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ELENOR SCHNEIDER

Por um tempo de serenidade

É impressionante, quando não assustador, como andamos quase sempre à beira da explosão. Qualquer comentário, qualquer observação um pouco discordante do nosso modo de pensar nos flagra com o palito de fósforo aceso para prender fogo nesse atrevido tanque de gasolina a nos provocar. Parece que necessitamos de intermináveis conflitos para nos afirmar, para sermos felizes desse jeito.

Quantas vezes me arrependi por, no impulso, reagir a provocações que neste tempo de franqueado ringue das redes sociais grassam a mancheias. O velho e saudável conselho de que sopa quente se toma pelas bordas acaba esquecido, enfiamos a colher de qualquer jeito e estamos sempre na iminência de nos queimar. No livro bíblico dos Provérbios (20, 3), lemos que “é uma glória para o homem abster-se de contendas; o tolo, porém, é o único que as procura”.

Não que não possamos discordar, contrapor, tecer em conjunto novos pontos de vista, combater, enfim, o bom combate. Daí, muitas vezes, advém o progresso, o implemento do saber, surgem as relevantes conquistas da humanidade. E isso pode ser feito de forma civilizada, respeitosa, admitindo que o outro também possa ter razão, que o universo das cores não se resume a azul e vermelho, que na geografia não existem somente o Polo Norte e o Polo Sul. O poeta e pensador romano Horácio (65 a.C – 8 d.C) ensina que “o princípio e a arte de bem escrever é o bom senso”. Penso que o mesmo se aplica a viver, “o princípio e a arte de bem viver é o bom senso”.

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Tenho uma lista de possíveis temas para abordar nesta coluna. Um dos primeiros que anotei, também derivado de Horácio, é in medio virtus, que pode ser traduzido como a virtude reside no meio, não nos extremos. Alguns admitem entender isso como alienação, ficar em cima do muro, outros como cautela, precaução, equilíbrio, respeito, serenidade. O Arcadismo, movimento literário do século 18, opondo-se ao estilo retorcido do Barroco, propõe uma arte de simplicidade, sem exageros, defendendo a aurea mediocritas, ou seja, uma mediania sensata, uma vida e uma arte equilibradas, harmoniosas, sem embates desgastantes e desnecessários.

Uma boa educação, por exemplo, pede esse equilíbrio: nem rigor em excesso, nem frouxidão liberada. O rigor em excesso promove a revolta, a frouxidão liberada gera irresponsabilidades. Uma boa convivência social demanda respeito aos direitos e cumprimento dos deveres. Chama a atenção, nas redes sociais e em outros meios, como há ataques gratuitos, sem fundamento algum, eivados de ódio, ignorância e rancor. O que vale é derrubar o outro, espezinhar, humilhar, reduzir a pó. Percebemse verdadeiras patrulhas de plantão, à espreita de um comentário adverso, uma discordância mínima, uma ameaça ao pensamento único. A mediania não é admitida nesse palco de conflitos.

Ando meio desconfiado de que a pandemia não nos tornará uma sociedade melhor. Contra o vírus, a ciência está buscando e encontrando as soluções; contra a intolerância, a luta será mais árdua, porque exige a participação e a oferta desarmada de cada um de nós.

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