Uma inquietação tem sido recorrente na sociedade atual. Pais ou mães de adolescentes nem sempre têm ideia de onde eles estão. Em casa? No quarto? Com amigos ou colegas de aula? Como ter certeza disso? E de que estão seguros, ou que não estão envolvidos com conteúdos problemáticos?
Especialistas corroboram essa angústia, associada ao fato de que os jovens vivem online em tempo integral. E o que faz piscar o alerta é o número crescente de casos de violências de toda ordem. A origem ou a base de praticamente todas as ocorrências é digital, isto é, decorre da interação que os adolescentes estabelecem em diferentes plataformas. Eles até estão em casa, mas com a cabeça em outro “lugar”.
A radicalização digital, que descamba para manifestações de racismo, assédio, mutilações, humilhações, violência psicológica e física e estupros virtuais, entre outros, levou o Ministério Público do Rio Grande do Sul a implantar um Núcleo de Prevenção à Violência Extrema (Nupve).
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O coordenador é o procurador de Justiça Fábio Costa Pereira, que concedeu entrevista exclusiva à Gazeta do Sul sobre o tema, por e-mail. Tanto as autoridades quanto entidades e instituições, inclusive das áreas da educação, estão alarmadas com o aumento nos casos de radicalização entre adolescentes (contra outros adolescentes ou contra a população em geral), e com crescente envolvimento de meninas. Confira a entrevista:

Gazeta do Sul – Quais foram os principais fatores que, em realidade gaúcha, desencadearam o Projeto Sin@is e quando isso ocorreu? Foi a recorrência de ataques em escolas, ou mesmo outros elementos?
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Fábio Costa Pereira – No início de 2024, a Agência Brasileira de Inteligência (Abin), preocupada com a grande repercussão dos atentados a escolas ocorridos no País em 2023, acionou o Conselho Nacional de Procuradores-Gerais. Por conta disso, o procurador-geral de Justiça do Ministério Público do Rio Grande do Sul, dr. Alexandre Saltz, incumbiu-me da missão de criar uma “força-tarefa” para atuar na seara preventiva. Aí aconteceram duas coisas: abril terminou e percebemos que os eventos estavam se perpetuando para além do mês tido como central em termos de violência extrema. Isso nos exigiu, portanto, uma atenção especial para as demandas que estavam aportando ao MP. Outro fator foi a atuação em um caso ocorrido em um pequeno município do interior, cujo adolescente apresentava sinais de radicalização e que exigiu pronta intervenção da rede de apoio e proteção. Então, em meados de 2024, surgiu o inovador Projeto Sin@is, lançado pelo Núcleo de Prevenção à Violência Extrema.
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A internet e o acesso a redes sociais são as principais ameaças a jovens e adolescentes ou outros contextos também se aliam ou unem?
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Sim, o mundo digital, ao mesmo tempo em que nos proporciona acessar conteúdos interessantes, mostra-nos, por outro lado, existir uma verdadeira savana cheia de predadores sexuais, incitação à violência e radicalização. As redes sociais e os jogos online, tais como o Roblox e Minecraft, funcionam como iscas para captar a atenção de jovens que simpatizam com todas as formas de violência extrema. Além do uso excessivo de telas, geralmente há a presença do bullying e a disfuncionalidade das famílias, o que denominamos como “Triângulo Maldito”.
O que se classifica como violência extrema, no contexto do projeto?
Os ataques violentos extremos são atos deliberados violentos com o objetivo específico de causar dano significativo à sociedade, motivados por ideologias, crenças políticas, religiosas ou sociais de natureza extremista, com a finalidade de criar medo, desordem ou chamar atenção para uma causa específica.
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Quais o senhor elencaria como as maiores ameaças identificadas?
A maior ameaça, na concepção do Nupve, está no fato de as famílias e a sociedade em geral não terem se atentado para o real tamanho do perigo que é se permitir a crianças e adolescentes, sem supervisão e limitação, imergirem no mundo digital e lá criando suas vidas de relações sociais e emocionais.
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Como o trabalho tem sido feito? Quais os procedimentos adotados no sentido de acompanhar ou monitorar esse cenário?
O Nupve opera em dois planos de atuação bem definidos: o operacional e o estratégico. Nossa missão é prevenir a violência extrema antes que ela ocorra, especialmente entre jovens. A atuação operacional engloba as seguintes etapas: a) identificação (recebimento e análise de casos com potencial de violência extrema); b) avaliação (determinação do grau de sensibilidade de cada situação); c) intervenção (definição da abordagem apropriada para cada caso específico); d) acompanhamento (monitoramento até o completo desengajamento e desradicalização).
No campo estratégico, o Projeto Sin@is nos permite reconhecer, precocemente, os primeiros sinais de radicalização. Em casos mais graves, além de acionar a rede de apoio, ajuizamos mandados de busca e apreensão de equipamentos eletrônicos e pedidos de internação/prisão. Todos os casos graves são monitorados constantemente pelo Núcleo. Para que possam ter uma noção exata do nosso trabalho, em 2024 o Nupve atuou em 158 eventos, dos quais 41 graves, ocorridos em 77 municípios gaúchos e em 111 escolas. Em relação a este ano, intervimos, até a presente data, em 139 casos.
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A atenção é voltada exclusivamente ao Rio Grande do Sul, ou há troca de informações e monitoramento também fora do Estado?
Como é notório, o mundo digital não tem limites nem fronteiras. Em que pese o monitoramento dos casos concretos ocorridos no Rio Grande do Sul e que aportam ao Nupve, há constante troca de informações com outros órgãos e instituições da Federação, sempre no intuito de monitorar e prevenir atos violentos extremos. Nesses casos, elaboramos relatórios técnicos e encaminhamos para o Núcleo de Inteligência do MPRS, que faz a difusão, por sua vez, para outros estados, geralmente para os Ministérios Públicos.
Como esse tema tem sido trabalhado junto a escolas ou mesmo a grupos de pais e de professores?
Principalmente por meio das capacitações realizadas para as redes de proteção (escolas, Conselhos Tutelares, serviços de atendimento psicológico/psiquiátrico, órgãos de segurança pública, entre outros) nos diversos municípios do Estado.
A propósito, cabe salientar que o Projeto Sin@is tem muitos diferenciais: utiliza métodos de fácil compreensão e fácil replicação (simplicidade estratégica); possui baixo custo (soluções econômicas que não dependem de grandes investimentos); apresenta resultados práticos (a partir das capacitações, os participantes, professores e profissionais das redes de apoio são capazes de identificar os sinais que o adolescente demonstra no caminho da radicalização); e, principalmente, foco em proximidade (quem está mais próximo do adolescente agrega as melhores condições para perceber sua inflexão à radicalização).
Os pais em geral têm um mínimo de ciência desses riscos? Como eles podem se sentir apoiados ou também menos vulneráveis?
Embora a avalanche de informações na internet, muitos pais, infelizmente, não possuem a exata noção desse “mundo obscuro” e dos perigos do mundo digital que levam à radicalização de um jovem adolescente. Por esse motivo o Nupve, preocupado com a questão, lançou o Guia do Projeto Sin@is, publicado no site do Ministério Público, para acesso a todos. No guia consta um resumo do que se propõe o projeto, bem como os cuidados que os pais precisam ter em relação aos filhos.
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De que maneira, no entender do senhor, o projeto pode contribuir para uma alteração efetiva no quadro?
Fazendo o que estamos fazendo: alertando e capacitando a sociedade, as famílias, as escolas e os agentes da área da segurança pública a reconhecerem, no mundo analógico, os caminhos da radicalização.
Como o trabalho realizado no Projeto Sin@is é levado para o interior do Estado? Ocorrem parcerias, ou quem lidera é o Ministério Público? Como uma comunidade pode se engajar ou participar?
Por intermédio de convites enviados ao Nupve para capacitações e palestras para a rede de proteção. Quando um convite chega, contatamos a Promotoria de Justiça local, sugerindo a organização de uma capacitação para aquela comunidade. Tem dado muito certo e os resultados obtidos são muito positivos.
Como a região de Santa Cruz do Sul foi contemplada até o momento e que resultados podem ser informados em relação a ela?
Nossa ida a Santa Cruz do Sul decorreu do convite realizado pelas promotoras de Justiça, dra. Danieli de Cássia Coelho e dra. Vanessa Saldanha de Vargas, da Promotoria de Justiça da Infância e Juventude de Santa Cruz e da Preduc, respectivamente. Preocupadas com a temática, elas decidiram organizar um evento para debater esse assunto.
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Como tem sido desenvolvido o trabalho de alerta e de prevenção em sentido macro? Organismos públicos estão cientes desse quadro e dessas ameaças?
Por meio das capacitações realizadas nos municípios. Para que tenham uma ideia, somente neste ano já realizamos 39 capacitações, em 179 municípios do Rio Grande do Sul. É um trabalho que já atingiu um público de mais de 4.500 pessoas. Nosso objetivo é prosseguir divulgando para o maior número de pessoas a importância do Projeto Sin@is.
Que alternativas hoje se apresentam para adolescentes, meninos e meninas, no sentido de apoio, proteção ou aconselhamento?
O fato de um adolescente estar em casa não quer dizer que ele esteja seguro, pois hoje não existem mais barreiras linguísticas ou geográficas. A tela do computador é um portal que permite aos nossos jovens acessarem diferentes culturas, subculturas e conteúdos impróprios. O jovem pode estar fisicamente em sua casa, mas sua mente encontra-se em outro lugar e os pais precisam estar atentos a tudo isso. Eles precisam monitorar e regular o que seus filhos consomem na internet.
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