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Dia dos Pais

Homenagem: Pedro Mans e sua marcante passagem na vida da família

Foto: Alencar da Rosa

A eterna imagem de grandes parceiros: familiares salientam a importância do jovem no trabalho comunitário

Os porquês da vida nem sempre são explicados. Se muitas das circunstâncias que a nossa existência impõe têm um significado, a morte de um filho, independentemente da idade, entra no campo dos momentos mais dilacerantes vividos por pais. Foge da compreensão normal da vida e implica uma busca incessante por entender as razões de tal fato ter alterado a chamada ordem natural dos acontecimentos, na qual os filhos são vistos como a continuidade dos pais, sua projeção no futuro, mas têm a vida ceifada, na maioria desses casos, por motivos trágicos.

Era a noite de sábado, 1º de agosto, quando o jovem Pedro Mans, de 20 anos, havia ido até a casa de uma amiga em Vila Progresso, Vera Cruz. O objetivo era aproveitar o clima ameno e o final de semana para um encontro, com uma roda de amigos em torno de uma pequena fogueira a céu aberto, no pátio da residência. Nas primeiras horas de domingo, as poucas pessoas que compareceram ao encontro já tinham ido embora.

Pedro foi o último a sair, movido pelo cuidado em garantir que a chama da fogueira apagasse aos poucos e não se alastrasse. Por volta das 4 horas, em sua motocicleta Honda CG Titan azul, pegou a estrada de Vila Progresso rumo à sua casa, no Bairro Imigrante. Não imaginava, no entanto, que aqueles poucos minutos sobre duas rodas e as risadas e conversas vividas com pessoas de quem gostava nas horas anteriores, na casa da amiga, seriam os últimos momentos de uma vida curta, porém de alta intensidade.

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“Eu cheguei junto com o socorro. Levantei a cabeça dele e o Pedro estava lúcido, falando, explicando como foi o acidente”, contou Paulo Mans. O relato emocionado do pai retrata momentos de tensão vividos logo após a colisão em que o filho se envolveu com um Fiat Punto branco, às 4h15 de domingo, na estrada de Vila Progresso.

Ele, a mãe de Pedro e as duas irmãs, bem como amigos, receberam a Gazeta do Sul na tarde de quinta-feira na sede do CTG Candeeiro da Amizade, palco de grandes performances do sorridente rapaz. Em um Dia dos Pais atípico, Paulo, de 48 anos, busca conforto nas boas ações que o filho fez na região para manter viva a memória de um jovem cheio de sonhos e com muito amor pela comunidade.

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Um salto para o melhor pôr do sol

A notícia da morte de Pedro Mans seria repassada ao cunhado, à mãe e às irmãs nas horas seguintes. “Não foi fácil contar que eu não voltaria mais com o meu filho vivo para casa, pois naquela hora da noite muitos estavam tentando se desligar um pouco, ainda que fosse difícil”, salientou Mans, com os olhos marejados. O choro reflete o desespero de um pai que não tem o que comemorar neste Dia dos Pais, em um mês bastante difícil.

“Mesmo sem a perna dele, eu daria o resto da minha vida para pular com ele em uma perna só. Mas eu não estava preparada para perdê-lo”, disse a mãe Kátia Cristine Kaden Mans, que completa 48 anos no próximo dia 25. Emocionada, ela foi vestida de branco à entrevista, em uma homenagem ao rapaz. “Diferente da maioria dos adolescentes, que gostam de roupas pretas, ele gostava do branco. O meu coração está despedaçado, mas eu não vou vestir preto. Isso é uma homenagem para ele”, comentou Kátia, que recorda a alegria do filho.

“Ele estava sempre faceiro. Se ele tinha um espírito de liderança do pai, também tinha o meu espírito aventureiro.” No Dia das Mães de 2018, Pedro Mans realizou um dos grandes desejos da mãe. “Sempre pedia para ele e as gurias me colocarem nos sorteios para saltos de paraquedas. Mas eu nunca ganhava. Um dia recebi uma mensagem no meu celular: ‘seu salto está agendado’.”

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Pedro Mans aproveitou a vinda para Santa Cruz do Sul de uma equipe de paraquedismo de Novo Hamburgo, em março daquele ano, e pagou um voo panorâmico para a mãe Kátia. “Foi o pacote completo, com vídeos e fotos, no momento mais lindo do pôr do sol. Ele realizou um dos meus maiores sonhos, e eu disse para ele que iria proporcionar para ele também, mas não consegui. Queria tanto ele aqui”, disse a mãe.

O voo da memória: Pedro realizou o sonho da mãe, Kátia Cristine Kaden Mans, de saltar de paraquedas | Foto: Arquivo Pessoal

O acidente

Paulo Mans foi avisado do acidente por um casal que passava de carro pela estrada de Vila Progresso. “Normalmente ele chegava por esse horário. Havíamos combinado de ele tocar o sininho que temos na frente de casa ou me dar um toque no telefone quando chegasse. Quando o meu celular tocou ao lado da cama, imaginei que era ele, mas percebi que era outro número. Quando atendi, uma mulher me perguntou se eu era o pai do Pedro, e eu disse que sim. Aí me falou que havia acontecido um acidente.”

O local da ocorrência fica a seis quilômetros da casa dos Mans. Rapidamente, Paulo foi até o local e encontrou o filho bastante machucado. Pedro havia caído dentro de uma valeta, a cerca de 10 metros da colisão, e a motocicleta estava caída nas proximidades de um portão, na entrada de uma residência. O carro envolvido parou cerca de 100 metros à frente do ponto de impacto. Pelo menos três pessoas estariam dentro do Fiat Punto na hora da colisão, em circunstâncias que ainda serão explicadas em um inquérito policial já em andamento.

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Chamou a atenção, no entanto, que a roda esquerda dianteira do Punto chegou a cair. A motocicleta ficou completamente destruída. O banco caiu, e a lataria ficou retorcida com o impacto. “Se ele fosse um guri de aprontar, louquear por aí, a gente ia entender, mas era muito responsável naquilo que fazia com a moto”, comentou o pai. As últimas palavras de Pedro Mans antes de ser entubado para receber atendimento médico foram: “Eu te amo, pai”.

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Motocicleta que Pedro Mans dirigia ficou destruída | Foto: Brigada Militar

O atendimento

Primeiro, o jovem foi encaminhado ao Hospital de Vera Cruz. Houve a possibilidade de colocá-lo em uma UTI de Santa Cruz do Sul e Rio Pardo; no entanto, a referência do Hospital de Pronto Socorro de Canoas (HPSC) em atendimentos de emergência e trauma foi avaliada pelos médicos como melhor opção.

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Por volta das 5h45, a ambulância com Pedro e o pai saiu em disparada ao município da Região Metropolitana. No caminho, obstáculos. “Me doeu muito ver a quantidade de carros que não davam lugar para a ambulância. Ali tinha uma vida, e foram dezenas de veículos que trancaram o espaço e não iam para o acostamento”, disse Paulo Mans.

Após dar entrada na chamada sala vermelha do HPSC, uma cirurgia foi realizada, na qual Pedro teve a perna esquerda amputada. Recebeu nove litros de sangue e doses de plasma, para auxiliar na coagulação. “De início, as notícias foram razoáveis. Após a cirurgia, ele havia tido uma evolução satisfatória, de maneira que ficamos esperançosos”, lembrou o pai.

As horas seguintes, no entanto, revelaram um cenário de pouca evolução. Diversas aplicações de injeção para estimular a reação cerebral do rapaz foram realizadas. “Pelas 18 horas, três médicos e uma psicóloga vieram falar comigo e disseram que seria a última dose das aplicações, na tentativa de reanimá-lo”, complementou Mans.

Desgastado física e emocionalmente, o pai de Pedro ficou na sala de acolhimento do hospital. Em um instante de cochilo, viu o filho em sua mente. “Eu já estava sem dormir desde que socorri ele. Apaguei por 10 minutos e me passou ele na minha cabeça, com o gesso no braço quebrado. Toda a turma assinando. Ele reclamando da perna mecânica, tentando dançar.”

Infelizmente, a morte de Pedro Mans foi confirmada às 21 horas de domingo, por “choque hemorrágico, consecutivo por politraumatismo de membros”, segundo o atestado de óbito.

Um grupo de dança agora sem o seu pulmão

“A gente não cria os filhos pra gente, a gente cria para o mundo. Por isso, desde cedo, buscamos envolver ele em atividades”, frisou Paulo Mans sobre o incentivo ao filho para o tradicionalismo. Os primeiros passos no mundo do gauchismo foram na Escola Municipal José Pedro Pauli. Por incentivo dos pais, aos 7 anos, Pedro iniciou a trajetória no CTG Candeeiro da Amizade e de lá não saiu mais, vindo a se tornar um dos grandes coordenadores e motivadores do grupo.

Nos últimos anos, o envolvimento dele no centro de tradição foi tamanho que as irmãs Ana Paula Kaden Mans, 18, e Amanda Luiza Kaden Mans, 13, além dos pais, também passaram a se integrar. Há quase três anos como companheiros de Pedro no CTG Candeeiro da Amizade, Bruna Rafaela Kohl, 29, e Alex Von Martin, 28, ressaltaram a importância de Pedro para a entidade e relembraram a atuação dele no único título conquistado no Enart por um grupo da região.

“É um desafio muito grande ganhar essa competição, e conseguimos conquistá-la em dois anos de grupo. O Pedro não só era um dos nossos coordenadores. Era também dançarino, organizava eventos, torneios, corria atrás para angariar os recursos. Ele foi o pulmão do grupo. Não sabemos como vamos continuar sem ele”, ressaltou o professor e instrutor Alex .

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O CTG Candeeiro da Amizade foi campeão em 2019 das modalidades Danças Tradicionais Força B e Melhor Música Inédita de Coreografia de Saída no Enart. “Ele tinha o sonho de ser campeão. Sabíamos que seria muito difícil, sobretudo com a situação financeira. Era quase impossível, mas conseguimos ganhar. Foi surreal”, complementou o instrutor.

Segundo ele, muitos dos méritos da conquista são de Mans. “Ele sempre foi o mais alegre e comprometido dos integrantes. Levantava as pessoas que estavam para baixo. Motivou todo o grupo nos 15 dias antes do Enart para que todos comprassem a ideia de ensaiar todos os dias, sem falhar nenhum. Não é justo a gente perder ele de forma tão precoce”, disse Alex

O pai tornar-se patrão do CTG também foi outro dos sonhos de Pedro, concretizado após convencer a mãe. “A gente não tinha o consenso em casa sobre essa possibilidade. Nesse último ano, ele me pediu de novo para ser o patrão, mas a minha esposa achava que não era o momento. Depois de muito tentar, ele conseguiu convencer a mãe”, salientou. “Eu sempre disse que queria ver ele também como patrão um dia. Infelizmente, não será possível.”

A energia chamava a atenção. “Ele tinha muita determinação. Lembro de uma vez em que foi em uma trilha com um caquinho de moto que ele tinha. Chegou em casa cheio de barro, de perna aberta, todo assado. Lavou o barro da moto, a roupa, as botas, tomou banho, comeu, e foi para o ensaio do CTG. Ficou até a madrugada dançando. A energia era muita”, contou a mãe Kátia.

Candeeiro da Amizade: colegas de CTG recordam passagem marcante do jovem no grupo | Foto: Alencar da Rosa

O presente inusitado no último Dia dos Pais

Sempre brincalhão, Pedro Mans aplicou uma piada ao dar o presente do último Dia dos Pais ao lado de Paulo. “Nos churrascos de domingo, eu chamava ele para cuidar, virar os espetos. Nem sempre ele gostava e, às vezes, reclamava. Nesse último Dia dos Pais, ele me disse que daria um presente do dinheiro dele. Pensei que seria uma calça, ou camiseta. Aí me entregou uma caixa retangular, comprida. Abri e era um espeto rotativo, para instalar na churrasqueira e ele não precisar mais cuidar. Era muito brincalhão”, disse Paulo.

“Ele vai fazer muita falta nesse Dia dos Pais. Sei que tenho duas gurias que eu amo e me ajudaram a tirar uma tonelada das costas quando cheguei de Canoas, com um abraço, mas não será fácil não ter ele por aqui”, frisou. “Ele era brincalhão demais. Durante o velório, olhava para ele e o seu semblante era tranquilo, até sorridente. As gurias me falavam que parecia que ele piscava. Em alguns momentos, eu tinha a impressão de que ele iria me olhar e dizer: ‘mãe, tô te zoando’”, salienta a mãe.

Participante ativo das gincanas de Vera Cruz, Pedro ajudava grupos em Ferraz, Vale do Sol, Arroio do Meio. “No velório, ficamos surpresos com a vinda de uma pastora de Teutônia, que trouxe cinco jovens de lá e disse que vieram fazer uma pequena homenagem a ele, que tanto auxiliava os outros no município”, afirmou Paulo.

O que fica, conforme os pais, é o espírito empreendedor e ativo do filho. “A gente não entende o porquê das coisas. Ficamos nos questionando os motivos de perder ele dessa maneira. A gente precisa tanto de pessoas na sociedade para ajudar, novas lideranças como ele, que provocava a participação e o engajamento e participava também”, comentou o pai.

“Gostaria muito que ficasse essa mensagem que o Pedro deixou. Que os amigos e colegas se inspirassem nele para continuar essa história de liderança. Que multipliquem essas ações. Hoje a gente vê as pessoas fugindo do trabalho comunitário. Mas se queremos uma sociedade melhor e um mundo melhor, precisamos de filhos que se envolvam na comunidade, como o Pedro estava fazendo.”

A mãe finaliza com mensagem de esperança. “Foi muito difícil perder ele tão novo. Vamos seguir por ele, todos os dias. E todos os sonhos que prometi eu vou realizar por ele, por mais que agora não vai estar aí. Vamos viver por ele.”

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