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UM ANO DA ENCHENTE

Rio Pardo espera por casas, mas moradores convivem com a demora e o descaso

Foto: Inor Assmann

20 casas provisórias foram entregues no Bairro Pinheiros no fim de outubro

Quem passa pela pacata Vila Pinheiros, quase no fim do Bairro Boa Vista, em Rio Pardo, se depara com uma mudança na paisagem. Em uma área de baixada, ao lado da Rua Bento Gonçalves, 20 cubículos se erguem, enfileirados, desde o fim de outubro de 2024. O local, onde antes havia um campo de futebol, agora serve como moradia para famílias que perderam as suas casas na enchente do ano passado, viviam de aluguel social ou estavam em áreas de risco para eventuais novos desastres climáticos.

Através do programa A Casa É Sua – Calamidade, do governo estadual, as 20 casas provisórias foram entregues pessoalmente pelo governador Eduardo Leite e pelo secretário de Habitação e Regularização Fundiária, Carlos Gomes, no dia 31 de outubro, quando se marcava a passagem de meio ano desde a catástrofe. Contudo, mais seis meses se passaram – e o local, que antes representava alívio e esperança para aquelas famílias, começou a ser tomado por um clima de indignação.

Em meio a promessas não cumpridas e a uma expectativa por lares definitivos, as pessoas tentam seguir suas vidas nas moradias temporárias. Apesar da localização estratégica, a poucos metros de um posto de saúde, uma Emef, um ginásio e uma pracinha – e com promessas de instalação de uma creche e um Centro de Referência em Assistência Social (Cras) – os moradores relatam uma sensação de abandono.

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Os imóveis são semelhantes a contêineres, feitos de aço galvanizado e concreto. Os módulos, encaminhados pelo Estado, chegam pré-fabricados e são instalados em locais preparados pelas prefeituras, que por sua vez fornecem as redes de água, esgoto e luz. Cada um tem 27 metros quadrados incluindo sala (com sofá), cozinha (com pia com balcão e fogão, armário e geladeira) e quarto (com cama de casal, beliche e um roupeiro) conjugados, além de um banheiro com boxe com chuveiro, vaso sanitário e pia.

É nesse espaço limitado que Liane Matos Maciel vive junto com mais sete pessoas. Além dela, seu marido, sua filha grávida, seu genro e mais quatro crianças dividem o ambiente. “Eu sinto o desprezo que tem por isso aqui, porque acham que nós vamos ser abandonados aqui. Eu quero minha casinha, quero ter meu lar, para viver em paz, sossegada com meus netos e minhas filhas”, lamenta.

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Os moradores, inclusive, reclamam que há um imóvel no conjunto sem nenhum morador. “Deixaram de dar para a minha filha, que está precisando, para dar para uma pessoa que não precisa. E agora ali está fechado”, conta Liane. Ela também lamenta a falta de assistência e de mantimentos básicos, como leite para seu neto. Além disso, as famílias relatam dificuldades para acessar os auxílios concedidos pelos governos federal e estadual.

Liane precisa dividir a casa de 27 metros quadrados com outras sete pessoas | Foto: Inor Assmann

Casas definitivas ainda aguardam licitação para terraplanagem

Antes da enchente, Liane vivia com a família na localidade de Mutirão do Camargo, do outro lado da cidade. No entanto, as águas levaram sua casa e todos seus pertences. Até se mudar para o novo endereço, teve de ficar abrigada no pavilhão da igreja da comunidade.

No dia da entrega das unidades habitacionais, ela também havia sido entrevistada pela Gazeta do Sul, declarando que aquele era um momento de alívio e que poderia ser feliz lá. À época, Liane lembra que havia lhe sido prometido que passaria apenas um ano no local. No entanto, passados seis meses, ainda não há nenhuma movimentação no terreno aos fundos do conjunto, onde serão erguidas as moradias definitivas.

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O Estado previa que todas famílias que ficassem alojadas em casas temporárias seriam, após, realocadas em residências permanentes, também fornecidas pelo programa A Casa é Sua – Calamidade. Para Rio Pardo, a Secretaria Estadual de Habitação e Regularização Fundiária (Sehab) afirma que serão destinadas 40 casas definitivas – ação que, até o fim de abril, estava em processo final de documentação para assinatura do convênio.

A escolha e a preparação dos espaços onde serão erguidos os imóveis são de responsabilidade de cada município. A Prefeitura de Rio Pardo já confirmou que 30 deles serão construídos no terreno localizado na Vila Pinheiros, que tem quase 14 mil metros quadrados. Dessa forma, abrigarão mais dez famílias, além daquelas que já estão no conjunto inaugurado em outubro do ano passado.

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A partir dessa garantia, a próxima etapa é a terraplanagem da área. Contudo, segundo o secretário municipal de Desenvolvimento Econômico e Planejamento, Luiz Elcides Cardoso da Silva, somente esta parte já está orçada em cerca de R$ 300 mil. Uma licitação para definir a empresa que ficará responsável pelo serviço, na modalidade de concorrência eletrônica, será aberta no dia 26 de maio, recebendo propostas até as 8h30 daquela data. O edital prevê um prazo de três meses para a execução.

Além disso, a Prefeitura atuará, junto à RGE, para garantir o fornecimento de energia elétrica no terreno. O Estado calcula que a construção das casas começará em julho. Erguidas com painéis de concreto, essas unidades terão 44 metros quadrados de área total, sendo 42 de área útil. Cada uma terá dois dormitórios, sala e cozinha conjugadas, um banheiro e área de serviço externa. Segundo a Sehab, a partir da preparação do terreno, o prazo de entrega para as residências é de 120 dias.

Terreno que receberá as casas definitivas aguarda terraplanagem | Foto: Inor Assmann

Na Travessa do Camargo, famílias sentem a demora na pele

Se por um lado há aqueles que estão na espera por lares definitivos, ainda há outros que, mesmo mais de um ano após a enchente, sequer receberam uma moradia provisória para se instalarem. Nas localidades de Travessa do Camargo e Várzea Camargo, às margens da ERS-403, a maioria das casas que existiam lá foram completamente arrastadas pela força das águas; já das outras, restou apenas o esqueleto. Ao todo, 16 famílias tiveram seus pertences levados e ainda não tiveram uma chance de recomeçar. 

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Eles aguardam 20 casas provisórias que serão instaladas a pouco mais de um quilômetro dali, em um terreno na comunidade de Mutirão do Camargo, área com menos risco de enchentes. Nos mesmos moldes das instaladas na Vila Pinheiros, as unidades foram garantidas pelo governo do Estado em dezembro do ano passado. Contudo, a entrega vem se arrastando.

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Enquanto não chegam as moradias, as famílias precisam se adaptar, ainda que de forma precária. Alguns estão alojados em barracas, onde não possuem acesso a água e luz, nem proteção contra a chuva, o vento e as mudanças de temperatura. Esse é o caso de Ingrid de Cássia Neves Almeida, que desde a enchente está instalada em uma estrutura improvisada no local. “A minha filha está dormindo no chão, porque não tem nenhuma cama para dormir”, relata.

Outros foram atrás de aluguéis, que estão precisando pagar com o dinheiro de seus próprios bolsos. Também há pessoas morando de favor na casa de conhecidos. Em todos, percebe-se o cansaço e a indignação. As pautas das reclamações são unânimes: a falta de assistência da Prefeitura e de explicações plausíveis sobre a demora para a entrega das casas.

Os moradores questionam a ausência de apoio psicológico e de auxílio para comprar remédios, visto que muitos deles apresentam problemas de saúde. Apesar de receberem o Cartão de Benefício Social, fornecido pela Prefeitura, relatam que o valor de R$ 120,00 é insuficiente para suas demandas básicas. “Ou tu compra a fralda, ou tu compra o leite. Se tu comprar os dois, não dá. Não tem”, diz Leticia Schirmer, uma das moradoras afetadas e mãe de um menino autista.

Ênio Raul Linhares Joaquim, Jeferson Bruno Linhares, Ingrid de Cássia Neves Almeida, Leticia Schirmer, Isaías de Bastos Joaquim e Nádia de Souza Linhares: moradores da Travessa do Camargo seguem desalojados | Foto: Inor Assmann

Já Nádia de Souza Linhares, que também vivia na Travessa do Camargo, foi atrás de um aluguel na região de Vila Nova, no Bairro Nossa Senhora do Rosário, junto ao marido e aos quatro filhos. Ela, que está grávida, precisa arcar a moradia com o seu próprio dinheiro. “O prefeito fala de superação, mas nós não superamos nada. Eu sou nova, tenho 27 anos, e tô passando por coisas que pessoas idosas, de 80, 90 anos não passaram. É difícil para a gente. Tem dias que eu penso que tenho que desistir”, revela.

Para garantir o sustento da família, o marido trabalhava na agricultura. No entanto, com o fim da colheita, a única fonte de renda passou a ser o Bolsa Família, além de trabalhos informais. Enquanto isso, mesmo morando na cidade, os filhos do casal continuaram estudando no Mutirão do Camargo – uma das crianças é neurodivergente e os pais temiam que não se adaptaria a uma nova escola. No inverno, Nádia precisava levá-los e buscá-los na aula de carroça – entre idas e vindas, eram mais de 18 quilômetros percorridos por dia.

Segundo o secretário Luiz Elcides, a Prefeitura conversa diariamente com os atingidos, principalmente na região do Mutirão do Camargo. Ele também reforçou que o município está provendo o aluguel social – atualmente, são quatro famílias sendo atendidas nesta modalidade. “É o que a gente tem que fazer, o que a gente tem condições de fazer, com a celeridade que é possível”, relata.

Prefeitura diz que terreno está pronto, mas entrega se arrasta

O terreno no Mutirão do Camargo que receberá as 20 casas provisórias prometidas pelo governo do Estado foi desapropriado ainda no ano passado. As unidades habitacionais foram garantidas em dezembro. Na ocasião, o prefeito Rogério Monteiro (MDB), junto a Luiz Elcides e outros representantes do município, participou de agenda em Porto Alegre com o secretário estadual de Habitação e Regularização Fundiária, Carlos Gomes, para tratar das novas moradias.

Nos meses seguintes, seguiram-se os trabalhos de preparação do terreno, que é acessado por uma estrada no fim da Rua Alagoas. No dia 19 de março, ocorreu uma nova visita a Porto Alegre, em busca de atualizações acerca da situação, que já havia sido abordada pelo Portal Gaz uma semana antes.

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Na ocasião, o secretário Carlos Gomes prometeu que as residências seriam entregues dentro de 20 dias. Desde então, 54 dias se passaram e ainda não há nenhuma casa no local, apesar de a Prefeitura afirmar que o terreno já está pronto. Nas semanas seguintes, o prazo foi expandido para 5 de maio; e após, para 15 de maio. A reportagem procurou a Sehab nesta segunda-feira, 12, para confirmar se o prazo estava mantido. A pasta afirmou que o trabalho segue dentro do cronograma; no entanto, depende do término da instalação de módulos em Eldorado do Sul, na região metropolitana de Porto Alegre, antes de começar a trazê-los a Rio Pardo.

Comitiva de Rio Pardo participou de reunião em Porto Alegre em março em busca de respostas | Foto: Divulgação

Representante dos moradores da Travessa e da Várzea do Camargo, Jeferson Bruno Linhares, também acompanhou a última visita à capital gaúcha para tratar do assunto. “Nós queríamos uma resposta sobre isso, né? Se essas casas provisórias, que são contêineres, estão demorando, imagina as definitivas que vão fazer”, questiona.

Terreno no Mutirão do Camargo está pronto e espera chegada das casas | Foto: Inor Assmann

Entre provisórias e definitivas, 96 casas foram garantidas

As 20 casas que chegarão ao Mutirão do Camargo a partir desta semana serão as últimas de caráter provisório que o Estado entregará em Rio Pardo. Para além disso, há as 40 moradias definitivas que já foram garantidas pelo Piratini, sendo que 30 delas serão instaladas na Vila Pinheiros.

Além disso, a coordenadora-adjunta da Defesa Civil de Rio Pardo, Andreia Moreira, revelou que a Defesa Civil Nacional já garantiu 16 casas definitivas ao município. Também a serem erguidas no Mutirão do Camargo, ao lado das residências provisórias, as unidades atenderão justamente as 16 famílias atingidas na Travessa e na Várzea do Camargo. As moradias foram solicitadas pelo município por meio do Sistema Integrado de Informações sobre Desastres (S2ID).

“Lá já é uma região de risco, que sempre é atingida por qualquer tipo de enchente. Só que, dessa vez, como ela foi arrancada, é o momento que a gente encontrou de colocar elas numa região de segurança. Então, a preocupação da Prefeitura é manter as famílias num local seguro, para que não tenha que acontecer novamente o que aconteceu. O objetivo sempre é oferecer pra eles de volta o que eles tinham, mas com segurança”, explica Andreia. A característica rural da localidade também foi um fator que determinou a escolha do local.

Renan Della Corte, Andreia Moreira e Luiz Elcides: Prefeitura garantiu 96 casas junto ao Estado e à União | Foto: Inor Assmann

Com isso, chega a 96 o número de casas a serem destinadas aos atingidos pela enchente em Rio Pardo – sendo 40 delas provisórias e 56 definitivas. A grande maioria (80) está sendo fornecida pelo governo do Estado. Contudo, passado um ano da enchente, apenas 20 delas já foram entregues, nenhuma definitiva.

Ao mesmo tempo em que espera as moradias já prometidas, o município projeta ações futuras. No terreno que receberá as 16 unidades da Defesa Civil Nacional, a Prefeitura já está preparando 30 lotes – e conta com o apoio do Estado e da União para colocar mais casas lá e alocar outras famílias que estejam em regiões de risco. 

Além disso, o secretário Luiz Elcides garante que está no radar a construção de 50 habitações por meio do programa Minha Casa, Minha Vida (MCMV), do governo federal, voltadas a famílias de baixa renda, na área do antigo Aeroclube, na Rua Bento Gonçalves. O processo está em fase de contratação junto à Caixa Econômica Federal.

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Os critérios para definir aqueles que serão prioridade para se instalarem serão estabelecidos em parceria entre as secretarias de Assistência Social e Planejamento e a Defesa Civil. Primeiro, será verificado se não há mais nenhuma família atingida pela enchente que está precisando de moradia. Após, será aberto para as pessoas que estão em áreas de risco ou em situação de vulnerabilidade social.

Saiba mais

Em todos os lugares onde estão sendo entregues casas temporárias por meio do programa A Casa é Sua – Calamidade, o governo estadual prevê que sejam construídas residências fixas para as mesmas famílias. Quando essas pessoas forem transferidas para a moradia definitiva, as provisórias poderão ser reutilizadas em outras situações, ficando incorporadas ao acervo do Estado. O método de construção escolhido, tornando-as semelhantes a contêineres, permite o seu transporte.

Veja onde estão as unidades habitacionais prometidas

Nº no mapaLocalidadeTipoOrigemQuantidadeStatusPrevisão
1Vila PinheirosProvisóriasGoverno estadual20Entregues
2Vila PinheirosDefinitivasGoverno estadual30Aguarda licitação para terraplanagemConstrução a partir de julho
3Mutirão do CamargoProvisóriasGoverno estadual20Terreno pronto, aguarda chegada das unidadesChegada a partir de 15 de maio
4Mutirão do CamargoDefinitivasGoverno federal16Garantida pela Defesa Civil NacionalSem previsão
5Bairro Boa Vista (antigo Aeroclube)DefinitivasGoverno federal50Em fase de contratação com o MCMVSem previsão

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