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ELENOR SCHNEIDER

Filas democráticas

Uma das mais inteligentes invenções de algum ser humano foi a fila única. Os mais antigos vão lembrar: chegava-se ao banco e lá se encontravam dezenas de caixas. Diante de cada um, uma fila. Quem chegava, olhava, examinava bem e, como numa roleta-russa, se metia em uma delas. Umas eram longas, enormes, desalentadoras, infinitas; outras, bem curtinhas, uma tentação.

No entanto, as curtinhas em geral eram traiçoeiras. O primeiro cliente era rapidamente despachado; o segundo demorava um pouco mais. Agora, o terceiro abria uma maletinha e baixava naquele recinto uma verdadeira sessão de tortura.

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Uma pilha de documentos era apresentada ao caixa, cada qual mais complicado, mais impossível. E quando se achava que, enfim, seria o último, eis que novo punhado era buscado no fundo da maleta e a desolação se abancava definitivamente.

Havia também a tática de trocar de fila. A gente olhava para os lados e percebia que uma ou outra andava mais rapidamente. Numa aposta improvável, trocava-se, pulava-se para outra, tendo em vista que ela parecia mais favorável. Era comum se deparar nessa nova fila com um episódio fatal: logo adiante, uma outra maletinha se revelava. E o pior: olhando para a fila desprezada, eis que ela fluía como água de cachoeira.

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Tudo se fazia no caixa: sacar dinheiro, fazer transferências e pagamentos, solicitar talão de cheques, até pedir extrato da conta, o que, aliás, no tempo da hiperinflação ajudou em muito a expansão da tortura. Aqueles que tinham um respeitável capital em cruzeiros corriam ao banco ao menos duas vezes por dia para saber do “extraordinário’ rendimento que a poupança gerava por hora.

E as filas engordavam na mesma proporção. Era a época em que nos supermercados aquela terrível pistola de remarcação não tinha um segundo de paz. O arroz custava, digamos, vinte cruzeiros de manhã e vinte e seis depois do meio-dia.

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A fila única veio trazer equilíbrio, justiça, deu a todos os mesmos direitos, acalmou os corações aflitos. E mais benefícios agregou. Já na entrada você escolhe num totem (melhor seria se fosse uma pessoa) o item que deseja resolver. Ao contrário do que acontecia naquelas filas massacrantes, nas quais as pessoas passavam muito tempo de pé, agora há cadeiras confortáveis, um painel que chama o número da senha, até dá para puxar um papo com o vizinho ocasional.

Isso quando ainda se vai ao banco. A maioria das pessoas resolve, hoje, todas essas questões em seus computadores em casa ou até mesmo no celular. Cheque virou objeto jurássico, portar dinheiro vivo só por absoluta necessidade ou para ocultar interesses obscuros. Perguntei a uma gerente de supermercado se, entre milhares de clientes, alguém ainda pagava com cheque. Sim, ela me disse. Temos três que só admitem pagar nessa modalidade.

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É certo que em vários locais, como bancos, correio, padarias, órgãos públicos, só para citar alguns, tudo ficou melhor em termos de atendimento. Contudo, é preciso admitir que algumas filas, mesmo únicas, ainda despertam angústia e sofrimento.

A fila parece que não anda quando se espera um atendimento médico pelo SUS, uma aposentadoria, um inadiável transplante e várias outras situações com que tantas pessoas se deparam. Seja como for, o sonho de todos é sair da fila ou ao menos saber que ninguém, por razão nenhuma, tenha o privilégio de espertamente passar os outros para trás.

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