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ROMEU NEUMANN

Memórias de um verão

Vai parecer uma narrativa “das antigas” para alguns. Mas a turma da minha geração haverá de se visualizar neste contexto. Ou algo parecido.

A primeira vez que me deparei com o mar foi a convite e por generosidade de um casal amigo, o Rudi e a Elita Voese, e na companhia dos seus filhos, então ainda guris, o Marcos e o Eduardo. Eles alugaram uma casa em Xangri-Lá, a uma quadra do mar.

A Xangri-Lá da época não lembrava nem de perto o que é hoje. Era, digamos, uma praia periférica de Capão da Canoa. Assim como a mais santa-cruzense de todas naqueles anos: a então famosa Arroio Teixeira.

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Lembro que na primeira noite ocorreu uma tempestade no mar como nunca mais vi depois daquele dia. As rebentações de ondas fizeram as águas avançarem para cima das dunas de areia. Se dormi, foi de medo. Medo de ser engolido por aquelas quebradas de ondas que pareciam chicotear o muro da casa e que, no meu imaginário, poderiam me arrastar para fora.

“Bom sinal!”, profetizou seu Rudi. “Quando a maré alta recuar, teremos uma sequência de dias de sol.” E assim aconteceu. Céu de brigadeiro, calor e, para seguir a rigor o manual de todo principiante, no segundo dia meu corpo ardia e quase não me reconheci diante do espelho. “Passa Caladryl nessas queimaduras”, recomendou maternalmente a Elita.

A ardência até amenizou, mas poucos dias depois começou a se desprender uma camada superficial da pele. Era o bronzeado indo para o ralo do banheiro.

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Eu devia saber: exposição em demasia é uma temeridade. Em qualquer circunstância. Um ganho aparente de imagem se perde facilmente após um banho morno de realismo. E o que restar pode ficar pior que o original: com manchas ou até com feridas.

Mas a presença diante da imensidão do mar e a felicidade de estar sob o abrigo de uma amizade que acolhe e torna único cada momento superam todas as expectativas: na beira do mar, nas rodas de violão, nos passeios de dindinho pela orla, nas serestas nas casas de casais amigos, animadas por generosas caipirinhas.

Sempre é bom lembrar: se não puder (ou não quiser) ir a um shopping, saiba que existe vida e prazer no convívio com as pessoas que queremos bem. As coisas simples também são interessantes e provavelmente saem mais em conta. E deixam muitas histórias para contar.

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Os dias passaram rápido demais. Foram momentos muito intensos para um veranista estreante. Mas a realidade é implacável. Hora de voltar.

Lembro que cheguei em casa no meio da tarde e apressei os passos para contar tantas experiências para os pais. Seu Alfonso e dona Amanda, porém, não estavam.

Por alguns instantes, fiquei em conflito com meus sentimentos: sento na sombra da varanda, deixando-me abanar mentalmente pela brisa do mar, ou dou de cara de uma vez com o vento quente e o chão tórrido da realidade de uma propriedade interiorana?

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Fui encontrar meus pais na lavoura, enxaguados de suor, curvados pelo cansaço. Não lembro de experimentar sentimento de culpa igual àquele dia. Não por ter feito algo errado, mas por ter tido uma oportunidade que meus pais não tiveram. E que eu não pude lhes proporcionar a tempo.

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