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fora de pauta

A leitora número 1

Cresci em meio a uma família de leitores de jornal. Na casa dos vovôs e das vovós, dos tios, dos tios-avós, dos padrinhos e de demais parentes, a Gazeta do Sul sempre estava lá, ocupando um espaço muito querido dentro de cada lar. Na dos avós paternos, em Rincão da Serra, no interior de Vera Cruz, por exemplo, os exemplares chegavam de ônibus. E quando se ouvia o ronco do motor, adiante na estrada de chão, era hora de sair correndo: “olha o Krause!”, alguém gritava, enquanto outro alguém saía correndo para que a entrega não se “perdesse” pelo caminho.

Entre essa gente toda, minha avó materna Erica Clarice Neitzke figurava no grupo dos grandes fãs. Era rádio e jornal o dia todo. A grana poderia estar um pouco curta, mas ela jamais deixava de renovar a assinatura. E aguardava ansiosa pelas novas páginas entregues a cada manhã. As notícias publicadas se transformavam em assunto para toda a semana, seja com o marido, as irmãs, os vizinhos, as filhas, os netos… O Jornal do Ike era uma das sensações.

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Os anúncios fúnebres, então, instauravam um comportamento familiar unânime: bastava o radialista começar a falar para que todos parassem o que estavam fazendo (inclusive eu) e sentassem, em absoluto silêncio. Era preciso prestar atenção nos detalhes. Depois os comentários começavam. Quem era? De onde veio? O que houve?

O curioso é que, em meio a esse cenário de leitores e apreciadores da profissão, surgiu, também, uma jornalista. E, antes mesmo de concluir o curso de Jornalismo, em 2010, na Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc), tive a oportunidade de trabalhar como secretária do colunista social, considerado um dos principais do Estado e idolatrado por minha avó. Sim, as badaladas e desejadas páginas do Luiz Henrique Kühn.

Mais tarde, passei a integrar o time da Editora Gazeta e, depois, colecionei passagens pela redação da Gazeta do Sul. E adivinha só quem era a minha leitora número 1? Sim, minha avó! A partir das experiências que eu vivenciava na reportagem, ela deixou a arquibancada para circular pela área vip dos bastidores da notícia. Muitas e muitas vezes, entre um chimarrão e outro, eu contava uma porção de “foras de pauta” a ela. Não raras as vezes surgia uma mensagem no meu WhatsApp: “muito legal o texto de hoje, Helo”. E assim nós compartilhávamos a vida.

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Claro que, nesse período todo, tratei de proporcionar vivências diferentes a ela. Convidei-a para conhecer a redação; indiquei-a como fonte para matérias; citei-a em colunas sociais; e, talvez o principal, fiz com que fotos dela aparecessem na coluna do Ike. O que antes, muito antes do meu nascimento, parecia impossível, mais tarde se concretizou.

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Hoje, já faz um ano e três meses que minha avó Erica partiu para o plano espiritual. Perdi minha companheira de causos, bolinhos de pão e chimarrão. O anúncio fúnebre dela, que não poderíamos pensar em não publicar na Gazeta, foi, curiosamente, uma das coisas mais tristes que vi publicada no jornal.

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Nesse meu recente retorno à redação, não pude deixar de lembrá-la. A situação do Parque da Cruz; a polêmica envolvendo o relógio da Igreja Evangélica; os problemas causados pela chuva; o Fred patroleiro; o projeto do novo aeroporto; e tantos outros assuntos certamente seriam debatidos com ela, entre um café, um passeio ou uma noite de galinhada.

No dia 4 deste mês, a dona Erica teria completado 78 anos. Aqui, então, deixo registrada uma última homenagem. E embora não possamos mais comentar as páginas do jornal pessoalmente, sei que lá em cima ela me acompanha, a cada notícia. Até algum dia, leitora número 1.

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