Só imaginar uma casa sem janelas já sugere uma sensação ruim, angustiante. Da janela batemos asas e voamos em direção ao mundo, à vida. Recentemente visitamos um museu, na cidade do Porto, que já por muito tempo servira de presídio, inclusive contando entre seus apenados o célebre autor português Camilo Castelo Branco, depois de se apaixonar por quem não deveria.
Observar aquelas celas, com paredes altas, robustas e alguma janelinha inalcançável no alto, dá a dimensão dantesca da vida sem nenhuma esperança. Lasciate ogni speranza, voi ch’entrate – deixai qualquer esperança, vós que entrais – é a mensagem que Dante Alighieri, na sua Divina comédia, reserva aos passageiros da barca que se destina ao inferno.
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Sem janela não há vida. Por ela começa o dia, entra o sol, surgem as árvores, os pássaros, as flores, as nuvens, o ar fresco de todas as manhãs. “Quando abro a cada manhã a janela do meu quarto/ É como se abrisse o mesmo livro/ Numa página nova…”, assim Mario Quintana define e ama a janela. Abrir a janela nos conecta com a natureza, com as pessoas, com a vida. Pela janela, nos projetamos para dentro do tempo e do vento.
Lembro que, antes de sermos invadidos por eletrônicos de toda ordem, sentávamos com nossas crianças diante da janela para, ao final do dia, observar a vida passando, na época ainda movida a carroças lentas e já cansadas. Bem à frente, o bairro Bonfim, então um imenso lençol verde de puro encantamento. Lendo uma maravilhosa obra do turco Orhan Pamuk – Istambul, memórias de uma cidade –, me deparo com esta passagem: “Podem também considerar-se essas manias como produtos de antes da televisão, em que o jogo de olhar pela janela era um meio importante de passar o tempo”, escreve o autor, recordando os navios a se moverem incessantemente nas águas do estreito do Bósforo e o incansável olhar para a cena.
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Em romances da era do Romantismo, lê-se com frequência que, chegado o tempo de namorar, de encontrar marido, as moças eram orientadas – e autorizadas – a ficar na janela. Debaixo dela desfilavam os candidatos, os pretendentes, alimentando sonhos, acordando desejos, erigindo castelos de papel para neles viver a grande aventura da existência. Sob uma janela, Romeu e Julieta celebraram uma ardente declaração de amor. Através de uma janela, Rapunzel jogou suas tranças para ir ao encontro do seu sonhado príncipe. Era sob as janelas, também, que aconteciam as serenatas cheias de esperança de um amor a ser conquistado e correspondido.
A janela é um lugar especial e desejado. Quase todas as pessoas, quando questionadas se preferem janela ou corredor (no ônibus, no avião…), respondem sem vacilar: janela. Quando alguém chega atrasado a algum evento e ainda assim se acha no direito de receber alguma regalia, muitas vezes já ouviu: esse sempre chega atrasado e mesmo assim pede para sentar à janela.
A janela, em incontáveis oportunidades, se tornou e ainda se torna espaço de espiar, de saber o que se passa na rua, na vizinhança. Pode ser um instrumento indispensável para alimentar fofocas, que para tantas pessoas trazem paz à alma, zeram os seus próprios desconfortos existenciais. Menos digna essa função, mas faz parte da história.
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E, ao término, não posso omitir o dito popular de que os olhos são a janela da alma. Acho que são mesmo.
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