pela mente do rapaz). O estranho é que as imagens surgem como um filme invertido, exibido de trás para a frente.

A cada balaço no rosto de Hitler, vemos: ruínas de cidades devastadas que se erguem e se reconfiguram como prédios; bombas que voam de volta para aviões bombardeiros; fileiras de soldados desfilando em marcha a ré, e assim por diante. Por fim, imagens de um Adolf Hitler cada vez mais jovem, até chegarmos à última: um bebê no colo de sua mãe.

Então Floryan para de atirar. Imaginar o relógio da história retrocedendo não lhe trouxe alívio. Como fitar os olhos daquela criança e entender o que aconteceu? Como, a partir daquilo, chegou-se ao ponto onde ele estava?

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Sem respostas então e também agora, para o que está acontecendo agora. Mas talvez seja interessante terminar pelo começo.

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