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ASSUNTO DE PROFESSOR

Sergio Celio Klamt: “O professor não será substituído pela tecnologia”

Para Klamt, a abordagem do Patrimônio Cultural deve prever ações que levem em consideração o respeito e aceitação da diversidade cultural

O Centro de Ensino e Pesquisas Arqueológicas (Cepa) Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc) está próximo de completar 50 anos de fundação. Fundado em 1974, foi o primeiro centro de pesquisa instituído pela Associação Pró-Ensino em Santa Cruz do Sul (Apesc). Inicialmente estava ligado à Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras. Desde a década de 90, o Cepa está vinculado ao Departamento de História e Geografia e é coordenado pelo professor Sergio Celio Klamt. Ele assumiu o comando propondo um novo modelo de arqueologia, hoje conhecida como de licenciamento, de contrato ou empresarial, a qual é voltada para os licenciamentos ambientais de empreendimentos, como usinas hidrelétricas, parques eólicos, rodovias, linhas de transmissão e loteamentos residenciais.

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Natural de Linha Isabel, no interior de Venâncio Aires, Sergio Celio Klamt nasceu em 24 de janeiro de 1959. Cursou o Ensino Fundamental na Escola Normal Rural Murilo Braga de Carvalho, em Santa Cruz do Sul, e o Ensino Médio – Habilitação Magistério no Colégio Nossa Senhora da Aparecida, em Venâncio Aires. No Ensino Superior cursou Ciências Físicas e Biológicas – Licenciatura Curta; Matemática – Licenciatura Plena e fez especialização no Ensino de Matemática na Fisc (atual Unisc); mestrado e doutorado em Arqueologia na PUC/RS; pós-doutorado em Arqueologia na Unisinos e mais recentemente MBA em Gestão da Aprendizagem e Modelos Híbridos de Educação pela UniAmérica do Paraná.

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O vínculo de Klamt como professor na Unisc iniciou em 1993, ano em que assumiu a coordenação do Cepa e também como editor do primeiro periódico científico da instituição: a Revista do Cepa. Em 2024, tanto o Cepa como a revista completam 50 anos. O centro de pesquisas ocupa amplo espaço no prédio do Memorial Unisc. O professor Sergio Klamt, por sua vez, tem extensa experiência na área da Educação e da Arqueologia, com produção de material didático, metodologias ativas e gestão de projetos, especialmente os ligados ao licenciamento ambiental. Com esta bagagem, Sergio é o entrevistado desta semana para a série Assunto de Professor, para compartilhar um pouco da sua longa experiência em sala de aula, pesquisas e como referência para temas relacionados ao patrimônio cultural.

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Entrevista – Sergio Celio Klamt, professor e coordenador do Cepa-Unisc

Sergio Klamt: “A sala não é mais pensada como um espaço fechado com professores enérgicos e carteiras geometricamente alinhadas”
  • Gazeta – O senhor tem uma longa atuação na área da arqueologia e com importantes pesquisas na região e até em outras partes do Estado. O que o levou a optar em atuar nesta área?
    Sergio Celio Klamt – Meu primeiro contato com a arqueologia foi bem antes de 1993. Ainda enquanto aluno na graduação da Fisc, meus alunos da Escola Estadual de Eensino Fundamental Curupaiti, de Vila Melos (hoje Vale Verde), se destacaram na Feira Municipal de Ciências, Regional, Estadual, Nacional, culminando com o 1º lugar na Feira Sui-Americana de Ciências. Isso repercutiu muito. Os laboratórios de Física, Química e Biologia, que nós frequentávamos muito, ficavam ao lado da sala ocupada pelo Cepa. O professor Pedro Augusto Mentz Ribeiro coordenava o Cepa e me convidou para ser bolsista e aceitei. Foram em torno de 10 anos como bolsista de Iniciação Científica, Aperfeiçoamento e voluntário, o que era comum na época.
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  • Quem foi ou foram os seus inspiradores para optar pelas pesquisas na área da arqueologia?
    Minha inspiração inicial foi o convite do professor Pedro A. M. Ribeiro para integrar a equipe dele como bolsista. Na sequência (1993), Ribeiro se transfere para a Furg e a Unisc fica sem arqueólogo. A partir desse momento, duas pessoas se tornaram decisivas para minha trajetória na arqueologia: o professor Wilson Kniphoff da Cruz e o professor Luiz Augusto Costa a Campis. Me chamam no gabinete da reitoria e ouvi a seguinte frase: a instituição precisa de ti como arqueólogo, vai lá e faz um mestrado.
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  • Ao longo de todos estes anos que o senhor frequenta salas de aula, tanto como aluno, bem como atuando como professor, quais considera as principais mundanças no ambiente do ensino? Houve muita evolução na forma de ensinar e aprender e, em consequência, mudanças no papel do professor?
    Vejo uma mudança significativa, uma passagem gradual entre um modelo pedagógico em que o professor detinha o conhecimento, era o protagonista para um processo em que se invertem os papéis. A sala não é mais pensada como um espaço fechado com professores enérgicos e carteiras geometricamente alinhadas. O professor, no entanto, não será substituído pela tecnologia, e sim, teremos um novo modelo de professor que incentiva, apoia e facilita o aprendizado utilizando recursos tecnológicos e metodologias ativas de aprendizagem.
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  • Como foi a adaptação ao mundo digital? O que mudou na forma de ensino em sala de aula, no comportamento dos alunos e nas atividades de pesquisa?
    Independente do grau de ensino, a crise da Covid-19 acelerou um processo que, embora num ritmo mais lento, já estava em andamento. Possivelmente seja esse um dos motivos de um sentimento de sobrecarga, tanto entre professores, como entre os alunos. Preparar e dar uma aula online é bem diferente de uma aula presencial. Se de um lado o professor precisa dominar novas tecnologias e metodologias, do outro lado está o aluno ao qual também cabe um melhor planejamento de seu tempo para os estudos. Por exemplo, não adianta disponibilizar um vídeo com duas horas de duração e ainda legendado ou um texto de 200 páginas com letra tamanho 8.
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  • Qual a importância de incluir noções sobre a preservação do patrimônio nos temas tratados em sala de aula nas escolas de ensino fundamental e médio? Atualmente esse tipo de atividade tem espaço adequado ou deveria ser ampliado?
    Existe um longo caminho a ser trilhado para que efetivamente essa temática tenha o espaço necessário nos currículos escolares. A nova BNCC (Base Nacional Comum Curricular) avança significativamente nesse sentido, apresentando em três das dez competências que devem ser desenvolvidas pelos alunos da Educação Básica referência ao patrimônio cultural. São elas:

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    Valorizar e utilizar os conhecimentos historicamente construídos sobre o mundo físico, social, cultural e digital;

    Valorizar e fruir as diversas manifestações artísticas e culturais, das locais às mundiais, e também participar de práticas diversificadas da produção artístico-cultural;

    Valorizar a diversidade de saberes e vivências culturais e apropriar-se de conhecimentos e experiências que lhe possibilitem entender as relações próprias do mundo.
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  • Com a experiência acumulada no exercício profissional, quais são as dicas básicas para os educadores trabalharem a temática da educação patrimonial em sala de aula? Quais os conhecimentos básicos que o professor deve ter para desenvolver atividades neste sentido?
    A abordagem da temática do Patrimônio Cultural deve prever ações que levem em consideração o respeito e aceitação da diversidade cultural desde o ambiente escolar até um contexto mais amplo. O professor pode utilizar metodologias que permitam identificar os patrimônios, sejam locais, regionais ou mais abrangentes, bem como analisar as questões sociais e políticas atreladas aos mesmos. Pessoalmente gosto de utilizar a MBP – Metodologia Baseada em Projetos. Sempre trabalho com meus alunos o seguinte tema: O Patrimônio Cultural e Sua Influência na Vida Social e Econômica de Minha Comunidade. Essa temática conduz a uma série de dados e discussões muito interessantes. Somente a título de ilustração, entrevistamos 300 pessoas de diferentes faixas etárias em Santa Cruz do Sul e curiosamente a pista de skate foi muito citada como patrimônio em contrapartida da Estação Férrea, que praticamente não apareceu nas pesquisas, sendo o prédio tombado como patrimônio.
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  • No começo do ano letivo, o senhor disponibilizou junto com o professor Hélio Etges, também da Unisc, um e-book sobre a implantação do novo Ensino Médio, fundamentado na Base Nacional Comum Curricular. Como surgiu a ideia, qual foi o objetivo, qual o conteúdo e a quem se direcionou a publicação?
    Essa publicação não visa discutir a BNCC e sim possui como foco, O Projeto de Vida, cujo tema deve ser implantado no 1º ano do Ensino Médio agora em 2022. O objetivo principal do texto é auxiliar os professores com exemplos de proposições práticas de atividades que podem ser implementadas no 1º, 2º e 3º ano e ser adequadas à realidade local e regional em que se encontra a escola.
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  • Houve e ainda há dificuldades de adaptação para os professores e alunos à proposta do novo Ensino Médio? O que a mudança trouxe como principais contribuições?
    Toda mudança precisa de um tempo para adaptação. Com o novo Ensino Médio não deverá ser diferente. Temos que esperar fechar um ciclo, ou seja, os alunos que hoje estão ingressando concluírem o Ensino Médio.
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  • No contexto atual da educação brasileira, como o senhor faz para estimular os alunos a trabalharem com pesquisas?
    Desafiando-os para a prototipagem de uma solução para uma situação real e que possua relação com seu cotidiano.
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  • Qual foi o impacto da pandemia nas pesquisas? Houve interrupção em alguns trabalhos? E isso trouxe algum prejuízo de continuidade no desenvolvimento dessas atividades? Atualmente, já houve a normalização?
    O impacto foi significativo. Com o distanciamento social, a arqueologia acadêmica parou nas universidades e a arqueologia de licenciamento sofreu as consequências na paralização das obras por todo país.
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  • A região ainda tem um grande campo para pesquisas e novas descobertas arqueológicas? Existe mapeamento de áreas com possibilidade de haver trabalhos de exploração no campo?
    Não temos o mapeamento do potencial arqueológico para a região e nem para o Estado. Iniciamos um projeto nesse sentido, a coleta de dados foi concluída antes da pandemia, mas não teve mais prosseguimento, faltando o tratamento estatístico e elaboração dos mapas temáticos. Por outro lado, novas técnicas permitem reavaliar material de sítios já conhecidos, como é o caso de um sítio localizado no atual município de Vale do Sol que está servindo para estudos de pós-doutoramento.
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  • Há ideia sobre quantos trabalhos científicos já se desenvolveram a partir de pesquisas com o acervo do Cepa? E ainda existe muita procura por novas pesquisas?
    Em média, cada projeto resulta em um artigo a cada 2 anos. Em média, um projeto é executado e concluído a cada 2 anos. A digitalização do acervo que está pronto de 2008 até 2020 soma 10.800 peças.
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  • Houve aumento no interesse por parte dos alunos em trabalhar na área da arqueologia nos últimos anos? Algum fator influenciou nisso?
    Não. Nos últimos 5 anos assistimos a uma diminuição importante. Temos mais bolsas do que candidatos. As bolsas estão há vários anos sem reajuste. Hoje são R$ 470,00 para 20 horas semanais. Para alunos fora de Santa Cruz do Sul, o valor não cobre a passagem e alimentação.
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  • Existe apoio financeiro para o desenvolvimento de pesquisas nesta área? Quais são os principais canais de apoio?
    O apoio financeiro por órgãos de fomento, como CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), Fapergs (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul), existe apenas para pesquisa em arqueologia acadêmica em forma de bolsas no valor acima mencionado ou ainda através de editais de apoio, cujos valores são igualmente insignificantes. A arqueologia de licenciamento está diretamente ligada a obras. Com o distanciamento social, parou completamente.
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  • Quais são as primeiras descobertas na região nesta área, quem foram os responsáveis e onde se encontra este material atualmente?
    Santa Cruz do Sul está bem situada na trajetória da arqueologia brasileira. O Museu do Colégio Mauá com sua equipe de colaboradores faz parte do período conhecido como Arqueologia Comunitária. Havia uma ligação muito próxima entre a pesquisa e a comunidade. Inclusive a Gazeta do Sul faz parte desse elo de ligação divulgando os resultados a cada nova expedição. Então, as primeiras descobertas na região (até 1974) são creditadas ao Museu do Colégio Mauá e a divulgação ao jornal Gazeta.

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    A segunda fase inicia por volta de 1974, sendo conhecida como Arqueologia Acadêmica. Temos a criação do Cepa e sua revista científica. É uma arqueologia da academia para a academia, afastando-se da comunidade. Com poucos investimentos oficiais ela vai perdendo espaço para a fase seguinte da arqueologia.

    No início dos anos 90, temos o início da terceira fase chamada de Arqueologia do Licenciamento. É uma arqueologia financiada pela iniciativa privada e, portanto, com muitos recursos. Nesse período a falta de arqueólogos para atender as demandas acaba por despertar o interesse das universidades na proposição de cursos de formação em arqueologia. A arqueologia de licenciamento tenta resgatar a proximidade com a comunidade perdida com a arqueologia acadêmica. Essa atividade é denominada de Educação Patrimonial. São ações patrocinadas pela iniciativa privada que visam a identificação, apropriação e valorização do patrimônio cultural nas áreas de abrangência dos empreendimentos licenciados. Atualmente, todos esses anos de pesquisa resultaram num rico acervo e fazem parte da reserva técnica no Cepa-Unisc.
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  • O Cepa desenvolveu diversas pesquisas em prédios históricos restaurados. Na região, por exemplo, houve intervenções no prédio da antiga Escola Militar de Rio Pardo e na Igreja de Santo Amaro do Sul. Qual a importância destes trabalhos e quais foram as descobertas mais valiosas cientificamente?
    Prédios históricos antigos sempre são um mistério. Na Escola Miltar de Rio Pardo não identificamos a localização da pedra fundamental conforme constava nos escritos. Por outro lado, recuperamos louças e vidrarias da época de uso como Escola Militar e detalhes construtivos do prédio que se desconhecia até então, como divisórias que não existem atualmente, forma de isolamento de umidade no assoalho.

    Na Igreja de Santo Amaro, o famoso túnel que sairia de dentro da igreja até o rio continua um mistério. No mais, o projeto em Santo Amaro foi muito produtivo em termos de resultados, com a localização de áreas de enterramento no interior e fora da igreja. Detalhes construtivos como espessura de paredes, profundidade do alicerce, detalhes que foram alterados na primeira grande reforma como, por exemplo, os nichos na lateral do altar mor. Resgate de louça, vidrarias, metal e reconstituição parcial da planta baixa do antigo fortim e armazém de víveres.
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  • O Cepa também fez trabalhos de campo em locais onde houve a construção de rodovias, como a RSC–481, especialmente em trecho de Salto do Jacuí, e da RSC–153, entre Santa Cruz do Sul e Barros Cassal. O que estas ações revelaram de maior importância?
    O uso mais recente do material desse projeto foi para o doutoramento de nossa ex-bolsista e funcionária Marina Barth. Os estudos identificaram a mobilidade dos caçadores-coletores nesse ambiente.
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  • O Cepa também atuou em diversas pesquisas de campo fora da nossa região. Quais os trabalhos de maior importância?
    De fato, são muitas. Vou citar uma pré-histórica e uma histórica.

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    A pesquisa pré-histórica foi a escavação de uma abrigo-sob-rocha por Mentz Ribeiro em Montenegro, que resultou na datação de 9.800 anos Antes do Presente.

    A pesquisa histórica foi o acompanhamento arqueológico no restauro da casa do ex-presidente Getúlio Vargas, em São Borja, já sob minha coordenação. Um aspecto interessante refere-se a descoberta embaixo do assoalho da sala, de vestígios cerâmicos da Redução de San Francisco de Borja (fundada em 1682).
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  • O acervo do Cepa é um dos maiores nesta área no Estado atualmente. Quantas peças aproximadamente estão catalogadas e quais são algumas das mais importantes?
    Sim, em quantidade de sítios registrados, o acervo corresponde a 38% do total no Estado. Quanto ao total de peças, estamos em fase de digitalização do acervo que está pronto de 2008 para cá, somando 10.800 peças. Na reserva técnica temos 250 vasilhas arqueológicas inteiras e 250 lâminas polidas do Vale do Rio Pardo. Como importante podemos citar ainda a sequência de pontas-de-projétil datadas até 9.800 anos antes do presente em Montenegro e um único sítio arqueológico no Brasil com mais de 1.000 pontas (fica no perímetro urbano de Santa Cruz).

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