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ELENOR SCHNEIDER

O pão nosso de cada dia

Pão é literalmente sinônimo de alimento, portanto de vida. Devem ser raras as pessoas no mundo que, em algum momento, dele não tenham se alimentado. Mesmo hoje sofrendo certa dura marcação por parte de profissionais da área da saúde, ele continua na mesa cotidiana de muitos e, infelizmente, está distante dos olhos, das mãos e da boca de milhares de seres famintos mundo afora. Muitas vezes, citei a Unisc como minha casa de pão e de formação, porque principalmente lá me constituí profissional e de lá veio o sustento de minha família.

Eu procedo de uma família muito grande. Éramos doze irmãos (somente dois homens), mais o pai e a mãe. Haja comida para tanta gente! Nunca conhecemos a fartura, os excessos; muito menos o luxo. Mas também não passamos fome, nos contentávamos com o possível. Todos crescemos saudáveis, poucas vezes aconteciam queixumes maiores; as doenças, poucas, eram tratadas em casa mesmo, com os saberes passados de geração em geração.

Por muito tempo, o nosso pão era feito somente com farinha de milho, no forno a lenha, amassado pelas mãos carinhosas de nossa mãe, duas ou três vezes por semana. Farinha de trigo, essa sim era luxo, acrescida poucas vezes à massa ou, então, presente nos momentos de rara exceção e grandeza: Natal, Páscoa e também nos tradicionais Kerb, quando esse evento ainda representava a ocasião de reunir os parentes para um dia de festa inesquecível.

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Num pequeno paiol, estava recolhida a safra de milho. Nós, ainda crianças, íamos ali separar as melhores espigas, descascar, debulhar, ensacar e, depois, nas costas mesmo, levávamos os grãos a um pequeno moinho colonial para serem triturados e se tornarem a matéria-prima do pão nosso de cada dia. Hoje, nossos pais seriam presos por exploração da mão de obra infantil. Nós aprendemos cedo que dividir as tarefas ameniza o trabalho que recairia sobre uma ou duas pessoas. A escola era prioritária, mas a partilha das atividades da casa nos preparou para uma digna futura cidadania.

Comíamos pão de milho, portanto. Mas há um parêntese no meio dessa história: Alfredo Schuh. Em 1938, ele abriu uma padaria em Palanque, interior de Venâncio Aires. E com uma Chevrolet 1928, chamada “biga”, começou a passar pelas vendas (assim eram denominados os pequenos armazéns do interior), trazendo pão d’água (hoje francês) e, o mais extraordinário, aquelas bolinhas doces, de aparência e sabor irresistíveis, sonho máximo de qualquer consumidor de pão de milho. Cada uma custava dois cruzeiros. Duas felicidades: quando eventualmente o pai liberava verba para comprar aquelas bolinhas como merenda escolar e quando aqueles pães d’água entravam em nossa casa. (A tradição da padaria Schuh se mantém viva, inclusive em Santa Cruz do Sul e Vera Cruz. Obrigado, Martinho, pelas informações. Essa história mereceria um livro.)

Com o passar do tempo, o pão foi assumindo inumeráveis fórmulas, formas e sabores. A pandemia ressuscitou receitas caseiras (algumas com resultados satisfatórios, outras acabando em rotundo fracasso), mas o pão continua alimento indispensável na mesa de quase todos. Cada um escolha o seu, porque, aplicado ao caso presente, Guimarães Rosa diria que “pão ou pães, é questão de opiniães”.

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E um desejo final: que nossa solidariedade não deixe faltar o pão na mesa de quem tem fome e não merece passar por isso.

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