Com o passar dos anos, entendi que o meu desenvolvimento como ser humano ocorreu após eu matar, ou eliminar, um traço de minha personalidade que entravava a minha evolução. E uma dessas características prejudiciais era uma síndrome de vira-lata em relação ao cinema, algo intrínseco desde a minha infância.
Cresci assistindo a filmes norte-americanos. Raros eram os momentos em que via uma obra nacional. Geralmente, era na escola, quando eu e meus colegas éramos obrigados a conferir uma produção para adultos baseada em alguma obra clássica da literatura brasileira ou um corte histórico com cara de telenovela. E aí a competição era totalmente desproporcional. Afinal, como uma criança ou adolescente que venerava filmes como Guerra nas Estrelas ou De Volta para o Futuro conseguiria prestar atenção em Carlota Joaquina?
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Na medida em que minha bagagem cinematográfica foi aumentando, comecei a encontrar filmes nacionais que prendiam a atenção. A filmografia de José Mojica Marins, o eterno Zé do Caixão, e Cidade de Deus, uma espécie de Pulp Fiction (de Quentin Tarantino) brasileiro. Curiosamente, artistas e produções reverenciadas não só nos Estados Unidos, minha referência na época quando o assunto era cinema, mas em todo o mundo.
Recentemente, os gringos estavam histéricos com o relançamento dos filmes do Mojica, uma edição de luxo que, no Brasil, custaria no mínimo R$ 2.000,00 e que esgotou rapidamente lá fora. Com tamanho sucesso, houve relançamento em uma edição mais simples, mas que logo deverá sumir das lojas de filmes.
Isso sem mencionar o fato de que obras como O Bandido da Luz Vermelha, Deus e o Diabo na Terra do Sol, Dona Flor e seus Dois Maridos e tantos outros são um sucesso lá fora e podem ser facilmente encontrados em mídia física. Sim, enquanto nós nos entregamos inteiramente aos streamings, lá fora ainda se compra DVD e Blu-Ray.
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A questão é que, por mais que eu achasse que era apreciador do cinema nacional por ter visto alguns filmes, era apenas porque eles eram reverenciados lá fora. No fundo, ainda era um vira-lata e olhava para as produções brasileiras com pouco apreço. Foi em outubro de 2023, quando comecei a trabalhar aqui no jornal Gazeta do Sul, que finalmente percebi isso. Foi durante a cobertura do 6º Festival Santa Cruz de Cinema, que ocorreu dez dias depois após minha chegada à cidade.
Embora eu tivesse conhecimento acerca do evento, só fui entender a magnitude dele ao acompanhá-lo. E, ainda na primeira noite de exibição, olhei para o vira-lata que havia em mim com desgosto. Foi aí que decidi que era a hora de sacrificá-lo, para o bem. Após o encerramento da minha primeira edição, olhei para o cinema nacional com orgulho. Revisitei obras que havia menosprezado e passei a admirá-las. E mais do que isso, me conectar a elas.
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O povo de Santa Cruz do Sul precisa do Festival de Cinema. Mais do que imagina. Não só para aprender a apreciar o nosso cinema, mas para gerar orgulho pelo que nós, brasileiros, produzimos não só na cultura, mas em todos os setores. Somos sim referência em vários segmentos, mas desde a infância somos influenciados por péssimos influenciadores de que tudo de fora é melhor. Valorize o que é nosso. Valorize o festival. Comemore o fato de que o teu município se tornou referência para os cineastas brasileiros. Mate o vira-lata que existe em você.
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