Otermo caudilho costuma ser empregado para definir um líder arrojado, um indivíduo de personalidade forte. Pois o último grande caudilho brasileiro, digno dessa definição, acaba de ganhar nova biografia. No fio da história: a vida de Leonel Brizola, do jornalista e escritor Cleber Dioni Tentardini, foi lançada pela editora D’Fato, de Porto Alegre. Em 284 páginas, a obra revisita as fases de formação e de atuação de um dos mais importantes e influentes políticos que o Brasil já viu surgir.
E, de imediato, alguns aspectos se salientam no esforço de investigação de Tentardini. Como ele enfatiza, em ocasiões anteriores já se ocupara desse personagem, mas sempre de forma tangenciada, sem um mergulho em profundidade, por exemplo, nas origens ou no clã familiar. Brizola nasceu em 22 de janeiro de 1922, em Cruzinha, a cerca de 17 quilômetros da sede de Carazinho. Uma vez que seu pai foi morto quando ele era criança, a mãe, Oniva, teve de se desdobrar para criar os filhos.
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Ela determinou-se a fazer o mais novo deles seguir nos estudos, e a solução foi encaminhá-lo à Escola Técnica de Agricultura de Viamão, na região metropolitana, onde ingressou com 14 anos. Começava ali uma odisseia de formação que o levou a desenvolver uma liderança nata e a, em questão de poucos anos, ingressar na política, de expressão estadual, nacional e internacional. Vereador, prefeito, secretário estadual, deputado estadual e federal, governador de dois estados (Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro, neste em duas ocasiões), tornou-se um grande expoente do trabalhismo.
Quando era governador gaúcho, liderou a Campanha da Legalidade, defendendo a posse do vice-presidente João Goulart, o Jango (seu cunhado, irmão de sua esposa, Neusa) quando da renúncia de Jânio Quadros, em agosto de 1961. Brizola (que, aliás, escolheu o próprio nome com o qual foi registrado, um caso raro) não hesitou em pegar em armas para concretizar esse propósito.
Pouco tempo depois, com o golpe militar de 1964, foi obrigado a partir para o exílio. Ficou fora do Brasil, com a família, por 15 anos. Voltou em 1979, reinseriu-se na política, elegeu-se governador carioca e por duas vezes concorreu à presidência do Brasil. Faleceu em 21 de junho de 2004, no Rio, aos 82 anos, sem ter conseguido esse intento. Mas seu nome já estava na história, como evidencia Tentardini em texto ágil, com muitos depoimentos e muitas fotos.
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“Ao fim de seu mandato [em 1963, no RS] tinham sido construídos 6.302 estabelecimentos de ensino, sendo 5.902 escolas primárias, 278 escolas técnicas e 122 ginásios e escolas normais, proporcionando a abertura de 688.209 matrículas e de 42.153 vagas para professores. Seu compromisso com a educação colocou o Rio Grande do Sul, à época, como o Estado com a mais alta taxa de escolarização. Essa dedicação de Leonel Brizola à questão da educação marcou definitivamente seu governo, que não poupou esforços para elevar os níveis culturais e sociais da população gaúcha, facilitando o acesso à escola e ampliando as oportunidades de crescimento, reformas estas fundamentais para a melhoria das condições de vida.”
Ficha

No fio da história: a vida de Leonel Brizola, de Cleber Dioni Tentardini. Porto Alegre: d’Fato, 2024. 284 páginas. R$ 80,00.
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A educação como um mantra constante
A importância da educação, em todos os níveis, mas em especial na base, foi uma das grandes bandeiras de Leonel Brizola. Quando foi governador do Rio Grande do Sul, entre 1959 e 1963, mobilizou-se para que mais de 6 mil estabelecimentos de ensino fossem construídos.
Nas mais diversas localidades rurais, foram erguidos prédios em madeira, de características idênticas, para acomodar crianças e jovens. Essa mesma área da educação defendeu mais tarde no Rio de Janeiro. Quando seguiu para o exílio, em 1964, por vários anos fixou-se em fazenda que adquirira no Uruguai. Expulso também de lá, pediu asilo nos Estados Unidos e se transferiu para Portugal, época em que seu nome projetou-se amplamente na Europa.

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“É um personagem fascinante do País”

Abiografia recém-lançada de Leonel de Moura Brizola amplia a contribuição do jornalista e escritor Cleber Dioni Ribeiro Tentardini sobre personagens e acontecimentos relevantes da realidade social, política, econômica e cultural gaúcha e brasileira. Natural de Santana do Livramento e radicado em Porto Alegre, tem no currículo atuações junto a jornais impressos, revistas e portais. Por muitos desses trabalhos recebeu importantes premiações.
Em livro, lançou, entre outros, Patrimônio ameaçado, sobre as fundações gaúchas extintas; O menino que se tornou Brizola, livro-reportagem; e Usina Eólica Cerro Chato, a primeira usina de geração de energia a partir dos ventos construída no Pampa pela Eletrosul/Eletrobras. É ainda coautor dos perfis parlamentares de João Goulart e Leonel Brizola, da Assembleia Legislativa gaúcha, e pesquisador de uma dúzia de livros, entre eles História ilustrada do Rio Grande do Sul e Viamão 300 anos.
No fio da história teve um primeiro lançamento em Porto Alegre, em 13 de março, e uma semana depois em Passo Fundo, onde Brizola cresceu e estudou até os 13 anos, como frisa. Em entrevista exclusiva à Gazeta do Sul, detalha sua pesquisa e avalia o legado do líder trabalhista, com os reflexos na rotina política e social atual.
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Cleber Dioni Tentardini, jornalista e escritor
Em que medida ou aspectos o senhor buscou diferenciar o livro sobre Brizola de abordagens biográficas anteriores, ou que direcionamentos privilegiou?
Esta é a única biografia, até o momento, que contempla os 82 anos de vida de Brizola, com os devidos contextos históricos. Como eu comecei a reunir material antes de ele morrer, iniciei as pesquisas 21 anos atrás, tive o privilégio de entrevistar os irmãos, a sobrinha, criada como irmã, familiares, amigos de infância, colegas das séries iniciais, todos já falecidos.
Encontrei o menino e a senhora que acompanharam Brizola de trem, aos 14 anos, do interior para a capital gaúcha. Porque, com a ausência dos pais, não tem como escrever de forma fidedigna sobre a infância de alguém sem esses relatos. E não havia nada escrito sobre o Leonel criança, adolescente, reservista e jovem deputado, tampouco fotos dessas fases. Sobre sua mãe, só se sabia o nome. Ora, como falar da vida de alguém sem conhecer pelo menos um pouco sobre seus pais ou sobre aquela esposa que o acompanhou em quase toda a sua trajetória?
Eu que trouxe tudo a público.
O senhor chegou a ter contato pessoal com Brizola ou chegou a conhecê-lo?
Tive alguns contatos com ele como repórter da editoria de política da “Gazetinha”, o jornal da Gazeta Mercantil que circulava no Rio Grande do Sul. Isso em 2000, 2001. Mas tratava de vários temas, nunca sobre a sua vida. Depois, na Editora JÁ, que publica livros e tinha jornais e revistas, produzimos um perfil biográfico do João Goulart, em 2003, que me levou a falar do cunhado Brizola, obviamente. No final daquele ano, tínhamos planejado uma longa entrevista com Brizola para uma série de reportagens a propósito dos 40 anos do golpe de 64.
Combinamos com o filho dele, João Otávio, encontrá-lo na sua estância El Repecho, na província de Durazno, no Uruguai. Não deu tempo. Adoeceu, no rigor do inverno uruguaio, e foi levado para o Rio de Janeiro, onde morreu.
Como é seu olhar pessoal sobre ele?
Pois então, conhecendo sua trajetória desde o nascimento, algumas tragédias pelas quais passou sua família, o assassinato do pai, a morte precoce de um dos irmãos, as dificuldades financeiras da família sem o provedor, acredito que Brizola, em sua primeira fase, até assumir o governo gaúcho, foi resultado da garra de sua mãe e irmãos, que apostaram tudo no futuro do guri que queria estudar e mudar a vida da família. E de uma determinação sem igual. Desde cedo, ele mostrou que não iria se contentar com a vida de um colono pobre do interior de Carazinho.
Começou a trabalhar criança, carregando malas em estação de trem. Seu desempenho escolar era excelente; digo as notas, não o comportamento, porque era mais agitado do que o normal. Era determinado, brigava pelo que acreditava e não se intimidava com ninguém, vários episódios demonstram isso. Era teimoso, mandão, incendiário, mas humilde, sem luxos. No início da vida na capital, estudava onde havia internato. Mesmo depois de formado técnico agrícola dividia quartos em pensões com Sereno Chaise, João Goulart, para economizar e mandar dinheiro para sua mãe. Dormia pouco e trabalhava muito. Enfim, um personagem fascinante da história do Brasil.
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Em que pontos o senhor entende que o legado de Brizola segue vivo, passados mais de 20 anos de sua morte?
Difícil essa resposta. Os partidos políticos de que ele fez parte, PTB e PDT, estão cinco décadas distantes dos verdadeiros ideais trabalhistas. Além de uma preocupação constante com o bem-estar das crianças e as questões sociais, como a dos colonos que precisavam ter um pedaço de terra para plantar e sobreviver no campo, Brizola deixou como legado um patriotismo sem ser piegas. Ele entendia que as riquezas produzidas no Brasil deveriam ser repartidas entre os brasileiros. Por isso seu nacionalismo.
O que o senhor entende que mereceria um resgate urgente, entre as grandes bandeiras levantadas por ele?
Com toda certeza, políticas que priorizem qualificar a educação pública gratuita das crianças e dos adolescentes, com alimentação e uniforme. Só assim poderíamos tentar mudar os rumos da nação, cujo futuro, hoje, é assombroso.
Em sua avaliação, e num movimento de projeção, uma figura pública como a de Brizola ainda tem espaço na política e no ambiente público atual?
Não vejo espaço no cenário político atual porque Brizola não deixou herdeiros políticos. Assim como ele, não vimos mais figuras como Júlio de Castilhos, Silveira Martins e Getúlio Vargas. Leonel Brizola foi um homem de seu tempo, com todos os méritos e defeitos que possam lhe atribuir.
Como teria sido se ele tivesse chegado a outros postos?
Ele foi deputado estadual, deputado federal, secretário de Estado, prefeito de Porto Alegre, governador gaúcho e deputado federal, novamente – de sua estreia em 1947 a 1963. Na volta do exílio, foi eleito duas vezes governador carioca. Não conseguiu chegar ao posto que almejava desde cedo, o de presidente da República. Mas, se o tivesse alcançado, teria sido combatido impiedosamente por setores da política, imprensa e Forças Armadas, que sempre estiveram alinhavados com os interesses estrangeiros, ávidos por domesticar o povo brasileiro e explorar as riquezas do País.
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