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Bicentenário: a imigração dos pomeranos para o Brasil no século 19

O Haken Terrace é um dos principais pontos turísticos da cidade de Szczecin, localizada no território da antiga Pomerânia e hoje pertencente à Polônia

Quando se fala em imigração germânica para o Brasil, cuja data oficial é 25 de julho de 1824, com o bicentenário comemorado no próximo ano, é sempre importante ressaltar que isso envolve diversos grupos étnicos oriundos não somente da atual Alemanha, mas também de regiões que hoje pertencem a países como Áustria, Suíça, França, Dinamarca, Bélgica, República Tcheca e Liechtenstein. Um desses grupos são os pomeranos, vindos da Pomerânia, um território hoje dividido entre a Alemanha e a Polônia, às margens do Mar Báltico.

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Esses imigrantes chegaram ao Rio Grande do Sul em 1857 e se estabeleceram inicialmente em São Lourenço do Sul, mas houve colônias significativas também no Espírito Santo e em Santa Catarina, com destaque para a região de Pomerode. Um dos grandes pesquisadores sobre o tema e a cultura pomerana é o médico e jornalista Ivan Seibel, que possui três livros publicados sobre o assunto e trabalha na conclusão de mais um. Além disso, é o responsável pela Folha Pomerana, um jornal virtual que há dez anos se dedica a conteúdos voltados aos descendentes desses imigrantes e demais interessados.

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As colônias fracassadas que a história esqueceu

Com comemorações marcadas para todo o ano de 2024, inclusive com uma comissão formada pelos governos estadual e federal para dar conta da organização dos eventos e celebrações, o bicentenário da imigração germânica considera 25 de julho de 1824 como data oficial do início desse processo. Ivan Seibel, contudo, explica que antes houve a fundação de um assentamento de germânicos na Bahia. “Há pouca literatura disponível sobre isso, então não se sabe com precisão onde foi, mas existe a informação de que ele existiu”, frisa.

O grupo, formado por protestantes calvinistas, teria vindo ao Brasil fugindo da perseguição religiosa na Europa. Segundo Seibel, contudo, não encontraram cenário muito melhor em solo brasileiro. “Naquela época era proibido até mesmo falar em outra religião, imagine praticar. Então, cultos e igrejas, nem pensar.” Diante dessas dificuldades, essa população se dissipou entre indígenas, portugueses e demais etnias, e o assentamento se desfez.

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Outra tentativa ocorreu com famílias suíças na Região Serrana do Rio de Janeiro, que resultou na fundação do atual município de Nova Friburgo. Devido à má estruturação e à distância para as principais cidades e mercados consumidores, a colônia não obteve sucesso. Ela só não foi extinta devido à chegada de mais famílias germânicas em 1824, que acabaram ocupando a mesma área deixada para trás pelos suíços.

Embora haja muita informação escrita sobre esses imigrantes, inclusive listas com nomes e locais de origem, Seibel diz que o número total é incerto. “Uns falam em 200 mil, outros em 400 mil. Se alguém quiser fazer essa contagem, terá que revisar todas as listas disponíveis em portos e museus de cidades como Porto Alegre, São Leopoldo, Florianópolis, Rio de Janeiro, Vitória e Itajaí, entre outras em que há arquivos.”

Intercâmbio cultural por meio da Folha Pomerana

Além de médico e escritor, Ivan Seibel é jornalista e exerce a profissão por meio da Folha Pomerana, um jornal eletrônico semanal criado em 2013 e distribuído de forma gratuita na internet. Editado em português, alemão e com alguns textos em pomerano, o periódico conta com a colaboração de diversos autores brasileiros e europeus e divulga acontecimentos, eventos, notícias e estudos, entre muitas outras temáticas.

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Sobre a situação atual da Alemanha, o especialista demonstra preocupação sobretudo com a politização exacerbada e a pouca valorização da cultura. “É assustador o que está acontecendo ao longo dos últimos 20 anos. Aqui temos os descendentes desses germânicos que valorizam algumas coisas, com grupos de dança e um folclore que está sendo conservado. Lá isso nem existe mais”, preocupa-se.

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Diante desse cenário, ele vê como muito positivo o movimento de entidades e governos estaduais e municipais para comemorar o bicentenário da imigração germânica e, ao mesmo tempo, valorizar a cultura e a conexão com os antepassados. “Eu preciso conhecer o ontem para, hoje, planejar o amanhã. Por isso considero importante esse tipo de festividade. Nós temos que conhecer a nossa própria história para podermos planejar algo para o futuro.”

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Médico, escritor e jornalista. Conheça Ivan Seibel

Ivan Seibel nasceu em 1º de agosto de 1947 em uma pequena propriedade no município de Afonso Cláudio, no Espírito Santo. É filho de Lourenço e Alvina Seibel, ambos descendentes de imigrantes europeus. Foi alfabetizado em casa e em 1961 mudou-se para o Rio Grande do Sul, onde frequentou um internato na cidade de São Leopoldo. Após o Ensino Fundamental, cuncluiu o ginásio clássico no Colégio Sinodal. Após a graduação em Medicina pela Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (Ufcspa), fez a pós-graduação em Urologia.

Em 1980, depois da conclusão da especialização médica na Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, começou a divulgar os primeiros artigos científicos em revistas médicas. Atua como médico em Venâncio Aires há 39 anos e foi também professor da Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc). Desde 2000 é também jornalista e publica regularmente matérias em jornais e revistas, além de conduzir o jornal virtual Folha Pomerana.

Quem eram os pomeranos

Ao falar sobre quem eram os pomeranos, Ivan Seibel ressalta que não eram alemães, haja vista que a Alemanha como hoje é conhecida só se formou após a unificação de diversos estados em 1871. Antes disso, o atual país era dividido em dezenas de pequenos condados, ducados e principados. Todos eles possuíam relativa autonomia, mas viviam à sombra do Reino da Prússia, que aos poucos anexou os territórios da Pomerânia. “Os pomeranos que vieram para cá eram, então, cidadãos prussianos.”

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O processo migratório começou em 1850 e se expandiu ao longo das duas décadas seguintes, com destaque para o período entre 1868 e 1872. Em Vitória, no Espírito Santo, chegaram 2,3 mil pessoas, de um total de cerca de 20 mil que vieram ao Brasil. “No início, se formaram três colônias fortes: Pomerode, em Santa Catarina; São Lourenço do Sul, no Rio Grande do Sul; e no Espírito Santo.”

Ao contrário do que ocorreu nos dois Estados da Região Sul, em que os assentamentos se expandiram e ocorreu a miscigenação entre os imigrantes europeus e a população local, no Espírito Santo os colonos permaneceram praticamente isolados em um raio de 150 quilômetros por mais de um século. “Foi somente por volta de 1970 que as primeiras pessoas conseguiram sair de lá para cursar o Ensino Médio e ir às universidades.” Essa história foi contada em detalhes por Seibel no livro Imigrante no século do isolamento, lançado em 2010 e disponível gratuitamente na internet.

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Essa mistura também foi percebida nas línguas. Enquanto no Espírito Santo a língua pomerana se manteve por décadas fiel à que era falada pelos imigrantes, no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina ela foi gradualmente substituída pelo hunrückisch, devido à convivência dos pomeranos com os demais imigrantes germânicos oriundos da região do Hunsrück, que eram muito mais numerosos. É o que ocorreu em Santa Cruz do Sul, Venâncio Aires, Agudo e muitos outros municípios gaúchos.

“O meu avô paterno teve nove filhos lá no Espírito Santo. Com exceção do meu pai, todos casaram com moças pomeranas e falam o pomerano. Aqui aconteceu o contrário, os pomeranos passaram a falar o hunsrükisch.” Hoje, completa Seibel, estima-se que são 450 mil o número de brasileiros descendentes daqueles 20 mil imigrantes que vieram em meados do século 19. Além dos Estados já citados, há uma significativa população em Rondônia, com destaque para os municípios de Cacoal, Pimenta Bueno e Espigão D’Oeste.

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