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RICARDO DÜREN

A tal pasta de amendoim

Foto: Klipartz

Levar as crianças ao supermercado não é muito recomendado, principalmente em tempos de alta dos preços. Quando se vai com a turminha ao supermercado, sempre se acaba colocando no carrinho algo que não estava na lista de compras, o que pode gerar algum impacto no orçamento.

Não que as crianças lá de casa sejam daquelas que fazem fiasco quando proibidas de apanhar das gôndolas algo que as encantou. Elas não são do tipo que, contrariadas, choram alto ou se atiram ao chão do supermercado, deixando-se arrastar pelo piso gelado aos gritos de “Eu quero! Eu quero!”. Julgam vexatório fazer esse tipo de cena em um lugar cheio de estranhos.
Sua estratégia é outra: a retórica, a arte da persuasão, a aptidão para desfiar um rosário de argumentos – sejam verdadeiros ou não –, ou, mesmo, a habilidade de invadir sutilmente o psicológico do ente a ser convencido. Às vezes funciona.

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Dias atrás fomos com as gurias a um destes novos atacadões que abriram na cidade. A regra era clara: só apanhar o que fosse necessário para a sobrevivência da família e estivesse em oferta. Mas, então, no setor de condimentos para lanches, as gurias toparam com um potão de pasta de amendoim – um artigo estranho para mim e até mesmo para a Patrícia, minha esposa.
– Pai! Mãe! Vamos levar?
– Pasta de amendoim?
Aquilo era algo nunca antes visto pelo povo lá de casa. Pelo menos, não ao vivo. Eu já tinha visto em filmes americanos, nas recorrentes situações em que um personagem, sendo alérgico a amendoim, é intoxicado, proposital ou acidentalmente, ao aceitar um lanche de um estranho. Nessas cenas, o personagem invariavelmente tomba ao solo em meio a um terrível choque anafilático e, já sem fôlego, sussurra que precisa da injeção antialérgica – que, nos filmes, nunca está à mão.
Já as gurias, conforme relataram ali mesmo, conheceram a tal pasta de amendoim no YouTube.
– Todos os youtubers que moram na gringa comem – narrou a Isadora. – Passam no pão, nos biscoitos, nas panquecas… Ou, mesmo, devoram direto do pote, de colher.
– Dizem que é maravilhoso – complementou a Yasmin. – Um verdadeiro néctar dos deuses.
Néctar dos deuses… Foi isso mesmo que ela disse, amigo leitor. Onde teria aprendido essa expressão?
Foi o argumento incontestável, a premissa derradeira, o fiel da balança. Não precisaram dizer mais nada, o potão foi parar no carrinho. Até peguei-me a imaginar a cena do banquete: todos nós, lá em casa, refestelando-nos com a pasta de amendoim, o cheiro adocicado espalhando-se pela cozinha, a cremosidade escorrendo pelos beiços. A nata e as schmiers estavam, enfim, fadadas ao esquecimento.
Só então percebi que a caçula, Ágatha, olhava o potão com certo ar de desconfiança. Diferente das irmãs, não havia argumentado em favor da compra. Quando quebrou o silêncio, deixou latente sua apreensão:
– Por via das dúvidas, deveríamos levar também um Mu-Mu…

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Ágatha tinha razão. Uma vez aberto o pote, ninguém gostou da tal pasta de amendoim. Talvez nos falte mais refinamento gastronômico, ou a maioria das outras pastas de amendoim seja mesmo um deleite. Mas não era o caso.

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O que faltou, na hora da escolha, foi ler a descrição do produto com mais atenção. Na euforia da compra, nenhum de nós percebeu que era diet – sem açúcar, sem glúten, sem lactose. Enfim, sem nada de bom.
Não era docinho. Em boca (como dizem os enófilos), gerava uma explosão acetosa, com final salgado e persistência longa – beirando o insuportável. Deixava transparecer notas de cacau e amendoim, mas um amendoim amargo, como se ainda estivesse com casca e tudo.
E, para alívio das schmiers, aquele potão é que foi relegado ao ostracismo.
Enfim, foi sorte termos dado ouvidos à Ágatha. O Mu-Mu salvou o café da tarde das crianças.

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