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LUÍS FERNANDO FERREIRA

O morcego e o ouriço

Esta é uma fábula antiga. Os pássaros e o restante dos animais entraram em guerra. Enquanto as aves vencem, o morcego afirma que é pássaro, pois é capaz de voar. Mas quando os outros bichos se encontram em vantagem, ele insiste que é um mamífero, porque tem dentes.

Um dia as hostilidades terminam, a paz se instala e não há mais lugar para o morcego. Os ex-combatentes de ambos os lados já sabem que ele foi um traidor. É por isso que, agora, o morcego prefere não sair à rua durante o dia: ele não quer que ninguém o veja.

Sempre que lembro dessa história, recordo também de Lucien Lacombe, personagem principal de um filme francês dos anos 1970. Durante a ocupação nazista na França, o jovem Lucien torna-se um policial a serviço dos alemães – depois de tentar se unir à Resistência e ser rejeitado.

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Ele, francês, não demora a passar para o lado inimigo. Na verdade, tanto faz para Lucien, que não tem nenhuma convicção política em especial. O que o move é a ambição por poder e influência. O aparato nazista é a forma que encontra para obter posição relevante numa hierarquia (qualquer uma), um cargo que lhe dê prestígio e controle sobre outras pessoas. Se lhe perguntarem sobre ideologia, Lucien Lacombe poderá fazer uma profissão de fé ou jurar devoção à “causa maior”, mas será falsa. Ele é como o morcego: um impostor, ator que desempenha um papel. E bem.

Também há aqueles com dificuldade para encarnar o papel que lhes cabe. Sentem-se como peixes fora d’água, a exemplo da Anna Karenina de Tolstoi. A célebre heroína da literatura russa via a si mesma como alguém numa peça de teatro com atores muito melhores do que ela, e sua atuação ruim prejudicava a encenação. As aparências enganam e sufocam.

Mas há quem não dê a mínima, como a sra. Michel de A elegância do ouriço, romance de Muriel Barbery. Porteira de um condomínio de luxo, é tratada com desprezo pela maioria dos moradores. Enxergam-na como inferior, ignorante, e ela sabe disso. Na verdade, é mais culta do que todos: conhece literatura e filosofia, aprecia música erudita. Parece assim um ouriço: os espinhos afastam, mas estão só por fora.
A sra. Michel se aproveita do estereótipo para que os demais, basicamente, não se metam na sua vida. Enquanto a julgam vulgar, não batem à porta para interromper suas leituras.

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E é justamente por fingir que ela sabe reconhecer uma farsa. A sra. Michel sabe que ignorância não é virtude, perversidade não é nobreza, violência e crime não significam justiça.

Podem dizer o que quiserem.

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