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VERDE NOVO

Folhetim: Ninhos

Um duplo sentimento percorre a comitiva: o da incontida alegria pela floresta que logo se instalaria e o do desejo por contribuir para que os milhões de outros troncos, igualmente sofridos e mutilados, possam novamente se reflorestar.

O sentimento do dever cumprido alivia as lacunas até porque, como dissera Antônio ao final do dia anterior, havia muito mais a ser feito ali mesmo e com presteza. Nobres tarefas a realizar sempre as teremos, pensa Irene, que só vê seu amor por Antônio aumentar. Também Eva, em seus enternecidos olhos, admira Christian, que amorosamente a contempla. Nestas ocasiões palavras costumam atrapalhar.

Mas o dia já se faz andante. Pressentindo boas novas, o cardeal pousa no ombro de Antônio. Antônio saúda: “Ontem foi um dia fabuloso. Milhares de irmãs nossas, as árvores arrancadas e decepadas, voltaram à vida. Vão rebrotar, vão crescer, capturar gás carbônico e oxigenar nossa atmosfera. Mas elas sentem falta de alguma coisa fundamental.”

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Líris sussurra para sua bonequinha: “Eu sei o que é. Assim como eu preciso de ti, tu me queres o tempo inteiro”. A criança ouvira o que Líris assoprara e sorri em concordância total. A criança, já em voz alta vibra: “Assim como a Líris e eu. Até podemos discutir às vezes, ficar uns minutinhos ‘de mal’, mas logo a gente volta a querer ficar juntinho.” Sem necessitar de palavras, Irene, Eva, Tanice e Cristian trocam olhares coniventes.

Antônio, entendendo o momento, deixa a quietude acolhedora exercer seu papel. Porém, não tarda em retomar a palavra: “Hoje é o dia dos ninhos e berços.” Curiosos, todos se põem a caminho. Seguem pela mesma trilha que os leva ao loteamento, pretendido pelo “irmão”, que só entendia a linguagem do dinheiro. Chegam. Assentam-se e observam. O cardeal não perde tempo. Escolhe uma árvore e numa forquilha estrutura seu ninho. Recolhe um pequeno graveto aqui, uma folha mais adiante, uma gramínea acolá. Os materiais mais robustos dão resistência ao ninho enquanto as gramíneas e folhas ofertam-se aconchegantes.

Eis que de todos os lados se achegam pássaros de múltiplos matizes e tamanhos. Em festivo atarefamento, os troncos misteriosa e rapidamente rebrotados acolhem ninhos e mais ninhos. A algazarra dos cicios, pipios e assovios inunda a floresta que se precipita em coloridas nuvens de pássaros. O tempo pede licença. Num passe de mágica, o período de incubação se apressa em ovos que eclodem em novas criaturinhas. Os troncos antes sofridos agora vibram em vitalidade. Insetos e lagartixas de toda ordem assumem seus postos. A nenhuma existência falta seu lugarzinho na amplitude diversificante.

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Cauteloso, Antônio se mantém atento às atitudes do “irmão”. Ele corre de uma árvore para outra. Quer espantar os pássaros e demais convivas de cada planta. Grita, esperneia, xinga: “Saiam daí, estas árvores são minhas. Elas vão me enriquecer. Fora daqui.” Antônio sabe que não adiante intervir. Espera o “irmão” cansar de sua tresloucada correria.

Desesperado em sua infrutífera faina o “irmão”, já exaurido, se atira ao chão em choro convulsivo. Antônio se aproxima: “Não vês que estás ficando ainda mais rico? Cada pássaro aduba a terra e faz um ninho; cada ave faz com que muitas outras criaturas consigam se instalar. E você segue não gastando nada com isso. A floresta, para crescer e se ampliar, precisa dos pássaros e dos muitos outros animais.”
Estupefato, o “irmão” reclama: “Mas estes bichinhos estão se apossando de minha floresta. Eles nem ligam para mim. Daqui a pouco são eles que vão tomar conta de minhas árvores e eu vou ficar pobre de novo.” O “irmão” se prostra sem forças. Seus trejeitos e o olhar perdido denunciam o fracasso de uma trajetória. Antes que o torpor da exaustão o consuma em definitivo, apalpa mais uma vez seus bolsos. Certifica-se de que nada está faltando, ou ao menos assim imagina.

Preocupado, Antônio chama Cristian às pressas. Algo inesperado está acontecendo com o “irmão”.

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