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Dia da Consciência Negra: “atitude racista é ignorância da história”

Foto: Rafaelly Machado

Professor Claudino, 43 anos, foi contratado por meio da legislação recente em concurso público da Prefeitura de Santa Cruz do Sul

Santa Cruz do Sul e Caxias do Sul foram pioneiros no Rio Grande do Sul na criação de leis que estabelecem cotas para a contratação de autodeclarados negros ou pardos em concursos públicos. A legislação do município do Vale do Rio Pardo foi sancionada pelo prefeito Telmo Kirst em novembro de 2019. Desde lá, 12 pessoas foram nomeadas, com a contratação de sete, nas atividades de agente administrativo, enfermeiro, supervisor escolar, psicólogo, professor, cirurgião-dentista e assistente social.

Claudino Silva de Souza, 43 anos, atua na Escola Municipal Duque de Caxias como professor de História. Foi contratado por meio do certame, utilizando-se da reserva de vagas estabelecida em lei. O texto garante que 20% das oportunidades abertas, durante dez anos, devem ser destinadas a esse público específico. Foi o único negro entre os 140 que disputaram a vaga de trabalho. Pensa ser pequeno o prazo de uma década para reparar os quase 400 anos de escravidão vividos no País. “Não acho que deva ser para sempre, mas esse período é pequeno”, afirma.

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O servidor destaca a importância desse tipo de legislação. “Sou natural de Rio Pardo, onde há percentual maior de negros, mas ainda não existe essa lei. Então, Santa Cruz e Caxias merecem destaque e devem servir como exemplo para as demais”, enfatiza. Entende que, atualmente, é a única forma de proporcionar equidade no processo, possibilitando uma forma de reparo, em especial no Rio Grande do Sul, onde os negros eram proibidos de estudar até por volta de 1916, podendo inscrever-se em escolas apenas no noturno – o que acabavam não fazendo por estarem esgotados pelo trabalho.

Números ainda mostram disparidades na sociedade

Os dados do passado não eram animadores, mas os atuais ainda estão longe do ideal. De acordo com o Panorama das Desigualdades de Raça/Cor do Rio Grande do Sul, apresentado ontem pelo Departamento de Economia e Estatística do Estado, mesmo sendo 21% da população gaúcha, 6,3% dos negros concluíram o Ensino Superior, ante 16,4% dos brancos. Na empregabilidade, os números também contrastam. No primeiro trimestre de 2020, último antes dos maiores efeitos da pandemia de Covid-19, 13,5% dos negros estavam desempregados; entre os brancos, o índice era de 7,2%. A média de rendimento entre negros era de R$ 1.996,00, enquanto os brancos alcançavam R$ 2.990,00.

O professor Souza resgata música, da década de 1990, que conta apenas 1% dos jovens negros nas universidades. “Essa situação tem mudado, mas lentamente. Minha irmã, por exemplo, formou-se em Administração na Unisc em 2011. Foi a primeira negra a formar-se em Administração”. Apesar da maior presença de negros e pardos em vagas nas universidades e no setor público, Souza lamenta o fato de que muitos não se declaram assim por depararem-se com uma “barreira invisível”. “Eles acreditam que estariam retirando seu potencial, mas isso não é verdade. É uma forma de compensar tudo o que os negros sofreram”, frisa.

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Souza não concorda, no entanto, em apenas ter a reserva de vagas. Acredita ser necessária uma forma de retribuição, sobretudo, para seus pares. “Quando me formei, fui para uma comunidade do interior de Rio Pardo, que tinha quilombolas. Ter uma referência faz com que os alunos tenham esperança de que possam se desenvolver”. A escolha pela Escola Duque de Caxias também teve motivação semelhante. “É uma questão clássica. São quase 30% de alunos negros e não tinham referências como professor – como funcionário, sim, e isso também é muito importante”, conta.

Um exemplo de que há referências positivas para esses estudantes foi a realização de um workshop, nessa quarta-feira, 17, com a presença de servidores públicos de diferentes áreas da administração municipal, mostrando que há espaços para os jovens ocuparem funções de destaque. “É preciso que se entenda, hoje, que atitude racista é ignorância da história vivida pelos negros”, opina.

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Lei de cotas faz negro encarar a concorrência

O professor Claudino Silva de Souza vê nas leis, que estabelecem cotas para ingresso em universidades ou em contratação nos concursos públicos, uma evolução grande. Acredita, no entanto, que deva existir uma forma de compensação, como uma cláusula para a devolução do “benefício” como trabalho em comunidades onde estão seus pares. Também defende que possa ser ampliada para grupos que representam as chamadas minorias, como mulheres, indígenas e comunidade LGBTQIA+. “É importante oferecer para as outras minorias, mas além disso, também a cota social, porque se o negro foi inferiorizado, o pobre é negro por tabela”, reflete.

Souza diz que, mais do que garantir as vagas, a legislação possibilita maior autoconfiança. Mesmo que em condições menos desfavoráveis, acredita, o negro se sente inferiorizado, com medo da concorrência. Sobre eventuais questionamentos em relação à legitimidade da garantia das vagas, traz à tona a situação vivida em outra época, em que teriam existido bolsas para filhos de fazendeiros, que não pagavam para estudar. “Tenho certeza de que, se os brancos e ricos tivessem a garantia de um percentual de vagas, não reclamariam”. Além disso, levanta exigências de quem se utiliza desse mecanismo de ingresso, como a necessidade de aprovação em 70% das disciplinas cursadas no período.

As referências em casa, como a mãe Eva Rita Silva de Souza, de 69 anos, que se aposentou no início de novembro e foi uma das primeiras professoras negras de Rio Pardo, serviram de incentivo para o então estudante. Ele ingressou na Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc) pelo sistema de cotas, mas nem seria preciso, porque conseguiu nota 825 no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Tanto na instituição de ensino quanto no serviço público, diz não ter percebido nenhum tipo de “agressão” por ter utilizado política pública de inclusão. “Lógico que na universidade havia racismo. Via escritos nos banheiros, mas no curso de História, como é de humanas, não se tinha. Nos cursos mais tradicionais, porém, o número de negros é bem pequeno e a quantidade de formandos ainda menor, pela pressão que se apresenta durante a trajetória”, aponta.

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Assim como a mãe lhe serviu de referência, ele está sendo exemplo para a filha de 8 anos. Eles estiveram na Rádio Rio Pardo, que integra a Gazeta Grupo de Comunicações, e na ocasião comentaram acerca das cotas. A menina se posicionou. Disse não precisar, mas que é um mecanismo importante para a sociedade. Como professor, há seis anos, entende-se também como uma referência para os alunos. “A presidente do Conselho Municipal de Promoção da Igualdade Racial (Compir), Vera Lúcia da Silveira, esteve na escola e falou sobre a possibilidade de serem monitores dos menores. Os olhos brilharam, porque até então só se imaginavam dentro de uma firma”, comemora.

Afroempreendedor

Os apontamentos feitos na 1º Oficina de Empregabilidade, realizada no Bairro Santa Vitória, resultaram na criação da Rede AfroNegócios, uma ação do Movimento da Mulher Negra de Santa Cruz (Movine). De acordo com a coordenadora, Cláudia Regina da Silva, da Focco Consultoria e Eventos, os debates mostraram a dificuldade de colocação no mercado de trabalho por parte da comunidade negra.

Cláudia Regina – Modime

A atuação do grupo, que conta com 25 afroempreendedores, se dá nas mais diferentes áreas. Recebem orientação, com a criação de espaços para visibilidade. Um deles será a 1° Feira Afro de Santa Cruz, prevista para o dia 28 de novembro, na Praça do Bairro Santa Vitória. A intenção é de que se torne itinerante e, com o tempo, tenha acréscimo de pessoas de outras cidades. “Muitas vezes, eles não começam seus negócios porque têm sonhos, mas precisam sustentar a família e honrar seus compromissos”, acrescenta. Os interessados em fazer parte da rede podem acessar o perfil no Instagram (@redeafronegocios) ou o WhatsApp (51) 99531 4527.

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O fortalecimento do grupo é uma forma de incentivar ações contra o racismo e trabalhar a inclusão. “O negro sempre sofreu as consequências da escravidão, da falsa liberdade que nos impuseram há séculos. Hoje a desigualdade social está muito ligada a isso, à falta de educação de qualidade, a alguns direitos básicos que sejam prestados com qualidade para a população negra”, enfatiza.

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