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Agentes culturais de Santa Cruz avaliam retomada do setor no pós-pandemia

Há dois anos, a chegada da pandemia colocou o mundo de joelhos e o isolamento social nos fez buscar a companhia da arte. A população se voltou como nunca para a música, os livros, os filmes e demais expressões artísticas para consumir do conforto – e da segurança – de casa. Além da valorização dessas obras que nos ajudaram a resistir ao vírus e ao adoecimento mental, foi possível perceber o enorme peso da arte no dia a dia da sociedade.

Além do consumo individual de produtos culturais, foi possível perceber que o setor da cultura foi um dos mais afetados pela restrições. Os artistas e trabalhadores da cultura, em geral dependentes de eventos e aglomerações, enfrentaram um período de dificuldades. Mas mesmo em meio a tantas perdas, o período trouxe o auxílio emergencial da Lei Federal nº 14.017/2020, conhecida como Lei Aldir Blanc, que permitiu a muitas pessoas não só sobreviver no período, mas produzir obras e projetos culturais marcantes e inovadores.

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Agora com a retomada de ações e apresentações, o setor da cultura desponta como uma das grandes esperanças do período pós-pandemia, não só como uma parte indispensável do cotidiano, mas como área potencial de crescimento econômico e geração de renda. A Gazeta do Sul ouviu agentes culturais de diversas áreas em Santa Cruz do Sul para apontar o que será necessário para que esse desenvolvimento ocorra, favorecendo os artistas e a comunidade.

Diversidade que cria identidade

Apesar de carregar forte identificação com a colonização alemã, Santa Cruz integra expressões culturais vinculadas não só aos descendentes germânicos, mas também a italianos, portugueses, afro-brasileiros e àqueles que honram a cultura gaúcha. A cidade vibra com atividades artístico-culturais como música, dança, teatro, poesia, literatura, artes visuais, museus, arquivos, bibliotecas, gastronomia, artesanato, e muito mais.

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Em 2019, foi criada a Secretaria Municipal de Cultura (Secult), mas a pasta ainda não teve atuação plena. Isso porque o primeiro ano foi de criação e adequação e em 2020 e 2021 as ações foram prejudicadas pela pandemia. “Muitos eventos culturais foram cancelados de forma permanente ou tiveram uma grande diminuição em seu público. Isso enfraqueceu muito a cadeia produtiva da área cultural e precisamos refazer muitos elos perdidos. Sinto o que estudiosos apontam: que o setor será protagonista na retomada econômica pós-pandemia”, declarou o secretário Marcelo Corá.

Corá: Secult fomenta ações para artistas

Corá aponta que cidades com vocação para pólo regional, como Santa Cruz, não podem abrir mão de uma secretaria exclusivamente de cultura, para fomentar ações para a classe artística com editais e estabelecendo canais em nível estadual e federal para captação de recursos.

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Outro espaço reconhecido pela promoção e apoio de ações culturais para o desenvolvimento da região é a Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc). De acordo com o Coordenador do Núcleo de Arte e Cultura (Nuac) da Unisc, professor Luiz Augusto Costa Campis, “estas atividades representam a alma, o imaginário, a vida da nossa comunidade. Sem elas não existe nossa identidade”. A Unisc mantém uma orquestra de câmara, um coral e uma escola de música. Também foi criada uma Pinacoteca, e apoia eventos como a Feira do Livro e o Festival de Cinema, publicações de livros e revistas e parcerias com músicos, destacando ainda a produção audiovisual ligada ao Curso de Comunicação Social. Conforme Campis, é preciso urgentemente de espaços que abriguem ensaios, apresentações e exposições dos artistas e investimentos nesta infraestrutura.

Campis: Unisc apoia ações culturais

Segundo a gerente do Serviço Social do Comércio (Sesc), e presidente da 36ª Oktoberfest e Feirasul, Roberta Pereira, Santa Cruz do Sul é uma das cidades onde a cultura apresenta maior efervescência e produção nas mais diferentes linguagens. “Acredito que nós, gestores culturais, temos de trabalhar em parceria, tanto com a iniciativa privada quanto com os órgãos públicos, para que cada vez mais pessoas possam acessar esses bens culturais produzidos na cidade e também oportunizar que conheçam opções bem diferentes daquelas com que estão acostumadas”, comenta. Para ela, é importante formar o público que vai consumir a cultura, especialmente com ações junto à crianças e adolescentes.

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Com a percepção de que a cultura pode ser uma ferramenta de transformação, justiça social e combate às opressões, a presidente da Sociedade Cultural e Beneficente União e vice-presidente do Conselho Municipal de Cultura, Marta Regina dos Santos Nunes, se define como uma “artivista”. “Eu que venho da cultura negra do samba e do carnaval sei o quanto os mecanismos discriminatórios operam por aqui. A sociedade cultural que meus antepassados ajudaram a fundar tem 98 anos, isso não é pouco e não pode ser ignorado”, disse a professora que também atua no Comitê Gestor da Cultura Viva do Rio Grande do Sul. Ela menciona que Santa Cruz não possui desfiles de Carnaval desde 2016, sem receber recursos mesmo antes da pandemia.

Marta: ferramenta de combate às opressões

O arquiteto, professor universitário e presidente da Associação Pró Cultura – Casa das Artes Regina Simonis, Milton Keller, acredita que as manifestações culturais são muito importantes para a sociedade. “É com elas que se cultivam as tradições, memória, história e a vanguarda contemporânea. Mesmo com os protocolos de distanciamento, ainda assim houve pessoas que se mobilizaram em manter viva a cultura em Santa Cruz do Sul”. O espaço organiza oficinas, saraus, recitais e exposições e enfrenta a necessidade de recursos para recuperação da edificação. Keller recomenda a conscientização e valorização do patrimônio histórico e arquitetônico, além de apoio às tradições regionais, e convida a comunidade a se associar e colaborar com a entidade.

Milton: valorização do patrimônio histórico

No embalo da música

Um dos setores de maior destaque na cultura local é, sem dúvida, a música. Seja com as bandas de baile, no sertanejo, rock, MPB, ou rap, há espaço para todos e um grande número de artistas dedicados. O presidente da Associação de Músicos e Artistas Profissionais de Santa Cruz do Sul (Amarp), Nilson Reinck, aponta que o objetivo da entidade é unir e organizar a categoria. “Hoje em Santa Cruz não há um levantamento exato de todo o pessoal envolvido na música, pois ainda há muita informalidade. Temos tentado trazer todos para a associação e uma situação formal com direitos e deveres”, explica o músico e dono do grupo Tchê Vanerá.

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Atualmente, a associação conta com 55 integrantes da cidade, mas espera a chegada de outros profissionais, como técnicos, e músicos de diversos estilos. “A cultura é a integração de etnias, de diferenças. Aqui em Santa Cruz a gente vê bastante isso, uma gama grande de cultura e diversidade cultural. Agora com a associação a gente está mais integrado nas atividades culturais da cidade”, disse.

A arte do espetáculo

Figuras centrais do teatro na cidade, os atores e diretores Simone Bencke e Eduardo Spall, o Duca, acreditam que o setor ainda está engatinhando como reconhecimento artístico e formador de público, por falta de incentivos no passado. “Na área teatral, muitos de nossos espetáculos foram feitos com recursos próprios, mas tivemos e ainda temos a sorte de ter despertado, pela qualidade de nosso trabalho, pessoas e empresas que acreditam e apoiam nossos projetos”, lembra Simone. O casal destaca a criação de oficinas pelo Departamento de Cultura, em 1997, e como contaram com forte participação e interesse da comunidade, mas não houve continuidade neste trabalho.

Juntos, os dois artistas trabalham com teatro desde a década de 1980, passaram pelo Grupo Polivalente, Górdios e Busílis, Aliança, fundaram o Grupo de Cara na Rua, participaram da Companhia de Teatro Unisc, onde montaram o Enquanto os Anjos Tomam Coca-Cola e desde 2002, estão com o Grupo Espaço Camarim. “Em toda essa andança, foram dezenas de peças, performances como o Paradão do Floriano, oficinas de onde surgiram novos talentos e espetáculos como Viagem a Lorca e o recém criado Grupo de Teatro de Rio Pardinho”, conta Duca. Para os artistas, uma das melhorias que pode ocorrer no município é uma atenção à diversidade cultural e mapeamento de artista para distribuição justa de recursos em editais, para que continue o crescimento do setor.

Renda pelas mãos dos artesãos

Algumas das manifestações artísticas muito presentes nos lares da região são as peças artesanais, que possuem uma forte tradição em Santa Cruz do Sul, especialmente no meio rural. De acordo com o extensionista rural da Emater/RS-Ascar, Evandro Scariot, a cultura é fundamental para integrar as gerações, além de gerar renda para as famílias que vivem da agricultura.

O artesanato estimula o desenvolvimento e a sensibilidade, além de ser uma terapia ocupacional e diminuir gastos com a compra de decorações e utensílios domésticos. A entidade promove espaços de formação, como oficinas que orientam os artesãos quanto a novas técnicas, qualidade da matéria-prima, acabamento e apresentação das peças artesanais. “Há algumas décadas, grande parte das ferramentas, peças de vestuário e utensílios eram produzidos de forma artesanal. Com o avanço da oferta de produtos industrializados a cultura de produzir artesanalmente foi gradativamente se perdendo. Mesmo assim, algumas famílias que vivem no campo têm no artesanato a principal fonte de renda e muitas outras tem na atividade um importante complemento”, explica.

Para Evandro, há uma demanda crescente por peças artesanais, com espaço para ampliação e diversificação, mas muitas vezes o artesão e consumidor estão distantes. Um dos objetivos da Emater é fomentar associações de artesãos e espaços de comercialização como feiras, além do uso das redes sociais para facilitar a divulgação e a venda.

Espaço de cultura urbana

Outras expressões artísticas presentes no município dizem respeito à cultura urbana como o grafite, o estêncil, o rap e a dança. Um espaço que abriga todas essas formas de arte é o Ateliê de Vivências Urbanas (AVU), fundado pelo artista santa-cruzense Rodrigo de Almeida, o Digo, e com sede no Bairro Senai. Para Rodrigo, mais investimentos no setor poderiam representar mudanças na vida da comunidade, que veria a cultura como algo além de lazer, como garantia de trabalho, educação e renda. Outro objetivo do local é que os artistas tenham acesso a recursos de forma contínua e democrática.

“Acreditamos na cultura como um agregador na vida das pessoas, assim como ela foi e é pra nós. Foi por meio da cultura que o AVU nasceu e nos fez vivenciar tantas experiências novas, conhecer pessoas e lugares”, relata. O núcleo principal do AVU é compsoto por cinco pessoas, que se dividem nas tarefas, desde produção até comunicação do coletivo. Como os eventos possuem formatos variados circulam entre a sede do ateliê, escolas, praças, espaços privados e até em outras cidades. Para custear as atividades, o centro cultural produz e comercializa camisetas com estampas de artistas da casa.

Cadastro de Entes e Agentes Culturais de Santa Cruz – Setorial – Número de inscritos*

  • Artes Cênicas – 77
  • Arte e Cultura de Rua – 32
  • Artesanato – 100
  • Artes Visuais – 102
  • Carnaval – 23
  • Cidadania Cultural – 32
  • Folclore e Tradição – 58
  • Instituições e Fundações Privadas – 42
  • Literatura – 35
  • Música – 216
  • Patrimônio Cultural – 21

*Os cadastros são feitos por CNPJ ou CPF. Alguns inscritos em CPF podem estar em mais de uma setorial, o número total de inscritos é 524. Fonte: Secretaria Municipal de Cultura

Atividade que gera impacto econômico

Além da importância educativa e de lazer, as atividades artísticas e culturais também são a fonte de renda de centenas de santa-cruzenses. Muitos outros complementam a renda através do trabalho na área cultural, e é inegável que o setor gera uma importante contribuição econômica para o município. Todavia, a maioria dos agentes culturais ouvidos pela Gazeta do Sul concordam que investimentos maiores na área poderiam produzir efeitos ainda mais duradouros para a riqueza da região.

O orçamento geral da Secretaria de Cultura para 2022 é de R$ 2.930.579,00, fora possíveis suplementações. Apenas em valores de editais repassados aos trabalhadores e entidades da cultura e para projetos da área durante a pandemia, a pasta utilizou R$ 1.073.568,41. Apenas em 2021 foram R$ 202.568,41. “A Secult está dentro do eixo de desenvolvimento econômico, mas conversa fortemente com o turismo, onde ações culturais e lugares históricos trazem visitantes de outras cidades. Com o social, onde trabalhamos com auxílio emergencial à classe artística, e com a educação em ações de capacitação e também intercâmbio com escolas”, explica o secretário Marcelo Corá.

A gerente do Sesc, Roberta Pereira, frisa que em um ano normal de atividade, sem as restrições impostas pela pandemia, o setor envolve mais de 500 profissionais. Isso acontece com os eventos promovidos ou apoiados pela entidade como apresentações teatrais adultas e infantis, shows musicais, feiras de livros, Festival de Cinema, Festa Literária nas escolas, Bailinho da Borges, saraus literários, exposições de artes plásticas e de fotografias, movimentando mais de R$ 500 mil. “Os eventos culturais, em geral, movimentam uma gama grande de profissionais, muitos deles na parte técnica, de apoio e nos bastidores; e o impacto econômico é muito maior do que as pessoas imaginam”.

Roberta: gestores devem formar parcerias

Para a vice-presidente do Conselho Municipal de Cultura, Marta Nunes, o aspecto econômico é uma das razões para o investimento em cultura e eventos culturais, já que existe uma grande circulação de recursos provenientes tanto da iniciativa privada quanto do poder público. “Dependendo do grau de organização dos setores culturais, a cada R$ 1,00 investido pode-se ter até R$ 10,00 de retorno, considerando-se retorno direto (bilheteria e gastos no local) e retorno indireto (exposição de marcas e custos operacionais)”, relata.

Marta defende que a cultura pode e deve ser vista como um investimento, com perspectivas de retorno como qualquer outro, mas, sobretudo, o setor cultural deve ser visto como prioridade dentro das políticas públicas. “Apesar de todas as mazelas que passamos em 2020 e 2021, vimos como uma Lei Federal emergencial impactou a economia cultural local. Indivíduos e grupos que nunca tinham conseguido tirar seus projetos da gaveta puderam fazer isso e, ainda, ter retorno financeiro neste período tão difícil”. Ela acredita que se o município investisse apenas 0,15% do orçamento anual no setor cultural em editais diretos, haveria uma Lei Aldir Blanc por ano, fora o investimento do setor privado, transformando a cidade em um caldeirão cultural.

Iniciativas que vem por aí

Para 2022 a Secretaria de Cultura planeja a instalação de um Coworking Cultural, junto à Biblioteca Pública Municipal Elisa Gil Borowski e à Praça da Cultura José Paulo Rauber Filho. O espaço permanente será voltado para a realização de oficinas de música, cerâmica, artesanato e informática, com salas de reuniões, capacitações, ensaios, estúdio musical e palco duplo para uso da comunidade artística.

Outra iniciativa envolvendo os bairros e o interior de Santa Cruz será o projeto Cidade Multicultural, para promover o intercâmbio entre a periferia e o Centro. A Secult ainda planeja a instalação do Mercado Cultural e Gastronômico nos formato de um mercado público, e o Café Vagão, próximo ao Centro de Cultura Jornalista Francisco José Frantz.

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