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ELENOR SCHNEIDER

Pescadores do improvável

Guardo reminiscências doces e maravilhosas da minha infância. Não tínhamos luxo, riqueza, fartura de nada, mas sobravam alegrias menores, suficientes para tornar a vida feliz. Aos quatro anos, ganhei um petiço, trazido por um tropeiro de Passo do Sobrado, Totonho Lopes. Chorei muito nas primeiras cavalgadas, sempre com medo de cair. O pior momento era descer um morro, por menor que fosse. Sempre me dava a sensação de que tombaria para frente e a tragédia se consumasse.

Passado um tempo, me habituei e, faceiro, ia com meu pai encontrar a tropa, gado que descia dos campos de Tupanciretã e Júlio de Castilhos em longos e estafantes dias de caminhada. Tínhamos matadouro e açougue, no interior de Cruzeiro do Sul, e da tropa se apartavam algumas reses para o posterior abate. Para minha glória, algum dos tropeiros separava um lote de animais do grosso da tropa e, com incontido orgulho, eu me punha a conduzi-los como se também tropeiro fosse desde sempre.

Um vizinho nosso era professor aposentado. Sua família morava numa pequena colina, muito próxima da nossa casa. Bruno Röehsler tinha um bandoneón e em todas as tardes de domingo sentava na área da frente e fazia descer até nós os sons, ora plangentes, ora alegres, que extraía do seu instrumento. Não sei quase nada de sua história, de sua carreira, de alguma escola em que tenha lecionado. Fui atrás de informações com suas filhas remanescentes, acho que todas solteiras, porém cheguei tarde. Elas morreram e eu fico triste com tanta riqueza que mais uma vez se perdeu.

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O filho mais velho do professor era pai do Edgar, que veio morar com os avós para ficar mais próximo da escola. Edgar e eu nos tornamos grandes amigos e nosso passatempo predileto era pescar. Os primeiros anzóis eram feitos de alfinetes retorcidos formando um jota, a linha vinha dos carretéis de costura e as iscas eram pão amassado. Depois, evoluímos para anzóis comprados na venda, linhas mais condizentes e aderimos à minhoca para ludibriar os peixes.

Na nossa propriedade, havia um pequeno riacho, um filete de água mínimo. Alimentado por vertentes, até hoje nunca deixou de correr. De nossos quartos de dormir, ouvia-se o rumor de suas poucas e límpidas águas, que desciam suavemente em busca de um destino maior, o arroio Sampaio, que deságua no rio Taquari, que se junta ao Jacuí, que desemboca no Guaíba, desce a lagoa dos Patos e acaba se misturando às grandes águas do oceano. Muito antes de eu conhecer o mar, nosso pequeno riacho já o habitava e certamente era feliz.

Pois, todas as tardes de domingo Edgar e eu caminhávamos à beira do riacho, buscando os lugares tornados pequenos poços e ali fisgávamos magros, mal nutridos lambaris, joaninhas e carutes. Com meia dúzia deles no balde, voltávamos para a casa do avô Bruno, que já nos aguardava. Limpava os peixinhos e depois fritava cuidadosamente aqueles esqueletos subnutridos que se tornavam nossa farta refeição da tarde dominical.

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Não sei por onde anda Edgar, nunca mais nos vimos. Talvez hoje pudéssemos entender que de uma semana para outra não haveria nenhuma possibilidade de que mais peixes, maiores, pudessem povoar aquele riacho. Mas, isso pouco importa. O que ficou foram nossas tardes felizes e o carinho do avô, que largava seu bandoneón para completar a nossa exitosa aventura.

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