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LUÍS FERNANDO FERREIRA

De volta ao mundo dos vivos

Nunca me preocupei com a possibilidade de fim do mundo, como dizem. Por quê? Todos os dias este mundo termina para alguém, uma história se encerra e o resto é memória. E o contrário também acontece: a vida começa diariamente para muitos outros, nesse incomparável milagre cotidiano que é o nascimento de uma criança.

Os brotos voltam a nascer na árvore mutilada, se lhe derem oportunidade. E mesmo esse corpo que tende ao desgaste poderia, quem sabe, ter uma segunda chance. As religiões sempre apostaram em algum tipo de sobrevivência.

De que maneira? Pouco importa. Como no final desconcertante do filme A Palavra, de 1955, do diretor dinamarquês Carl Theodor Dreyer. Dificilmente alguém está preparado para aquela última cena, impressão já compartilhada pelo escritor norte-americano Paul Auster. “O que não pode acontecer aconteceu, e você fica chocado com o que presenciou”, diz Auster pela voz do protagonista de Invisível, romance publicado em 2009.

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Em um trecho, o narrador de Paul Auster encontra-se em um cinema, justamente em uma sessão de A Palavra. Como em outros filmes de Dreyer (Dias de Ira e A Paixão de Joana D’Arc, por exemplo), este também fala de religião. Há uma família de fazendeiros devotos na qual um dos filhos, Johannes, é considerado louco porque acredita ser a reencarnação de Cristo. Sua figura é digna de pena: Johannes parece um homem que perdeu inteiramente o rumo de sua vida.

Então vem o desfecho. Nas palavras de Auster, é o que conta, pois o final de A Palavra “vai de encontro a você com toda a força de um machado que abate um carvalho”.

Há um velório. Uma lavradora havia morrido no parto e agora está no caixão aberto, enquanto o marido permanece sentado ao lado. Nisso entra Johannes, que há tempos não era visto na localidade. Tem o aspecto de um mendigo. “Levante-se”, ordena ele, “erga-se, saia do seu caixão e retorne ao mundo dos vivos.”

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Segundos depois, as mãos da mulher começam a se mexer. Pensamos que deve ser alguma alucinação, um delírio do obviamente transtornado Johannes, mas não é o caso. Ela abre os olhos e ergue-se no caixão, de volta à vida. Sem explicação nenhuma. E não importa.

Ao refletir sobre o que assistira, o personagem sente-se como se tivesse visto a si mesmo levantar-se e voltar do mundo do mortos. A vida sempre recomeça de algum modo, é isso, era no que deveria pensar. Um milagre cotidiano.

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