O dicionário diz que primo é alguém em relação aos filhos de tias e tios. Fala também em primos carnais, primos coirmãos, primos cruzados, primos direitos e mais alguns, entre os quais, acrescentaria, o tal primo de longe. Vou me ater ao primeiro conceito. Muitas famílias, em tempos idos, tinham numerosa prole e, portanto, a probabilidade de existirem muitos primos era grande. Se eram doze os filhos e, casando, tivesse cada um também doze, tínhamos aí em torno de cento e quarenta da espécie. Cinco ônibus para levar a turma aos encontros da família.
Os encontros familiares do passado eram basicamente de tios e primos. E todos se conheciam, sabiam os nomes, as localidades de residência, as ocupações. Pouco a pouco, no entanto, essa realidade foi se alterando. Vejamos o caso de quem morava no interior. Premidos, por exemplo, pela impossibilidade de se sustentar todos nos minifúndios, alguns mais arrojados se lançaram em busca de novas terras, por vezes distantes do local de origem. O afastamento da família gerou não apenas uma lacuna física, geográfica, mas aos poucos também um arrefecimento afetivo.
As possibilidades de comunicação eram precárias ou mesmo inexistentes. Algum telefone, raros radioamadores, linhas de ônibus escassas, tudo contribuía para uma progressiva separação dos antes familiares tão próximos. O que amenizava um pouco a distância e a ausência eram cartas, também raras e pouco a pouco esquecidas. Quem antes era referido como parente de longe, pela distância interposta, hoje assim o é pelo esquecimento. E como diz Vinícius de Moraes, em seu Soneto da separação, “fez-se do amigo próximo o distante” e a separação tornou-se definitiva.
Publicidade
As gerações recentes contam com outros e cada vez mais recursos de comunicação, o que permite contatos mais frequentes, ainda que nada substitua o abraço presencial. Além disso, com famílias menos numerosas a quantidade de primos caiu tanto quanto caem algumas ações da bolsa de valores e, consequentemente, são menos pessoas a compor os grupos familiares. Há menos pessoas a lembrar e a acrescentar no rol de nossos familiares, o que teoricamente favorece cada um conhecer todos os primos da família.
Mesmo não morando distantes, porém, muitos primos se ignoram, não fazem questão de proximidade ou pouco valorizam com uma aproximação. Pelos caminhos diferentes da vida, cada um traça novos rumos, estabelece novos projetos, novas relações. Certamente, as amizades emergentes e a constituição de uma família própria substituem os familiares e, reduzindo os contatos, gradativamente os laços se enfraquecem, quase se apagam. É evidente que não se trata de uma regra, porque muitas pessoas ainda mantêm forte o parentesco e encontram nos familiares a acolhida, o apoio mútuo, o necessário amor, combustível da vida.
Pessoalmente, não sei quantos primos eu tive ou ainda tenho na minha história. Alguns, por um tempo, foram muito próximos, outros já morreram, outros tantos nem sei onde andam. Se me deparasse com algum deles, com certeza não o reconheceria nem ele a mim. Tempo que passa é tempo que distancia. Ficar longe dos olhos muitas vezes significa também ficar longe do coração. A reconfiguração de muitas famílias modernas provoca realidades distintas, o que demanda rever o próprio conceito de primo. A verdade é que primo, hoje, é menos matéria-prima.
Publicidade
LEIA MAIS TEXTOS DE ELENOR SCHNEIDER
quer receber notícias de Santa Cruz do Sul e região no seu celular? Entre no NOSSO NOVO CANAL DO WhatsApp CLICANDO AQUI 📲 OU, no Telegram, em: t.me/portal_gaz. Ainda não é assinante Gazeta? Clique aqui e faça agora!
Publicidade