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RICARDO DÜREN

A aranha no sapato

A coluna de hoje, amigo leitor, propõe-se a ser bastante instrutiva. Nela transmitirei um ensinamento que, peço-lhe, não esqueça jamais. Trata-se de importante conselho que recebi, ainda criança, de meu pai:

– Filho, nunca calce os sapatos sem antes verificar se não há uma aranha dentro deles.

Ele explicou-me então que as aranhas não ligam para o chulé – bem pelo contrário: sentem-se muito à vontade no aconchegante abrigo proporcionado pelos calçados. Relatou-me então um episódio ocorrido com certo parente que, omisso nesse quesito, foi picado no dedão por uma aranha-marrom.

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Meu pai, que não era dado a bravatas, garantiu-me que o dito cujo ainda brincou, enquanto calçava os sapatos:

– Só espero que não tenha uma aranha aqui dentro.

E havia mesmo.

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Não há como mensurar quantas vezes negligenciei esse conselho. Calçar os sapatos é algo tão corriqueiro, tão automático, que eventualmente esquecia de jogá-los no chão ou batê-los um contra o outro, conforme meu pai ensinara, para expulsar uma eventual invasora de oito pernas. Mas então, domingo passado, algo assustador aconteceu lá em casa e fez-me relembrar desse valioso conselho.

Semanas atrás escrevi na outra coluna que assino aqui na Gazeta, a Isolamento em Família, que, por conta do coronavírus, adotei o milenar hábito japonês de deixar os sapatos na varanda quando chego do trabalho. É uma forma de manter o vírus fora de casa, caso ele tenha a ardilosa ideia de invadir nosso lar agarrando-se à sola dos calçados.

Contudo, no domingo, a Yasmin teve uma ideia inusitada enquanto brincava ali perto: calçar os sapatos em uma boneca. Eu estava na cozinha quando escutei seu grito.

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– Paiiiii, vem correndo. Tem uma aranha enorme no teu sapato.

Fui conferir a notícia de sangue doce. Yasmin tem um grande medo de aranhas e costuma assustar-se com as mais inofensivas – mesmo com aquelas de pernas bem longas e finas, que eventualmente aparecem deslizando pelas quinas do forro. Contudo, ao me aproximar, deparei-me com uma aranha-armadeira, já saindo do esconderijo, irritada com a intromissão da boneca.

Bastante agressiva e venenosa, a aranha-armadeira não é de muita conversa. No instante em que saquei o chinelo, ela já colocou-se em posição de ataque, com as patas dianteiras erguidas e as presas ameaçadoramente à mostra. Por um segundo, ficamos nos encarando, eu e a aranha, como dois cowboys do velho oeste em um duelo. Um esperando o menor movimento do outro.

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Então, decidi atacar.

Tenho lido muito, nos últimos tempos, sobre a importância de preservar os insetos, fundamentais para o equilíbrio do ecossistema. Quando algum aparece, aterrorizando as gurias lá de casa, tento capturá-lo e devolvê-lo ao mato que faz fundos com nosso quintal. Já conduzi para lá grandes gafanhotos (brasileiros, não argentinos…), um louva-deus e um bicho-pau. Dias atrás salvei uma abelha que, desavisada, apareceu na cozinha bem na hora do almoço, zunindo entre as crianças.

– Fiquem todos parados – orientei. E dei início a uma palestra, aos sussurros, para uma plateia formada por estátuas, sobre a importância das abelhas para a polizinação e a manutenção da flora. Quando abordava o risco de extinção da espécie, provocada pelos agrotóxicos, a abelha, complacente, saiu pela janela. E Ágatha, a caçula, quis saber:

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– Já podemos respirar agora?

Só não perdoo as baratas, pois essas, sabe-se, existem aos montes. E não houve como perdoar aquela aranha-armadeira, infelizmente. Ela não estava a fim de negociar. Era ela, ou eu. E eu tenho quatro filhos para criar.

Quando Ágatha apareceu na varanda, em busca de notícias da tal aranha, ela já havia sido desintegrada por uma havaianada certeira. E a caçula, então, ralhou comigo:

– Poxa, pai, Eu queria ter visto a aranha. Não dava pra esperar?

Creio que foi um lance de sorte, ou a intervenção do Anjo da Guarda, que manteve a Yasmin a salvo da aranha. E, por consequência, eu mesmo acabei a salvo. Não fosse o pezinho da boneca, teria sido o meu pezão a entrar, mais tarde, naquele sapato.

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