Desde o início do ano, o Rio Grande do Sul tem sido afetado novamente por uma estiagem. Até essa sexta-feira, 139 municípios haviam sido atingidos, em diferentes níveis, em função do clima, conforme a Defesa Civil, o que compreende uma população de 1,124 milhão de habitantes.
Não bastasse o clima seco, o Estado vivencia uma forte onda de calor em fevereiro. Por cerca de dez dias, os termômetros beiraram (ou até ultrapassaram) os 40 graus. Em meio a esse cenário, as lavouras foram severamente prejudicadas. De acordo com o Informativo Conjuntural, divulgado pela Emater/RS-Ascar, em todo o Estado, as condições climáticas geraram perdas significativas e redução de produtividade.
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Durante este período de escassez hídrica, a irrigação tornou-se uma estratégia para amenizar os efeitos da estiagem e do calor. Tal afirmação foi feita pelo Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional (MIDR). Conforme a pasta, há 1,4 milhão de hectares irrigados no Estado, com potencial para ampliar a técnica ainda mais.
Em Santa Cruz, as novas gerações de produtores abraçaram a irrigação. Para estas, ela mostrou-se um símbolo de resiliência a fim de continuar a produzir diante das intempéries climáticas.
Desde 2019, ano em que as estiagens começaram a ocorrer com maior frequência, o agricultor Egon Flávio Noy, de 52 anos, decidiu utilizar a técnica na produção de aipim. São 4 mil pés, que geram por safra média de 16 toneladas de alimento, comercializado na feira do produtor.
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Para a cultura, o morador de Linha Santa Cruz instalou um sistema mais simplificado. As demais (brócolis, beterraba, repolho, alface, alface e outras), que ficam em estufas plásticas, recebem a irrigação subterrânea. Elas são abastecidas pelos açudes instalados na propriedade. “Assim, nunca falta água”, garante.
Ao optar pela técnica, Noy observou um desenvolvimento mais rápido do aipim. Notou ainda que houve melhora na qualidade e no tamanho das raízes. “Eu colhia quase um mês antes dos outros produtores. Por aqui, ninguém fazia isso, mas, depois que viram o resultado, passaram a utilizar.” Diante desse sucesso, a técnica deixou de ser uma alternativa e tornou-se uma necessidade. “Sem irrigação funciona, mas logo o agricultor percebe que, sem ela, a qualidade não é a mesma”, ressalta.
Na avaliação da presidente da Associação Santa-cruzense de Feirantes (Assafe), Patrícia Nichterwitz, diante das condições climáticas da atualidade, não há mais como produzir no verão sem o sistema.
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Em sua propriedade, situada na Linha Travessa, a irrigação contribui para manter a qualidade da produção de hortaliças e legumes, evitando que as plantas queimem diante das altas temperaturas. Com isso, pode levar à feira alimentos mais saborosos e nutritivos, atendendo aos pedidos dos clientes. “Algumas culturas requerem mais irrigação. Mas para todas ela é essencial, a fim de levar qualidade à mesa do consumidor”, justifica.
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Para isso, armazena a água captada da chuva em um açude. No entanto, em anos mais críticos, com climas extremos no verão, ela e o marido Fabrício, 27 anos, sofreram com a escassez. “Se não temos mais água, não plantamos mais, pois ela é essencial para as plantas”, afirma.
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Custos elevados tornaram-se um entrave

Apesar dos benefícios da irrigação nas lavouras, os produtores de Santa Cruz afirmam que os custos para utilizá-la tornaram-se um entrave. Conforme a presidente da Assafe, os equipamentos encareceram com o passar dos anos. Com isso, alguns proprietários não têm condições financeiras para preservar a estrutura. “Está cada vez mais difícil mantê-la, pois ficou tudo mais caro. Quando chega o momento de vender o nosso produto, não conseguimos repassar os custos de produção”, diz Patrícia.
A produtora Letícia Taís Fritzen, 23 anos, menciona os valores dos impostos cobrados pelo poder público aos produtores que optam pela irrigação. Para ela, seria preciso a isenção de tributo para quem deseja investir e não consegue. “O governo federal cobra 13,45% sobre o valor de compra, enquanto o estadual pede 12%. E isso acaba se tornando um custo muito alto”, observa.
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Inteligência artificial é aliada no campo
Assim como outros setores, o campo tem acompanhado as principais tendências tecnológicas e passou a aplicá-las nas lavouras. De acordo com o engenheiro agrícola Lúcio Straatmann Júnior, que atua na Agroner Irrigação, de Santa Cruz do Sul, a técnica de irrigação evoluiu ao longo dos anos ao incorporar a modernidade.
A empresa, que oferece soluções para agricultores de toda o Sul do País, desenvolve projetos automatizados que tornam o processo mais eficiente e simples para os trabalhadores. Com o uso da inteligência artificial conectada a centros de pesquisa climática, a cultura receberá a quantidade necessária de água, levando em conta a temperatura na propriedade. “O produtor programa tudo pelo celular. Ele pode estar em uma viagem para a China e acompanhar o processo”, explica Straatmann. Segundo ele, tal tecnologia tem sido aplicada não só no meio rural, mas para a irrigação paisagística no meio urbano.

O engenheiro agrônomo destaca que a irrigação não só contribui para reduzir os prejuízos provocados pela estiagem. Além de manter a produção hidratada em períodos de clima seco, também acelera o desenvolvimento da safra e proporciona uma qualidade melhor do alimento colhido.
No entanto, segundo ele, é necessário que os produtores tenham um projeto adequado às suas necessidades. Isso requer conhecimento sobre as culturas da propriedade, o tipo de terreno, mão de obra, fornecimento de energia e o valor a ser investido. “Assim, tendo conhecimento sobre a demanda do agricultor, podemos formular um plano com a melhor solução e que atenderá às necessidades.”
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Embora a procura pela técnica tenha aumentado nos últimos anos, em decorrência das estiagens mais frequentes, o profissional afirma que os produtores têm dificuldades em obter recursos por meio de financiamento. “Muitos têm vontade de adquirir, mas faltam recursos. O acesso ao crédito rural é bem difícil.”

Brito quer mudanças na lei

O uso da irrigação no campo para enfrentar a estiagem no território gaúcho é a principal bandeira do deputado estadual Adolfo José Brito (PP). Em sua recente passagem pela presidência da Assembleia Legislativa, ele defendeu a elaboração de iniciativas para ampliar a técnica nas propriedades rurais, no intuito de amenizar os prejuízos aos pequenos produtores.
Após ouvir as demandas dos agricultores em seminários (que ocorreram nos municípios de Santa Cruz, Sobradinho, Panambi, Santo Antônio da Patrulha e Canguçu), apresentou o projeto “RS Sustentável, Cada Gota Conta: Reservação, Irrigação e Piscicultura”. O documento, que apresenta as propostas levantadas, foi entregue ao secretário adjunto da Casa Civil, Gustavo Paim.
Na avaliação de Brito, é preciso destravar as burocracias da legislação que dificultam aos produtores aplicar a irrigação na produção. “O agricultor está desestimulado. Para abrir um poço e ter reserva de água, ele lida com uma série de problemas. Precisamos facilitar isso. No momento em que isso acontecer, vamos ter um ganho enorme em termos de produtividade.”
Armazenamento de água
Para o secretário municipal de Agricultura, Zeno Assmann, é fundamental que os agricultores de Santa Cruz captem e reservem a água da chuva para os períodos de clima extremo. Segundo ele, o Município investe na compra de reservatórios, com capacidade de 5 mil litros, mas muitos ainda não os instalaram. “Se tivessem feito isso, agora que choveu, poderíamos ter resolvido o problema”, afirma.
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A exemplo dos feirantes, em especial as novas gerações que passaram a administrar as lavouras, é necessário incentivar a técnica para qualificar a produção de alimentos. “A irrigação ainda não é forte aqui. E nós queremos trabalhar em cima disso, instruir os mais novos e mudar a mentalidade no campo.”
Embora considere altos os custos para aplicar a técnica, Assmann defende que ela seja vista como um investimento a longo prazo. Justifica que, além de reduzir os riscos de prejuízo, aumenta a lucratividade por meio do incremento na produção e da melhora na produtividade. “A irrigação garante que esteja sempre chovendo na horta, mesmo nos dias mais secos”, destaca.

O secretário de Agricultura defende que o armazenamento de água seja uma prioridade. Nesse sentido, busca parcerias e recursos em níveis estadual e federal. “Precisamos nos preocupar com a escassez hídrica, pois será um grande problema para o futuro.”
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