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RICARDO DÜREN

A lição dos antigos marinheiros

Que atire o primeiro mouse quem nunca surtou diante de um computador travado, de um aplicativo que demorou a baixar ou de uma breve queda do sinal de wi-fi.
A imersão tecnológica em que vivemos, claro, tornou nossa existência mais ágil e prática. Para descobrirmos nosso saldo bancário, após um e outro Pix, bastam alguns cliques no celular. Quase ninguém lembra que, na época de nossos pais ou avós, era preciso fazer uma solicitação ao banco e esperar uma semana até chegar o extrato.
Mas, nos dias de hoje, o que fazer quando a internet está instável ou o site do banco fica indisponível por alguns minutos? Que tragédia!
A tecnologia transformou-nos em criaturas aceleradas, ansiosas. Cada segundo conta em nossa interminável agenda de tarefas, viabilizada por mérito da tecnologia – mas, também, composta por obrigações que se impõem justamente por causa dela. Nossos pais ou avós não surtavam quando era necessário adiar uma compra com cheque, na mercearia ou na loja de fazendas, por alguma dúvida quanto ao saldo disponível. Ou quando notícias de amigos e familiares distantes custavam a aparecer na caixa de correio. Apenas esperavam.

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Quando pego-me acossado por esses lamentáveis contratempos cotidianos, gerados por eventuais falhas desta deusa, tão poderosa quanto frágil e vulnerável, que é a tecnologia, costumo pensar na saga dos antigos marinheiros. Na época dos grandes descobrimentos, desbravar os mares ao sabor do vento – ou da ausência dele – cobrava dos marujos certas virtudes que hoje caíram em desuso, como a paciência. Um veleiro poderia ficar semanas estagnado no meio do Atlântico, aguardando a bênção de uma corrente marítima favorável ou de uma brisa capaz de soprar as velas para o lado certo. Enquanto a comida e a água apodreciam, e o fantasma do escorbuto assombrava a tripulação, não havia muito a fazer além de ocupar o tempo com histórias sobre sereias e monstros marinhos, regadas por doses generosas de rum. E esperava-se.
Em finais de novembro de 1807, quando a família real portuguesa embarcou (com as pernas bambas de medo, ante o avanço das tropas de Napoleão) em suas naus caindo aos pedaços, foram necessários dois longos e sofridos meses até chegar ao refúgio, no caso, o Brasil. O mar não deu a mínima para a presença de Dom João VI e sua corte a bordo. Vossa Alteza também teve que esperar.

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Nas décadas seguintes, veleiros também proporcionaram aventuras geladas nos polos do planeta. A Marinha Real britânica passou a despachar seus melhores navios em busca da almejada Passagem do Noroeste, um possível atalho entre o Atlântico e o Pacífico através do labirinto de canais que compõe a paisagem do Ártico. Contudo, quando temperaturas abaixo dos 45 graus negativos congelavam essas passagens, os navios acabavam presos por meses.
As tripulações então invernavam, conforme a expressão utilizada a bordo. Ou seja, passavam o longo e escuro inverno ártico paradas, confinadas aos conveses inferiores, rezando por um verão quente o bastante – quiçá com uns 10 graus negativos –, que possibilitasse a retomada da navegação. Banho? Nem pensar…
E haja rum.

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Tornou-se lendária a expedição que, em 1845, seguiu em busca da Passagem do Noroeste a bordo dos navios H.M.S. Erebus e H.M.S. Terror, dois veleiros também equipados com motores a vapor. Após uma longa invernada, e na iminência de toparem com uma imensa banquisa de gelo, os oficiais e especialistas tentaram convencer o comandante, capitão Sir John Franklin, a mudar o curso. Mas Franklin era um veterano do mar bem cabeça-dura. Ignorando os prognósticos, mandou seguir em frente.
E o mar simplesmente congelou ao redor dos cascos dos navios, mantendo-os presos por mais uma invernada – desta vez, longa demais. Nenhum dos quase 130 tripulantes sobreviveu à espera gelada e os destroços do Erebus e do Terror só foram encontrados, naufragados, em 2014 e 2016.
Admito: tem vezes em que não convém esperar muito.

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Eis que, dias atrás, topei com nossa caçula, Ágatha, indignada por conta de um joguinho que, pesado demais, não baixava no celular dela de jeito nenhum. Contei-lhe então as histórias de paciência desses velhos marujos e, por fim, perguntei:
– Se fosses um deles, o que farias?
E a traquinas, sem desviar os olhos da tela, ainda mais irritada, resmungou:
– Jogaria essa droga de telefone no mar.

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