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ELENOR SCHNEIDER

Um tema recorrente

Vários escritores e compositores gaúchos buscam no mundo real a matéria para sua produção artística. As muitas facetas da vida campeira, o clima, o churrasco, o chimarrão, a convivência nos galpões, as tropeadas, os rodeios, os fandangos, os heroísmos das guerras, tudo isso em tempos míticos de liberdade, embora presentes – e em geral omitidos – o sofrimento, a penúria, a solidão. Quase sempre esse mundo de felicidade se localiza no passado, sobrevivendo num imaginário muito mais sonhado do que concretamente existente.

Ainda na universidade, desenvolvi uma pesquisa sobre o tema contrabando na literatura gaúcha. Agreguei também um olhar sobre a presença desse conteúdo nas letras do nosso cancioneiro. Diversas vezes ele aparece, há histórias desde líricas até dramáticas, envolvendo pessoas que ultrapassam as linhas da fronteira em busca do que há no outro lado, para, nos idos tempos, prover o sustento de suas famílias ou pouco mais. Falo de tempos quase românticos e nada se compara aos pesados contrabandos que hoje vigoram no cenário nacional e internacional. Blau, narrador dos Contos gauchescos, de Simões Lopes Neto, diz que “naqueles tempos o que se fazia era sem malícia, e mais por divertir e acoquinar os guardas do inimigo”.

É certo que o contraventor, não importa em que nível, transgride a lei. Nas narrativas e letras que localizei, ele quase sempre é a vítima, sofre reveses, expõe-se a perigos infindáveis, cativa a simpatia do leitor. “Ninguém ignora que o salteador, na arte, é um caráter generoso e nobre”, escreveu Machado de Assis. A ampla fronteira gaúcha – são mais de 1.700 quilômetros – sempre se constituiu convite para a atividade do contrabando. “Nesta terra do Rio Grande sempre se contrabandeou, desde em antes da tomada das Missões”, sustenta Blau Nunes.

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De todos os textos que examinei, o mais emblemático, para mim, é “Contrabandista”, de Simões Lopes Neto. O conto apresenta três movimentos. No primeiro, dá-se a apresentação do protagonista, Jango Jorge, batendo os noventa anos, “esse gaúcho desabotinado que passou a existência a cruzar os campos da fronteira”. Estava se preparando para buscar o vestido de noiva de sua filha prestes a casar.

Na segunda parte, o narrador Blau traz um panorama do contrabando em solo gaúcho. Com uma propriedade admirável de síntese, Simões Lopes Neto traça a história política e moral do contrabando nesta região do Brasil. O conto se encerra com um desfecho trágico, revestido de forte carga emocional. “Então rompeu o choro na casa toda” é a frase final.

Quem também aborda o tema é o excelente Sergio Faraco. O autor injeta uma comovente dimensão humana em seus contos. Vale a pena ler “Noite de matar um homem”, “O voo da garça-pequena” e “Travessia”. O tema está presente em “Contrabando”, de Darcy Azambuja; “Duas tragédias”, de Alcides Maya; “Cinco sacos de farinha”, de Apparicio Silva Rillo; nos romances Caminhos do Sul, de Ivan Pedro de Martins, e Perseguição e cerco a Juvêncio Gutierrez, de Tabajara Ruas.

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Na poesia, destaque para Apparicio Silva Rillo, Laci Osório, Jaime Vaz Brasil, entre outros. Das cinco canções que examinei, quatro têm o título “Contrabando”. Inscrevem-se aí Nenito Sarturi, Valter Florenza e Ivan Moura; Duo Manancial; Juliano Javoski; Max Montiel e Paulo Petry; e com “Chibeiros de Sonhos do Rio Quaraí”, Mauro Marques e Raul Quiroga.

O assunto é amplo, o espaço é pequeno.

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