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Verde novo: o “irmão”

Antônio volta seu olhar para a pedra encantada. O homem ao seu lado se inquieta. Quer seguir. Antônio precisa optar. Decide não mostrar agora o que encontrara nas faces hexagonais da pedra mágica. “Não faltará ocasião”, lembra da citação que seu sogro costumava usar quando algo deveria ser transferido para um outro momento, ou alguma coisa muito desejada não pudesse ser satisfeita. Acena um pedido de licença a Christian, à criança e a Líris.

Afaga a mão de Irene, a sua amada Irene. Lança um olhar agradecido em direção a Eva. Sabe que é compreendido, como ela intui que o sentimento de acolhida é mútuo. Põem-se a caminho. Os passos aceleram-se, a ponto de não ouvirem o comentário da criança para Líris: “Como está estranho o tio que me cuidava, ou dizia que gostava de mim. Não está nem aí para mim. Me desconhece”. Líris, com sua bonequinha no colo, consola a criança: “Ele está atrapalhado, confuso. Acho que está passando por uma fase ruim, em que esqueceu de seu passado”.

Ao que a criança comenta: “Será que trouxe a motosserra junto para cá? Parece que estou vendo ele completar o óleo da máquina, ligar a camionete e se mandar para cortar mais árvores. Sua conversa era sobre loteamentos, plantas de áreas e leis que atrapalhavam sua vida… Lembro que se gabava de ter conseguido baratear as terras que comprava. Só ficava preocupado com uma coisa: ser pego pela fiscalização ou ter que explicar por que as árvores haviam sumido, como num passe de mágica…”

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Antônio e o senhor já seguem distantes. Antônio não o chama de predador nem de destruidor, mas de “irmão.” Quem tanto machucou a natureza pode ser reconhecido como “irmão”? Na dúvida, Antônio assume o “irmão” como um desafio redentor. Ao zelar por ele, imagina se redimir de suas próprias culpas e das perpetradas pela humanidade incauta. Um sentimento universal de dever a cumprir o move esperançosamente.

Os dois seguem. A cada seixo um pouco maior, se detêm. O “irmão” observa e levanta a pedra suspeita. “Não está mais aqui. Fui roubado!”, se exaspera. Não despreza possíveis tocas, formigueiros e ocos de árvores. Após cada frustração, repete: “Fui roubado!” Antônio já sabe: o “irmão” procura dinheiro. Podem ser moedas, cédulas, joias ou qualquer coisa que possa ser transacionada por um bom valor. Seguidamente o “irmão” transfere de um bolso para o outro maços de notas e moedas. As conta e reconta.

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“Vamos voltar. Devo ter perdido algumas pelo caminho”, segreda o “irmão”, sempre desconfiado de estar sendo seguido por algum “ladrão” de seus guardados. “Sei, já sei onde podem estar”, exclama o “irmão”. Quase correm para alcançar os porões do antigo casarão do sanatório. Suas mãos sangram de tanto, em meio à semiescuridão, aprofundá-las em cada fresta rochosa. Nada encontram. Saem ainda mais apressados. Sobem ao sótão. Também nada descobrem.

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Retornam para o pátio. O “irmão”, após observar tudo ao redor e se certificar de que ninguém está por perto, despeja tudo dos bolsos. Empilha nota por nota. Separa sua fortuna em amontoados de mesmo valor. Assim também com as moedas. Encoraja-se. Abre a camisa. De uma espécie de envelope amarrado à sua barriga, retira documentos. São escrituras, promissórias e mapas. “Isso aqui vale muito”, sussura o “irmão”.

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Antônio compadece-se. Pensa em como poderá tirar o “irmão” desta gananciosa demência. Lembra de suas dores de cabeça e como se livrara delas. Precisa ser astuto: “Acho que sei onde você perdeu algumas notas e moedas. Não fica longe daqui. Você topa procurar este lugar?”

Como que tocado por uma inesperada nesga de sanidade, o “irmão” aceita de pronto. Antes, ciumento e desconfiado, retorna os montinhos de seus guardados aos bolsos e barrigueira. Todavia, a noite se achega rápida. “Amanhã, levantamos bem cedo e vamos”, aconselha Antônio. “Sim, vamos de camionete. Assim chegaremos logo”, concorda o “irmão”, que não dorme, apenas aguarda o amanhecer e, desvairado, repete sem cessar: “Ligeiro, vamos; ligeiro, vamos…”

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