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ELENOR SCHNEIDER

Um certo João

Em plena Semana Farroupilha, cabe um olhar sobre a literatura gaúcha, grande reduto da conformação do celebrado herói, mas também do olhar crítico sobre seus momentos de fracasso e dor. Nada mais pertinente para nos conhecermos melhor do que a leitura, a literatura, que exalta quando isso se impõe, e analisa com profundidade os desencontros da vida, da sociedade.

Nasceu em Pelotas, em 1865, filho de estancieiros, um dos nossos mais importantes escritores. Foi jornalista, funcionário público, industrialista, compilador (recolheu um conjunto de canções, causos e lendas populares no Cancioneiro guasca), escreveu peças de teatro, mas foi, sobretudo, um grande contista e um imbatível contador de causos. Bebeu diretamente da vida interiorana, campeira, o material que viria consagrá-lo, embora tardiamente, como um dos maiores ícones da nossa literatura. Estou falando de João Simões Lopes Neto, morto em 1916.

É nos Contos gauchescos (1912) que se revela o grande escritor. Nas histórias curtas, emergem os temas mais contundentes, com fortes marcas regionais, destacando o tipo humano, o pampa, com ênfase também no tempo, muitas vezes remetendo ao episódio emblemático da Guerra dos Farrapos. Antes do primeiro conto, dá-se a autoapresentação daquele que vai ser o grande narrador das histórias, Blau Nunes. Já envelhecido, beirando os 90 anos, assegura que conhece o Rio Grande do Sul de ponta a ponta, garantindo assim a autenticidade de suas narrativas.

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O primeiro conto – “Trezentas onças” – põe em relevo uma das virtudes que muito enaltecem o gaúcho, a honestidade. Blau se deslocava a uma estância tendo na cintura uma guaiaca cheia de moedas de ouro, chamadas onças. Como fazia calor, parou para se banhar numa sanga. Quando chegou à estância, onde compraria gado, percebeu que deixara a guaiaca no local do banho. Imediatamente retornou àquele lugar. Cruzou por uma comitiva de tropeiros que se dirigiam à mesma estância.

Nada encontrou e lhe passou pela cabeça que certamente o patrão o chamaria de ladrão. Pensou em se matar, mas as estrelas, o cachorrinho companheiro, o cavalo, “aqueles bichos brutos arredaram de mim a má tenção”. Chegando à estância, viu sobre a mesa a sua guaiaca, ainda “barriguda, por certo com as trezentas onças”. Os tropeiros a encontraram e a devolviam na íntegra, revelando seu caráter de honestidade e aliviando o coração de Blau.

Para quem não conhece a obra e deseja ler, recomendo uma edição de Contos gauchescos publicada pela Artes e Ofícios, com informações muito esclarecedoras do professor Luís Augusto Fischer, uma vez que o vocabulário regional pode ser um empecilho para quem não lida diretamente com a cultura gaúcha.

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O lado cômico, humorístico do autor está contemplado em Casos do Romualdo (1914). Romualdo é um mentiroso de marca maior, inventa histórias mirabolantes para divertir os peões da estância recolhidos aos galpões. Ao contrário de Blau, surge como anti-herói, desmitifica o gaúcho, o “centauro dos pampas”, tornando-o um ser comum, quase banal. Se numa roda piada puxa piada, aqui “mentira puxa mentira e anda com botas de sete léguas”, escreve Augusto Meyer.

Romualdo é mentiroso autêntico, loroteiro, inventa as histórias e acaba acreditando nelas. Vale a pena ler “Três cobras”, “Caçar com velas”, “O gringo das linguiças” e todas as demais divertidas invencionices do autor. Nas Lendas do Sul (1913), encontram-se quinze histórias recolhidas, dignas de conhecer. “Mboitatá”, “A salamanca do Jarau” e “Negrinho do pastoreio” merecem a sua leitura.

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