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ricardo düren

Um susto na floresta

Lá em casa, somos todos entusiastas da natureza. Mantemos um quintal repleto de árvores grandes e plantas menores – arbustos, lírios, bromélias, cicas e espadas de São Jorge. E, mesmo assim, quando o tempo e o clima permitem, damos um jeito de buscar áreas verdes, em praças e parques ou no interior, para uma caminhada, para um chimarrão, para respirar ar puro e recarregar as energias.

Essa sensação de deslumbramento com a natureza, que impera lá em casa e em tantos outros lares, não deixa de ser um sentimento curioso e paradoxal. Como seres humanos, também fazemos parte da natureza. Afinal, nosso planeta é um imenso rizoma, onde tudo está interligado em relações simbióticas, como um imenso corpo orgânico. Apesar disso, os humanos sentem-se como seres à parte da natureza, capazes de observá-la e admirá-la, mas também de explorá-la e degradá-la. É como se a natureza fosse um outro ser, diferente da gente, que está lá fora, disponível para ser tanto admirado quanto explorado por nós, indivíduos racionais e “superiores”.

Tal sentimento de separação em relação à natureza não existe entre os outros animais. Os bichos não se distinguem como indivíduos à parte do meio ambiente. Mesmo o homo sapiens, nos primórdios, não se sentia como um ser externo à natureza. Contudo, como bem descreve o filósofo Castor Bartolomé Ruiz, professor da Unisinos, em dado momento nossos ancestrais desenvolveram um sentimento de alteridade, uma sensação de que eram diferentes. Isso criou, nas palavras do pesquisador, uma “fratura” entre nós e o meio ambiente, que veio acompanhada de sentimentos de angústia: de lá pra cá, buscamos incansavelmente explicações para a existência deste mundo à parte, bem como de nós mesmos – dilemas para os quais os outros animais não dão a mínima.

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A busca por respostas nos levou, milênio após milênio, à elaboração de mitos, ritos, culturas e ciências. Até aí, tudo bem. A questão não é questionar nossas crenças, nossa rica cultura e nosso avanço científico, tampouco de defender nosso retorno às cavernas. Ocorre que esse sentimento de diferenciação e superioridade do homem em relação à natureza levou também à degradação do planeta.

O renomado historiador israelense Yuval Harari observa que, na mesma medida em que o homo sapiens se espalhou pelo globo, galgando degraus rumo ao topo da cadeia alimentar, incontáveis outras espécies simplesmente desapareceram da face da terra. Isso não é mera coincidência.

Os estranhos eventos climáticos que estamos observando certamente são consequência de toda essa degradação. Em 2017, o famoso físico britânico Stephen Hawking, que viria a falecer um ano depois, chegou a sugerir que era hora de apostarmos alto na colonização de outros planetas para garantir a sobrevivência da nossa espécie. Ou seja: não será possível ficar aqui por muito mais tempo, será preciso abandonar o barco. Mas será que deixaremos chegar a esse ponto?

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Cerca de 60 anos antes da polêmica declaração de Stephen Hawking, um médico catarinense, radicado em Cachoeira do Sul, resolveu arregaçar as mangas e fazer a sua parte pela preservação ambiental. Comprou 100 hectares tidos como imprestáveis, arrasados por desmatamentos e queimadas, e começou a plantar árvores de incontáveis espécies no lugar. Seu nome era Acido Witeck e o resultado dos esforços é conhecido por muitos de nós, moradores da região: o fabuloso Parque Witeck, em Novo Cabrais.

No domingo passado, fomos comemorar o Dia dos Pais por lá. Quer presente melhor que um dia com os filhos em meio àquela exuberante natureza? E, dito isso, chega agora, enfim, o causo da coluna de hoje.

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Ao final da trilha, paramos para um lanche junto a um quiosque, caprichosamente erguido entre as árvores, à beira de um dos lagos do parque. Ao cabo da comezaina, já com o lixo devidamente recolhido, decidimos, eu e a Patrícia, tirar uma romântica foto com o lago ao fundo. E, enquanto eu manobrava o pau de selfie, em busca do melhor ângulo, a caçula, Ágatha, distanciou-se dos irmãos e veio avisar:
– Pai, mãe. Tenho uma coisa urgente para dizer…

Mas seguimos concentrados na tela do celular, virando o pau de selfie de um lado para outro, com dificuldades para ajustar a luminosidade.
– Só um minuto, filha.
A caçula, contudo, insistiu:
– Mas é meio urgente…
– Só mais um segundo, Ágatha.
E, enquanto eu acionava o disparador, a traquinas, enfim, anunciou:
– É que tem uma cobra se aproximando!

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A foto eternizou uma situação bem estranha: a Patrícia com expressão de susto e eu de olhos arregalados. Àquela altura, a cobra – aparentemente, uma pequena cobra-verde – já mergulhava por uma fresta do tablado do quiosque, deixando ver apenas a parte final do corpo.
– Primeiro pensei que fosse um galho – relatou Ágatha. – Mas logo estranhei, pois se mexia.
– E por que não disse antes? – eu quis saber.
– Bem… eu tentei.

E ficamos ali, observando a cobra desaparecer sob o tablado, até que ela seguiu seu caminho e nós o nosso, na direção oposta, de volta para casa. Embora, no fim das contas, nosso lar seja o mesmo que o dela: a natureza, à qual todos pertencemos.

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