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ROMEU NEUMANN

O segredo do sábio

Tive oportunidade, ao longo da atividade profissional, de participar de muitos seminários e congressos, no país e mundo afora. De todos guardei anotações e ensinamentos. Reflexões perturbadoras sobre o futuro dos jornais dominaram muitos desses encontros. Ouvi projeções alarmistas, diferentes construções de cenários, gente pessimista e conformada, mas também assisti quem apontasse caminhos e sugerisse alternativas. “Enquanto houver boas histórias para contar – e sempre haverá – e se alguém fizer isso de forma atrativa, terá o seu espaço assegurado”. Não lembro quem disse, mas foi uma definição inspiradora, para mim e, certamente, para todos que olham com confiança para o futuro.

Contar histórias. Parece simples, não? Pois foi um desafio que me propus. Dentre as tantas palestras que ouvi, uma em particular nunca esqueci, porque foi inspirada numa história. Era novembro, mas a cerração e a chuva fina que caía em Canela, na Serra Gaúcha, mais sugeriam um cenário de inverno. Logo após o intervalo do almoço, nos recolhemos para mais uma palestra em uma sala escura, ambiente propício para fazer um cochilo, logo imaginei.

Foi quando entrou na sala um homem de baixa estatura, magro, discreto. Muito discreto. Sem as costumeiras apresentações, sentou-se à mesa e ligou o microfone. Esperávamos todos um “Boa tarde” e algumas frases protocolares, comuns nestas ocasiões, quando ele começou, com fala bem pausada e olhar no infinito: “Era uma vez um velho lenhador, que dominava como ninguém o seu ofício. Certo dia (prometo ser breve no relato), aproximou-se um jovem e implorou que lhe ensinasse o manuseio do machado com tamanha presteza”.

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“Algumas semanas depois” – continuou nosso palestrante –, “quando o jovem já se sentiu apto o suficiente e, confiando na força dos seus braços, decidiu desafiar o velho lenhador. – Vamos ver quem consegue derrubar mais árvores ao longo de um dia. Aposta feita, já se sentia vitorioso; afinal, era jovem e muito mais forte que o mestre.”

Silêncio total na sala. “Marcado o dia, deram largada à competição. Tomado de energia e cheio de ímpeto juvenil, logo o jovem foi derrubando uma, duas, três, dezenas de árvores. Por vezes, espiava na direção de seu velho oponente e o via ao longe, sentado sobre algum tronco. – Coitado, deve estar cansado. Sabe que vai perder – ele pensava”.

Não estávamos entendendo muito bem o rumo desta história, nem o contexto em que ela se inseria no nosso seminário. “Quando o sol se pôs – prosseguiu o orador –, os moradores da região que acompanhavam o duelo dos machados foram contar a quantidade de árvores que cada lenhador havia abatido. Inacreditável! – dizia um. Não pode ser! – resignavase outro. A verdade é que o velho havia vencido com folga o desafio. Inconformado, o jovem foi ouvi-lo. – Como isso foi possível, se várias vezes vi o senhor sentado à sombra para descansar? E o velho lenhador respondeu: – É que ainda não havia lhe ensinado que em nosso ofício por vezes precisamos parar para afiar o machado.”

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Perfeito! Na vida, no trabalho, em qualquer das profissões, agora ou em algum momento do futuro, é preciso parar para “afiar o machado”. Não para cortar árvores, mas para derrubar preconceitos, para se reciclar, incorporar novos conhecimentos, rever conceitos. Quem sabe, em meio às restrições e ao isolamento que a pandemia nos impõe, ela também esteja a nos oferecer a oportunidade para nos tornarmos mais humanizados, mais tolerantes, e nos faça ver o mundo com outros olhos: os olhos da sabedoria do velho lenhador.

Em tempo: quem proferiu a palestra foi Eduardo Tevah, também empresário e escritor, aplaudido e requisitado nacionalmente, mas na época ainda não conhecido da maioria de nós. O que se guarda para a vida, se sobrepõe a conceitos. É o que toca a alma da gente.

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