No Brasil, a aposentadoria das mulheres sempre foi um tema de muitas discussões, e não é à toa. Nossa legislação previdenciária prevê critérios diferentes para homens e mulheres, permitindo que elas se aposentem mais cedo. Mas essa diferença não surgiu por acaso. Ela reflete uma série de fatores históricos, sociais e econômicos que moldaram a forma como as mulheres participam do mercado de trabalho e da sociedade.
Basta olhar para a realidade da maioria das mulheres para entender por que essa diferenciação existe. Uma das principais razões é a famosa “dupla jornada”. Não é novidade que, além do trabalho formal, muitas mulheres assumem uma carga pesada de responsabilidades domésticas e familiares. Seja cuidando dos filhos, organizando a casa ou ajudando parentes, o tempo dedicado a essas tarefas não remuneradas pesa – e muito – na rotina feminina. Os dados do IBGE de 2022 apontam que mulheres dedicaram 9,6 horas por semana a mais do que os homens aos afazeres domésticos ou ao cuidado de pessoas. Isso significa que, ao longo dos anos, elas acumulam um cansaço extra, o que justifica a possibilidade de se aposentarem um pouco antes.
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A questão vai ainda além do acúmulo de tarefas – no mercado de trabalho, as mulheres ainda enfrentam desafios significativos. A desigualdade salarial é uma realidade dura: em média, as mulheres ganham 30% menos do que os homens para realizar as mesmas funções. Além disso, têm mais dificuldade para encontrar empregos formais e estão mais vulneráveis ao desemprego e à informalidade. Esses fatores impactam diretamente a contribuição previdenciária, já que salários menores e carreiras interrompidas resultam em menos recolhimentos durante a vida profissional. A aposentadoria antecipada, nesse contexto, não é um privilégio, mas uma forma de equilibrar um jogo que sempre foi desfavorável para elas.
Outro ponto importante é a expectativa de vida. Em média, as mulheres vivem 7,2 anos a mais do que os homens. Pode parecer que isso compensaria o fato de se aposentarem mais cedo, mas a realidade é mais complexa. Muitas mulheres passam períodos afastadas do mercado de trabalho para cuidar dos filhos ou de familiares, o que reduz ainda mais o tempo de contribuição. Assim, a regra atual da aposentadoria feminina busca dar conta dessas dificuldades, garantindo que elas tenham uma proteção social adequada quando chega a hora de parar.
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Nos últimos anos, no entanto, as reformas previdenciárias trouxeram à tona um novo debate: será que homens e mulheres deveriam se aposentar na mesma idade? Os defensores dessa mudança argumentam que a longevidade feminina e a necessidade de manter a sustentabilidade do sistema justificariam essa equiparação. Por outro lado, há quem acredite que isso só agravaria as desigualdades de gênero, já que, na prática, a jornada das mulheres continua sendo mais longa e desigual. O risco, segundo especialistas, é que, ao igualar as regras, a previdência ignore as diferenças reais que ainda existem no mundo do trabalho e na vida das mulheres.
No fim das contas, a possibilidade de as mulheres se aposentarem mais cedo é uma forma de reconhecer – e, de certa maneira, compensar – as desigualdades estruturais que persistem. O debate sobre a igualdade de critérios previdenciários é válido, mas precisa levar em conta a realidade das mulheres nesse contexto. Afinal, quando se parte de condições tão diferentes, tratar todos da mesma forma pode aprofundar ainda mais as desigualdades.
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