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UM ANO DEPOIS

Candelária: cenários e marcas que não se apagaram após a enchente

Foto: Inor Assmann

Passado um ano da enchente de abril e maio de 2024, o município de Candelária ainda tem muitas marcas da devastação de localidades, o que causou perdas principalmente na agricultura. O solo, degradado, perdeu nutrientes, em especial da camada fértil e cultivável de 15 a 20 centímetros, importante para a soja, por exemplo, cuja produção demanda um investimento de cerca de R$ 4,5 mil por hectare. Com o trabalho de recuperação do solo pós-enchente estimado em R$ 3 mil, isso resultou em R$ 7,5 mil de custo por hectare nesta safra, para os que ainda conseguiram fazer o plantio em tempo. Além disso, áreas ficaram inutilizáveis por conta do depósito de sedimentos, como no caso do agricultor Ari Beise. Em razão da grossa camada de areia, nem conseguiu ingressar com máquina na lavoura e reestruturar o local para uma nova safra. O comprometimento gerou em torno de 25% de quebra na produção de muitos agricultores.

A falta de recursos também é um sério problema para os agricultores atingidos. Poucos foram os que conseguiram assegurar financiamentos para investir na produção e melhorias nas propriedades.

Em paralelo às dificuldades enfrentadas pelos produtores rurais, a população em geral de Candelária ainda sofre com os efeitos da enchente, que prejudicou estradas e rodovias, impondo isolamento e desafios para quem precisa se deslocar no município. Soluções imediatas e improvisadas estão servindo até hoje para garantir o ir e vir das pessoas e o escoamento de produção. Alguns lugares estão com o pavimento completamente danificado; em outros, o leito do rio está praticamente na rodovia, o que exige intervenções urgentes. As condições de risco para quem precisa passar pelo trecho estão sendo ignoradas ou são vítimas da morosidade do poder público.

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Após um ano, problemas ocasionados pela enchente ainda afetam a comunidade

Linha do Rio, Rebentona e Palmital, entre outras localidades, ainda sofrem com os resquícios da enchente que assolou Candelária e quase todo o Estado há mais de um ano. O município de pouco mais de 28 mil habitantes sofreu com a cheia dos rios Pardo e Botucaraí e de outros arroios que transbordaram, mais os desmoronamentos de encostas, que causaram prejuízos a partir da destruição e danos a casas, galpões, estradas e pontes e de perdas de equipamentos e lavouras.

Em Linha do Rio, plantações inteiras foram levadas pelas águas. O agricultor aposentado Ari Beise, 75 anos, teve uma lavoura onde cultivava milho e tabaco totalmente destruída pela força da água. Com aproximadamente 3 hectares, a área fica na entrada do acesso para a localidade de Costa do Rio.

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No dia da enchente, Beise lembra que a área estava plantada com milho. “Junto com a água, veio um acúmulo de areia e cascalho e se formaram erosões onde não há condições de entrar com um trator. Passou um ano e não consegui mexer. Tudo está do mesmo jeito”, conta o agricultor.

Ari tentou realizar algumas intervenções com o uso de um trator para retirar os materiais, o que não foi possível devido à complexidade do dano. “São 3 hectares onde poderia cultivar até 45 mil pés de tabaco. Meu genro tem o desejo de plantar, mas hoje não tem como”, frisou. “A Prefeitura e o Senar chegaram a me procurar para disponibilizar máquinas, mas eles têm outros lugares e preciso esperar. Eu necessito de ajuda para conseguir arrumar essa área e voltar a plantar.”

Ari perdeu a lavoura de milho. Área ficou inutilizável pelo acúmulo de pedras e areia | Foto: Inor Assmann

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Filha de Beise, Silvana Brixner também vivenciou o drama da enchente e toda a destruição causada pela força da água na localidade. Ela pede que os líderes pensem em ações para ajudar os agricultores da região afetados pela catástrofe climática. “O meu pai e o meu marido querem ficar na lavoura produzindo, mas é preciso que se tenha uma atenção especial para eles e os demais atingidos recuperarem as áreas mais críticas.”

Passado um ano da tragédia, Silvana salienta que a união da comunidade é o que está fazendo a localidade recomeçar novamente. “Quando a água baixou, o pessoal pegou os tratores e foi limpando o que dava. Essa união da comunidade vai fazer a Linha do Rio retomar a normalidade”, afirma. 

Na localidade, a estrada principal, a VRS-858, teve boa parte da pavimentação asfáltica danificada e até mesmo arrancada pela força da água. Alguns trechos dos 12 quilômetros da rodovia estão sem asfalto ou com a estrada comprometida, colocando em risco quem transita pela via. Em alguns pontos onde não havia contenções, o Rio Pardo também está com erosão marginal, o que provoca estreitamento da estrada.

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Agricultura

Segundo o escritório local da Emater/RS-Ascar, os quase 900 milímetros de chuva causaram danos em mais de mil hectares de lavouras, que necessitaram de correção. Para isso, foram utilizados calcário, compostos orgânicos e ações com máquinas para a realização de drenagens e dragagens. O custo estimado do trabalho de recuperação, por hectare, girou em torno de R$ 3 mil para garantir uma nova produção. O depósito de sedimentos em 10% a 15% das áreas atingidas pelas enchentes e erosões também inviabilizou o plantio de novas culturas na última safra em muitas regiões.

Ir e vir ainda com dificuldades e riscos

Principal acesso a Candelária, a RSC-287 teve diversos problemas causados pela enchente de maio de 2024 e que afetam o tráfego normal até hoje. Na época, a cabeceira da ponte sobre o Rio Pardo desmoronou devido à força da água, deixando o município sem acesso pela rodovia no sentido Candelária–Santa Cruz do Sul.

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Improvisada pelos moradores, uma ponte pênsil foi instalada. Posteriormente, a Rota Santa Maria fez a colocação de uma galeria que está lá até hoje. A concessionária também providenciou um desvio no quilômetro 135, em frente ao ponto onde havia um redutor de velocidade.

Desde a sua instalação, conforme dados da Polícia Rodoviária Estadual, o desvio já registrou 13 acidentes – cinco casos em 2024 e oito neste ano. A situação tem gerado preocupação na comunidade, que pede uma solução imediata para o problema. A Concessionária Rota de Santa Maria e o governo do Estado comunicaram que irão melhorar a sinalização do trecho até que seja feita a construção de nova ponte seca na região, durante as obras de duplicação da rodovia. 

Desde a sua instalação, o desvio no quilômetro 135 já registrou 13 acidentes | Foto: Inor Assmann

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Por conta do alto fluxo, uma rota alternativa tem sido planejada para a localidade de Rebentona. A Prefeitura de Candelária buscou uma alternativa para garantir o ir e vir das pessoas e para o escoamento da produção agrícola do município e da região. 

Três módulos de uma ponte metálica do antigo ramal ferroviário extinto em 1980, entre os municípios de Alegrete e Quaraí, já foram doados ao município pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit). A ponte será instalada na divisa de Candelária, na localidade de Rebentona, com a localidade conhecida por Paredão, de Vale do Sol.

O projeto, que conta com apoio da iniciativa privada, já teve licenciamento encaminhado para a Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam) e a liberação deve acontecer nos próximos dias. A expectativa é de que a conclusão da obra ocorra ainda neste ano. 

Além disso, outras travessias foram afetadas no município. Um total de 14 pontes de concreto e de madeira ficaram destruída. Destas, nove já estão reconstruídas.  O município também possui pontes pênseis, popularmente conhecidas como pinguelas. Destas, apenas quatro foram recuperadas. As demais continuam sem condições de uso pela população.

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À espera das moradias para atingidos

A reconstrução de residências destruídas ou consideradas inabitáveis pela Defesa Civil está ocorrendo a partir de diferentes programas e ações. Por meio de doação do Instituto Dunga de Desenvolvimento do Cidadão estão sendo edificadas 33 casas populares, das quais boa parte já está praticamente concluída.

Em busca de crédito habitacional, mais de 240 famílias foram inscritas na Defesa Civil Nacional por causa de danos ou perdas das respectivas residências.

Já no programa federal S2ID Rural, 74 famílias foram selecionadas e já houve a confirmação de que 46 núcleos familiares serão beneficiados. Alguns cadastros ainda estão em análise. Nesse projeto, a família é beneficiada com R$ 86 mil para construção de propriedade na zona rural, mas em áreas que não têm risco de alagamento e deslizamento.

Também foram contempladas seis famílias pelo programa do governo federal S2ID Urbano com R$ 200 mil para adquirir casas. Os processos para os repasses das moradias às famílias selecionadas estão em fase de tramitação de documentos junto à Caixa Econômica Federal. 

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O município também está incluído no programa do Estado Sua Casa Calamidade 2, pelo qual serão oferecidas 20 unidades de alvenaria. Porém, esse projeto se encontra em fase de tramitação de documentos para doação de uma área do Estado para o Município, onde as residências serão construídas.

Prainha em recuperação

Um dos principais pontos turísticos de Candelária, o Balneário Carlos Larger, a Prainha, às margens do Rio Pardo, também foi arrasado. A água destruiu churrasqueiras, arrancou árvores e danificou a cabana que funcionava como restaurante.

Desde então, a Prefeitura, por meio da Secretaria de Turismo, Cultura e Cidadania, tem trabalhado na recuperação do espaço. Já houve o plantio de árvores e a instalação de bancos e churrasqueiras. O trabalho já está bem avançado, sinalizando que no próximo verão o balneário estará em perfeitas condições para receber visitantes.

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No Palmital, pedido de ajuda comunicado por um bilhete

A enchente de 30 de abril de 2024 também causou transtornos em áreas na margem do Rio Pardo, como Costa do Rio, Alto Passa Sete, Passa Sete, Linha do Sul, Linha Facão e Rebentona. A cheia do Rio Botucaraí igualmente causou transtornos, deixando a localidade de Palmital, na divisa entre Candelária e Cerro Branco, sem acesso e energia elétrica para os moradores da região.

Em meio à enchente e ao avanço das águas na localidade, a balconista Gisele Beatriz Schultz Golke, 35 anos, que estava grávida de nove meses na época, vivenciou momentos de tensão com a possibilidade do nascimento da filha a qualquer momento durante a catástrofe. “A chuva começou no dia 29, e eu estava com a cesárea marcada para o dia 30. Na madrugada do dia 30, escutei um forte barulho de água. Então vimos que não tinha mais estrada e que estávamos sem acesso para nenhum lado”, lembra.

Gisele conta que estava calma, mas com a chuva aumentando, passou a se preocupar, pois não via possibilidade de conseguir sair de casa para realizar o parto da filha Maitê. “O rio estava sempre cheio e a água subia rápido. Não tinha como sair e também estávamos com o celular sem bateria, sem internet e sem energia elétrica”, afirma.

“Um rapaz estava com uma moto de trilha e o meu pai teve a ideia de escrever um bilhete pedindo por socorro para me levarem ao hospital, pois eu poderia ganhar a bebê a qualquer momento. Esse rapaz recebeu o bilhete e entregou na casa do Marcos Haetinger, que acionou o socorro.”

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O socorro e a chegada de Maitê

Marcos Haetinger, 57 anos, é morador do Palmital e atua como radialista em Cerro Branco. Ele lembra que recebeu o bilhete do trilheiro e de forma imediata conseguiu contato com os bombeiros de Candelária. “O socorro foi rápido porque eu consegui sair de moto, aos trancos e barrancos. Fui até um mercado no Travessão Schoenfeldt, onde consegui contato com os bombeiros. Eles tiveram que ir abrindo caminho com uma patrola para conseguir chegar.”

Na manhã do dia 2, Gisele e os familiares saíram caminhando em meio às lavouras com muito barro e foram ao encontro das equipes de resgate. “A ansiedade era muito grande, pois eu só queria sair e que o nascimento corresse bem. Tentaram o helicóptero, mas como choveu muito, não tinha visibilidade para descer. Fomos a pé por terra, atolando no barro, e consegui chegar até as equipes, que me colocaram em uma ambulância e me levaram até o Hospital Candelária”, lembra Gisele.

Após estar acomodada no hospital, pôde descansar e na sexta-feira pela manhã, dia 3 de maio, o nascimento de Maitê finalmente aconteceu. Hoje ela já está com um ano. “Veio com saúde e, para nós, foi uma alegria. Só tenho gratidão a Deus e a toda comunidade que nos ajudou naquele momento difícil. Felizmente deu tudo certo.”

Gisele com os filhos Murilo e Maitê, que nasceu em meio à enchente | Foto: Divulgação

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